- A polícia está aqui! - Grito com toda a força com uma sirene tocando em meu celular no máximo que consegui.
Era assustador o que estava acontecendo tão próximo da minha casa. Sempre me disseram que ali era um bairro tranquilo, com baixa criminalidade e perfeito para uma mulher sozinha morar.
Pelo que eu estava vendo, fui enganada pelo corretor de imóveis e pela vizinhança apática.
Ninguém mais estava vendo aquilo?
Era impossível que um homem estivesse sendo surrado por outros três brutamontes, emitisse sons de dor e lamúria e ninguém se compadecesse?
Estava alheia a tudo quando virei na esquina da minha casa e entendi o que estava acontecendo. Tive vontade de voltar correndo para o ônibus que acabava de me deixar no ponto. Lá pelo menos teriam outras pessoas que me ajudariam a fazer alguma coisa, mas ali, no final da tarde, não havia uma viva alma. Todas as janelas dos prédios estavam fechadas, as portas trancadas e a rua deserta. A única desavisada de toda essa situação fui eu.
Justo eu!
Odeio sangue, odeio violência, odeio injustiça e aquilo era uma junção dos três.
O homem estendido no chão não parecia um sem-teto. De longe eu podia ver que ele usava um terno caro, provavelmente ele foi assaltado e tentou reagir. Acabou que eu, a pessoa mais passiva do mundo, teria que ir ao seu socorro.
E sangue! Quanto sangue tinha a sua volta.
Me aproximei devagar com medo dos bandidos verem que era mentira a minha fala sobre a polícia. A sirene ainda tocava em meu celular, o que me dava uma falsa segurança e talvez fosse isso que tivesse mantido os vizinhos escondidos. Deveriam achar que realmente a polícia tinha chegado e não precisariam se importar com o que estava acontecendo.
Com o coração batendo na boca, as pernas tremendo e as mãos agarradas ao celular, me aproximei devagar.
"Ele pode estar morto, não pode? Ele teria morrido com a sucessão de socos e chutes que vi. Por sorte não havia armas, porque aí sim eu teria certeza de que ele estaria morto."
Me ajoelhei a sua frente tentando não desmaiar com a quantidade de sangue em sua face. O resto do corpo não parecia ter qualquer sinal de lesão, contudo por baixo da roupa, manchas pretas e roxas deveriam cobri-lo.
Olhei novamente para ele que permanecia desacordado.
- Moço? - cutuquei seu ombro devagar - Moço? - falei sussurrando com medo de incomodá-lo.
Seus gemidos me aliviaram de alguma forma, e peguei minha blusa dentro da bolsa para tentar tirar um pouco de sangue de seus olhos. Passei delicadamente por toda sua extensão e achei o local que estava minando a maior parte. Pressionei minha blusa em seu supercílio.
- SOCORRO! - gritei alto esperando que alguém viesse me ajudar - ALGUÉM ME AJUDA POR FAVOR! - uma dor arranhada desceu por minha garganta. - ELE PRECISA DE AJUDA! - meus olhos começaram a verter água enquanto eu continuava tentando chamar ajuda.
Deixei a blusa em seu rosto e peguei meu celular do chão. Com as mãos cobertas de sangue acabei sujando a tela e não conseguia discar para a emergência. A esfreguei frustrada em minha calça e puxei de novo para tentar discar.
- Não! - o homem segurou forte meu pulso e me assustei soltando um grito de terror. - Não! - eu tremia.
Seus olhos me avaliaram curiosos e pude encaixar a parte que faltava em minha memória a moldura de seu rosto. Os olhos verdes combinavam com o cabelo loiro palha que não estava tão tingido de vermelho. Mesmo com todos os machucados, lábios inchados e manchas roxas, ele parecia ser um príncipe de conto de fadas.
- Eu preciso chamar ajuda - tentei fazer minha voz soar - Você foi assaltado, está muito machucado, perdeu sangue!
- Não - ele falou novamente sem me soltar. Acabei soltando o celular e levando minha mão de volta a blusa que tinha saído do lugar.
- O que eu faço então? - mas ele não precisou dizer nada. Um carro preto entrou na rua cantando pneus e parou onde nos encontrávamos. Fiquei ainda mais apavorada.
Quatro homens desceram e pararam a nossa volta.
- Eu disse que iria dar merda! - Um homem enorme com cara de mau falou, enquanto outro um pouco menor parou ao meu lado e me puxou pelos ombros me tirando de perto do homem de terno.
- O que vocês vão fazer? Ele precisa de um hospital. Precisa de ajuda! - falei assustada vendo os outros dois pegarem com cuidado o homem do chão e o levarem para o carro.
- Não se preocupe, sabemos o que fazer - o que estava ao meu lado sussurrou em meu ouvido me fazendo pular. Ele me soltou e se voltou para o carro.
- Obrigado - O maior disse sem ter certeza - Ainda não entendi como a bambina conseguiu fazer alguma coisa, mesmo assim - deu de ombros com uma cara de deboche e fechou a porta sem dizer mais nada, sumindo pela rua da mesma forma que entrou.
Me levantei pegando a blusa suja de sangue, meu celular e a bolsa jogada de qualquer jeito. Meus joelhos ainda tremiam com tudo que tinha presenciado.
Era assustador ver que assim como apareceram, eles sumiram, como em um passe de mágica. A única coisa que mostrava que aquilo era real, era as marcas do sangue no chão e em minhas roupas.
Corri para o apartamento para me livrar de tudo. Mal entrei e já fui direto para a lavanderia jogando tudo dentro do tanque e ficando apenas de calcinha e sutiã. Liguei a torneira e comecei a esfregar tudo tentando tirar aquelas manchas que já começavam a secar.
Quando pôr fim a água começou a ficar mais clara, joguei bastante sabão em pó e deixei de molho para depois colocar na máquina de lavar. Corri para o banheiro e me enfiei da forma que estava, embaixo do chuveiro tentando lavar todo aquele sangue do meu corpo e da minha mente.
Comecei a chorar após passar o choque de tudo o que tinha visto. Eu não sabia nada sobre os homens que o levaram, e se de alguma forma eles também fossem bandidos? E se eles matassem o homem de terno?
Eu deveria ter chamado a polícia, deveria ter interrogado aqueles homens. Eu tinha que ter sido mais esperta!
Mas infelizmente não fui. Fui estupida de achar que eram seus amigos e agora me corroía por não saber se fui responsável pela morte de um homem.