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Debaixo da Chuva de Abril

Debaixo da Chuva de Abril

img Romance
img 5 Capítulo
img mariacandido03
5.0
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Sinopse

Depois de perder a irmã em um trágico acidente, Helena Duarte se isola do mundo em uma pequena cidade litorânea, tentando reconstruir sua vida entre o silêncio do mar e as memórias que insistem em doer. É quando ela conhece Gabriel, um músico errante que carrega seus próprios fantasmas e cicatrizes. Em encontros casuais, olhares que evitam e verdades não ditas, os dois descobrem que a dor pode unir tanto quanto destruir - e que, às vezes, o amor surge justamente quando menos se quer acreditar nele. Mas segredos do passado ameaçam romper o frágil vínculo que começa a se formar entre eles. E a cada nova tempestade, Helena precisará decidir se está pronta para viver de novo... ou se continuará apenas existindo.

Capítulo 1 A Casa da Curva

Helena apertou o volante com força ao ver a placa torta na entrada da estrada de cascalho: "Vila das Conchas - 4km". O nome soava quase poético, mas ela sabia que por trás da beleza do litoral, das conchas enfileiradas nas janelas das casas e da maresia grudando nos cabelos, havia silêncio demais para quem carrega luto.

O carro estremeceu ao passar pelos buracos que o GPS ignorava. À sua direita, o mar aparecia entre as árvores - um espelho cinzento, sombrio como os últimos meses. Abril tinha chegado com a mesma delicadeza de sempre, chovendo em dias alternados, lavando as ruas e deixando o cheiro de terra molhada no ar. Ela odiava chuva. Sempre odiou. Mas a irmã adorava.

A casa da curva surgiu como um sussurro: branca, antiga, com janelas de madeira azul desbotada. Helena parou o carro e ficou ali, olhando. O lugar parecia esquecido no tempo, o jardim crescido demais, a varanda cheia de folhas secas. Era o tipo de lugar onde alguém desaparece por escolha.

- É aqui - disse para si mesma, desligando o motor.

Desceu com a leveza de quem carrega muito. Pegou a mochila no banco do passageiro, sentindo o peso do caderno de esboços que não abria desde o acidente. A casa era da tia-avó Leonor, falecida dois anos antes. Ficara vazia desde então. Helena só tinha vindo uma vez, ainda criança, mas lembrava dos corredores compridos, do cheiro de hortelã que vinha da cozinha e de uma poltrona vermelha onde Leonor costumava bordar.

Ao abrir a porta, o som das dobradiças ecoou como um soluço na garganta. O cheiro estava mais para mofo do que para hortelã, e a luz da tarde entrava em feixes tímidos pelas frestas das janelas. Ela deixou a mochila no chão e começou a andar pelos cômodos como se esperasse encontrar alguma versão antiga de si mesma ali.

Subiu as escadas rangentes até o quarto do andar de cima. A cama ainda tinha o lençol floral esticado, como se Leonor fosse voltar a qualquer momento. Na penteadeira, um espelho oval refletia seus olhos cansados, os cabelos presos de qualquer jeito, a boca fina demais para um rosto jovem.

- Só alguns meses - sussurrou. - Só até passar...

Mas ela sabia que não passava. Só mudava de forma.

Nos dias seguintes, Helena tentou se adaptar à solidão como quem aprende uma nova língua. Fazia café, varria o jardim, organizava livros antigos da tia-avó. Dormia pouco. Sonhava demais. O mar, ali tão perto, era uma presença constante. Ela caminhava na areia todas as manhãs, com os pés descalços e os pensamentos em espiral.

Foi numa dessas manhãs que o viu pela primeira vez.

Sentado numa pedra próxima ao píer, com um violão no colo e um cigarro apagado na boca. Helena quase voltou pelo mesmo caminho, mas algo na forma como ele olhava o mar - como se escutasse uma canção invisível - a fez hesitar.

Ele não olhou para ela.

E isso, de algum modo, foi um alívio.

No dia seguinte, ele estava lá de novo. E no outro. Sempre no mesmo lugar, sempre com o violão. Às vezes dedilhava alguma melodia suave, quase imperceptível, como se tocasse apenas para si. Helena começou a mudar sua rota de caminhada só para não passar tão perto. Mas algo nela queria saber mais. Quem ele era. Por que sempre estava ali. O que tanto via nas ondas.

Na quarta-feira, chovia.

Ela foi mesmo assim.

Ele também.

- Você gosta de chuva? - ela perguntou, sem pensar, quando passou por ele e o viu sem guarda-chuva, encharcado, tocando.

Ele a olhou pela primeira vez. Os olhos eram escuros como a areia molhada. Um sorriso lento se formou nos lábios.

- Gosto do que ela esconde.

Helena ficou ali, parada, sem saber o que responder. Depois apenas assentiu e seguiu. Mas o som do violão ficou com ela o resto do dia.

Naquela noite, ao abrir seu caderno de esboços pela primeira vez em meses, desenhou mãos dedilhando cordas, gotas de chuva caindo entre elas. Não dormiu, mas sonhou com música.

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