Harper
O despertador tocou tarde demais, e eu já estava atrasada. Olhei para o espelho enquanto prendia os cabelos ruivos num coque apressado. Meu cabelo sempre foi minha marca registrada – um vermelho intenso, quase fogo, que contrasta com a pele clara e as sardas no nariz. Não era incomum ouvir elogios sobre minha aparência: olhos verdes, lábios cheios e um corpo que eu mesma aprendi a amar, mesmo que nem sempre tivesse sido fácil. Meus quadris são largos, minha cintura bem marcada, e, embora não tenha curvas perfeitamente proporcionais, sei como usá-las a meu favor.
"Harper, você é um furacão," sempre dizia minha melhor amiga, Camila Alvarez, e ela não estava errada. Hoje, eu parecia mais um tornado enquanto corria para pegar as chaves e sair do apartamento em Chelsea.
Camila é minha irmã de alma, a pessoa com quem compartilho tudo, desde nossa época na faculdade de Jornalismo e Comunicação. Ela é latina, de ascendência dominicana, e estar ao lado dela sempre foi um lembrete de como a vida pode ser calorosa e cheia de amor. Quando ela me levou para passar o Natal com sua família, conheci um mundo diferente: risadas altas, abraços apertados, e aquele cheiro irresistível de comida caseira. Totalmente oposto à frieza da casa onde cresci.
Minha mãe, Katherine Lane, é uma mulher forte, mas endurecida. Após ser abandonada pelo meu pai, ela se fechou como uma concha. Eu nunca esquecerei o dia em que a vi destruída: eu tinha oito anos e entrei na cozinha para encontrá-la chorando, sentada no chão, segurando uma carta amassada. Naquele momento, fiz uma promessa: nunca confiaria em um homem. Nunca daria meu coração como ela deu o dela, apenas para tê-lo despedaçado.
Claro, isso não me impediu de viver romances intensos e noites casuais. Mas minha regra era clara: nunca o mesmo homem mais de duas vezes. A última coisa que eu precisava era deixar alguém chegar perto o suficiente para me machucar.
Mergulhada nessas memórias, percebi que estava dirigindo com o piloto automático. Meu carro era pequeno, discreto, mas eficiente. Então, no sinal vermelho, um rugido grave me tirou do transe. Uma moto parou ao meu lado. O homem em cima dela tinha um físico impressionante – ombros largos, braços fortes visíveis mesmo sob o couro da jaqueta. O capacete escondia o rosto, mas seus olhos... Oh, aqueles olhos. Eles encontraram os meus por um breve segundo, e um arrepio percorreu meu corpo.
O sinal abriu, e ele acelerou, desaparecendo na avenida antes que eu pudesse pensar em fazer algo além de observá-lo partir. Suspirei, soltando um riso nervoso, e segui para a rádio.
Quando entrei no estúdio, Camila já estava lá, mexendo em seu laptop e, como sempre, impecável em seu vestido ajustado e batom vermelho.
"Harper Lane, você está atrasada!"
"Bom dia para você também, Camila. Culpe meu despertador, não a mim."
Ela riu e me puxou para um abraço. Esse era o tipo de calor que ela sempre oferecia. Poucos minutos depois, a equipe do nosso podcast, Sem Filtros, se reuniu na sala de reuniões para discutir a pauta da semana. Eu era conhecida pelo apelido de Red e Camila por Star, não tínhamos nossas identidades reveladas no programa, preferíamos assim, o anonimato.
"Tenho uma ideia," anunciei, cruzando as pernas e inclinando para frente. "Que tal criarmos um quadro onde lemos os relatos das nossas ouvintes? Histórias sobre encontros amorosos – os quentes, os desastrosos e até os esquisitos. Algo divertido e sincero."
Os olhos de Camila brilharam. "Eu amei! Pode trazer uma conexão ainda maior com o público."
Todos concordaram, e eu senti aquela onda de entusiasmo que sempre me guiou. Mesmo nos meus dias mais cínicos, o podcast me dava um propósito.
"Sem filtros, como sempre," concluí, enquanto já anotava ideias.
Naquele momento, não fazia ideia de que minha própria vida estava prestes a virar uma dessas histórias.