'' Ter nascido me estragou a saúde"
- Clarice Lispector
E o mundo tornou-se cinzas.
Tudo ao meu redor se desfez nelas. Afinal... o que mais poderia restar? Depois de ele incendiar meu coração, quando as chamas se apagam, quando o fogo se esvai... o que sobra?
A dor constante da sua presença.
O ardor imensurável do que ele me fazia sentir.
Tudo se tornou nada.
E esse nada é vazio. Avassalador.
Fecho os olhos. Tento sentir a brisa fria que sopra sobre meu rosto - aquela que, um dia, me trouxe alívio. Que acalmava meus sentidos.
Hoje, ela só passa. Indiferente.
Assim como minha pele, agora tão gelada quanto ela.
A brasa que ardia em meu peito cessou.
A dor também.
Tudo, enfim, sumiu.
E agora... eu não sinto nada.
Esperei por esse momento com desespero. Clamei por ele. Supliquei.
Mas agora - agora eu só queria poder sentir de novo. Qualquer coisa.
Porque o nada é sufocante.
Ele envolve sua garganta com dedos frios.
E aperta.
Não deixa você se acostumar.
Ele te rouba tudo - até o que você não sabia que ainda tinha.
Mas... posso culpá-lo?
Em meio ao caos, implorei para parar de sentir. Pedi pra acabar.
E acabou. Certo?
Então por que, sentada nesse chão frio, ouvindo os últimos cantos dos pássaros antes de fugirem do inverno - voando pra longe de suas próprias aflições - por que eu não sinto nada?
Isso me assusta.
Mas não me dói.
Deveria?
Talvez.
Mas não ter pelo que sentir tem algo de sublime.
Algo de... acolhedor.
E eu agradeço por isso.
Pelo abraço silencioso que o vazio me dá.
É contraditório.
Porque eu travo uma guerra suja entre dois lados de mim:
o que quer se perder na imensidão do não sentir,
e o que grita pra lembrar como era queimar.
Como era estar viva.
A adrenalina.
A explosão.
A chama acesa por ele.
Por ele...
Se você espera algo feliz disso, pare agora.
Não estou aqui pra falar de felicidade.
Nunca estive.
Não se pode ver beleza nas cinzas.
Não acredite que possa.
O fogo que me consumia apagou.
E o que resta...
não é bonito.
É algo arruinado.
Quebrado.
Irrecuperável.
Queimado até virar pó.
Meu coração implorou por dias que a dor cessasse. Que tudo acabasse.
Tentei todas as formas de esquecer.
Nada adiantou.
Ele gritou.
Suplicou.
Até que, enfim... a dor se cansou de mim.
E o vazio veio.
O nada se instalou.
E agora eu me pergunto:
Era isso que eu queria?
Estar presa a não sentir absolutamente nada?
Ver o belo... e não sentir nada?
Eu diria que conheço a dor.
Diria que tivemos momentos íntimos.
Extremos.
Quase ternos.
Diria que a conheço como a palma da minha mão.
Mas... eu não conheço a palma da minha mão.
Não sei quantas marcas ela me deixou.
Só sei que passou.
E agora que tudo passou,
tudo parece nublado.
Escuro.
Indiferente.
Como se eu soubesse o que vivi,
mas não lembrasse como sobrevivi.
Não há beleza nas cinzas.