Ou talvez seja só o medo falando.
__ Mas agora é tarde! Não dá para retroceder.
Se dependesse apenas de mim eu estaria em meu quarto, estudando as matérias atrasadas da faculdade.
Contudo, eu não posso! Não tenho dinheiro para pagar minha faculdade, não tenho dinheiro nem para pegar um ônibus para chegar ao meu destino, piorou os materiais que preciso, fora as xerox e impressões.
Eu poderia continuar me lamuriando, porque tudo está dando errado em minha vida, mas cansei.
Cansei de verdade! Aspirei o ar me sentindo emocionalmente cansada.
Outro carro passa ao meu lado e buzina. Meu coração volta a bater rápido. Respiro fundo e olho as horas em meu relógio de pulso. 00:00h. Já faz uma hora e meia que estou andando sem parar, me sinto uma maluca.
Uma maluca cansada.
Viro a esquina na rua Portugal, passando ao lado da empresa Contax, e paro enfrente a Ladeira da Montanha.
Eu deveria dar a volta... Mas nesse caso demorarei mais ainda e meus pés não estão aguentando mais.
Encarei a ladeira mais uma vez e sinto dúvida, mas ela logo se desfaz e me vejo dando mais um passo ao desconhecido.
Diferente das ruas, a ladeira parecia está em festa. Havia uma prostituta por toda a ladeira, elas falavam alto, riam, acenavam para os carros que passavam, alguns paravam, outros buzinavam e seguiam seu caminho.
__ Ei coisa linda, quer se juntar a nós? __ Ouço uma delas me perguntar, mas ignoro completamente.
Sou louca, só pode ser isso.
Ando o mais rápido que posso, até sair da ladeira da montanha, no topo virei à esquerda, na rua Carlos Gomes. Fui andando até chegar na rua Dois de julho, desci o contorno chegando enfim ao meu destino.
O mau cheiro da rua se misturavam ao meu medo, eu não sabia o que era pior. Era um fedor de fezes, maconha, sujeira, tudo junto.
Meu coração batia forte como nunca, a sensação que eu tinha era que ele ia sair a qualquer momento pela minha boca.
Você não pode fazer isso, vai contra todos os teus princípios! Minha consciência me acusou outra vez.
__ O que farei? __ Sussurrei. __ É isso ou morrer de fome. Não é como se eu fosse me prostituir. __ Tornei a sussurrar, mas a dúvida, a sensação de está fazendo algo errado me corroía por dentro.
Meu irmãozinho depende de mim, não temos mais ninguém, o que posso fazer?
Chego em frente ao um grande portão preto que descascava, talvez devido ao tempo. Meus olhos focaram no enorme letreiro a cima do portão, escrito "CASA SENSAÇÃO", em vermelho e azul com letras de imprensa, ao lado um desenho de peitos brilhava em neon vermelho.
Cafonas! Penso contendo um gruído de insatisfação.
Faço a volta para chegar na entrada de serviços como Lourdes havia me explicado. Um dos seguranças me ver e levanta, eles me olhavam como um pedaço de carne e isso fez eriçar todo o meu coro cabeludo. Uma sensação péssima.
Lourdes disse que eles estão me esperando, então não tenho o por que me preocupar. Procurei me convencer.
__ O que faz aqui negona, se perdeu? __ O segurança perguntou parando em minha frente, enquanto outro me observava sentado em uma cadeira giratória, na cor preta.
__ Boa noite! __ Saudei. __ Senhor, tenho uma diária para fazer.
__ Tem certeza? __ Questionou-me confuso. __ Qual o seu nome?
__ Absoluta! Chamo-me Ana Beatriz.
__ Bom, Ana Beatriz, não somos nós que cuidamos de contratar as putas daqui.
Eu deveria me sentir ofendida pelas palavras dele, mas tudo que eu conseguia era me sentir envergonhada.
Lembrei de minha mãe falando:
__ "Bea, quem se mistura com porcos, farelo come."
Ela acreditava que se a pessoa tem uma má companhia, acaba realizando as mesmas coisas ruins também.
Porque ela não conheceu a fundo a história de Lourdes. Volto a cogitar.
Eu não o culpo por pensa que sou uma prostituta, se alguém passasse agora e me visse nesse lugar pensaria o mesmo.
__ Não, estou aqui para diária como camareira, vim por indicação da Lourdes. __ Respondi séria.
__ A puta aposentada? __ O outro perguntou saindo de seu lugar. __ Cara, essa mulher é famosa aqui. __ Continua a dizer com um largo sorriso. __ Como ela está?
__ Bem!
__ Terminou a faculdade? Lembro que ela estava estudando... __ Ele parou de andar fazendo uma expressão estranha, como se tivesse tentando lembrar de algo e empertigou-se, fechando o primeiro botão de seu blazer.
Os seguranças a minha frente usavam a típica farda social, calça, blazer, sapatos, gravatas na cor preta e camisa social branca. Pareciam seguros e altivos. Estava claro estarem acostumados com as mulheres que vem aqui em busca de trabalho.
__ Ciências Sociais? __ Perguntei-lhe.
__ Isso!
__ Ela está sim, senhor! Hum! Os senhores podem ver se está tudo certo?
__ Ah, sim! O pedido de Lourdes é uma ordem para mim. __ O entusiasta disse caminhando novamente até a sua mesa, abre um caderno, olha por um instante e depois volta a olhar para mim. __ Aqui! Ana Beatriz, uma diária como camareira, oito horas de relógio.
__ Sim!
__ Ligarei para Cláudia, ela que resolve essas coisas.
Enquanto ele ligava para senhora Cláudia, o rapaz que me atendeu não tirava os olhos de mim, eu não sabia para onde olhar.
__ Você daria uma bela de uma puta. __ Ele diz como se tivesse me elogiando. Ignorei.
Troglodita.
Meu coração voltou a bater forte e eu fiquei com raiva de mim por ser tão medrosa.
Eu não tenho nada contra as putas, mas eu não gosto de ser chamada assim, me parece ofensivo.
Lourdes disse que isso é coisa de minha cabeça, ela ama ser chamada assim.
__ Estamos em uma época muito careta, qualquer palavra que falamos torna-se ofensa para os mimizentos. Sou puta, uma filha puta, um dia serei mãe, avó e não deixarei de ser uma puta. __ Ela disse toda orgulhosa em uma conversa que tivemos um dia desses.
Eu não sabia o que dizer, não fui ensinada assim. Aprendi que putas são mulheres prostitutas, que faz relações sexuais por dinheiro, não tem pudor, meretrizes. Eu não sou assim, nunca me vi assim!
Contudo, você também nunca imaginou que aceitaria conselhos de uma. A minha mente me lembra.
O homem ainda me olhava como se fosse um pedaço de carne, talvez esperando uma resposta. Ele estava para falar algo, mas o grande portão ao lado foi acionado, olhei para trás e vi um carro chegando.
__ É o tal ricaço, Lucas, avisa logo a Cláudia.
__ Porra, espero que hoje não tenha confusão. __ O que falava ao telefone, que sei agora se chamar Lucas, esbravejou.
O carro buzinou assustando a mim e deixando o segurança a minha frente com o olhar amedrontado.
__ SAI DA FRENTE, MENINA. __ Gritou me deixando mais assustada ainda. __ Pensa que ele está buzinando para quem? Para mim? __ Diz com grosseria. Dou um passo para o lado, quase entrando no cubículo que o tal do Lucas estar.
__ Ata, desculpa. __ Respondi nervosa. Mas o idiota me ignorou completamente, só olhava para o carro que parecia andar em câmera lenta.
O carro passou por mim com as janelas fechadas, ele é todo escuro, não se podia ver nada do outro lado. Meu corpo voltou a se arrepiar, isso tem acontecido muito, mas não é uma sensação nada boa.
Seja quem for que está lá dentro, não seria uma boa pessoa. Pela forma que os dois agiram.
__ Você tem sorte! __ O segurança disse tirando-me de meus devaneios.
__ O que disse?
__ Você tem sorte de não ser uma puta, na mão desse aí, você sofreria. __ Voltei a me arrepiar da cabeça aos pés.
O que ele quer dizer com isso? Fiquei preocupada.
__ O que o senhor... __ Eu estava para perguntar, mas fui impedida pela voz do tal do Lucas.
__ Ana Beatriz, Cláudia mandou você entrar e encontrar com ela em sua sala. Entra por aqui mesmo. __ Ele apontou para garagem.
O quê? Se eu encontrar o tal carro? Pior, se eu encontrar o dono dele?
__ Vire à esquerda, você entrará por um corredor largo, segue reto que no final é a sala da gerência. __ Ele finalizou alheio às minhas preocupações.
__ Tá esperando o quê menina? __ O grosso volta a se manifestar.
__ Deixa a menina Genilson.
Genilson? Um nome feio para um homem feio.
Genilson é um homem branco, baixo, gordo e calvo, já o Lucas não era tão ruim, negão, alto, careca e forte, mas o problema é que ele é forte demais e não me atrai homens assim.
Ignorei o tal do Genilson, olhei para Lucas e sussurrei um obrigada. Respirei fundo e seguir o meu caminho.