- Não. Da outra vez, fiquei tonta, caí, e mamãe brigou - lembrou, as bochechas coradas pelo calor primaveril de novembro.
Simon parou de rodopiar. Contrariado, subiu os três degraus que levavam à varanda e sentou-se ao lado dela.
- Não tem graça sem você - resmungou, fazendo bico, o que arrancou o riso cristalino da amiga. Encabulada, ela colocou a mão sobre a dele.
Simon admirou o pequeno sorriso, as bochechas coradas e a beleza dela. Parecia uma boneca de porcelana, como as que sua mãe guardava na prateleira mais alta do quarto de costura. Branquinha, lábios rosados, delicada, sempre de vestido de rendas florais. A diferença era que tinha permissão para brincar com Lina. Embora ela recusasse algumas brincadeiras, como subir em árvores, rodopiar pelo gramado ou jogar bolas de lama. Mesmo assim, gostava muito dela e a queria para sempre ao seu lado.
Sua atenção foi atraída por vozes na lateral da mansão. Viu sua mãe acompanhar o marido até o carro. Mantendo a porta traseira aberta para o patrão, estava o pai de Paulina. Simon sorriu quando sua mãe deu um beijo nos lábios do marido antes de deixá-lo partir para o trabalho. Toda manhã, eles repetiam aquele gesto, e Simon se perguntava se era isso que os mantinham juntos.
Voltou-se para a amiguinha, que também observava a cena, e, imitando sua mãe, depositou um beijo na boca dela.
Foi então que tudo mudou. Naquele breve instante, após o inocente beijo.
De repente, a mãe de Paulina apareceu gritando e puxou a filha para longe dele. Apavorado, ouviu a mulher, sempre tão gentil, repreendê-lo duramente.
Sua mãe se aproximou, confusa com a gritaria, e a mãe de Paulina contou sobre o beijo, dizendo que ele tinha tomado liberdades indevidas com a filha dela. As duas mulheres começaram uma discussão acalorada. Confuso, Simon chorou, com medo de que seu beijo tivesse ferido a amiga e por isso a mãe dela estivesse tão irritada.
Depois daquele dia, nunca mais teve permissão para brincar com Paulina, e a mãe dela não deixava que ficassem sozinhos.
Simon não entendia o que havia de tão errado em seu beijo, porém, não teve coragem de perguntar ou reclamar da distância crescente entre ele e Paulina.
Passou a sentir raiva. Das Perez, de si mesmo e da péssima ideia de beijar Paulina para uni-los para sempre. O efeito foi o contrário: a cada dia, se afastavam, ignoravam e, com o tempo, tornaram-se dois estranhos na mesma casa.
~*~
Ao atravessar a porta dos fundos da mansão, Simon Salvatore lançou um olhar furtivo à Paulina Perez, que conversava com o jardineiro. A presença dela era um chamariz para sua curiosidade. Nos últimos dois anos, a viu poucas vezes, sempre de passagem. Agora, segundo a governanta da mansão, ela ficaria por ali por alguns dias ou mais.
Encostou-se a uma viga da varanda e a observou, aproveitando que não percebeu sua presença.
Baixinha, com pouco mais de um metro e cinquenta, parecia ainda menor com as roupas que usava: saia longa e blusa de manga comprida. Simon nunca entendeu o motivo de se cobrir tanto, mesmo em dias de calor extremo - como aquela tarde. O longo cabelo negro e a franja farta ocultavam parcialmente os olhos que lhe lembrava de mel derretido. Mesmo à distância, sabia que a pele clara estava corada pelo sol intenso.
Sorrindo de canto, aproximou-se devagar, presumindo que ficaria ainda mais ruborizada ao vê-lo.
Sentindo-se observada, ela interrompeu a conversa e, protegendo os olhos do sol com a mão, avaliou por um instante o homem que se aproximava dela e de Pedro, seu tio. Assim que reconheceu Simon, as mãos suaram e o coração acelerou, ecoando em seus ouvidos.
Retornando a atenção para o tio, podando os arbustos, apertou as mãos e mordiscou o lábio inferior. A tensão tomou conta de seu corpo ao prever o que aconteceria quando o caçula dos Salvatore chegasse perto.
Simon sempre foi arrogante, convencido e um egoísta, que passava pelas mulheres com indiferença devastadora.
Sua falecida mãe sempre a alertou sobre homens como ele, e exigiu que mantivesse distância respeitosa dos filhos dos patrões. Paulina cresceu seguindo esse conselho. O que não é difícil, já que Simon possui um perturbante prazer em afastá-la com provocações inconvenientes.
Simon cumprimentou ambos antes de se concentrar em Pedro, perguntando com educação sobre o trabalho no jardim e elogiando seu cuidado com as plantas. Apesar de tentar ignorar a conversa, Paulina o observou de relance e percebeu, não pela primeira vez, que, quando queria, ele podia ser agradável. Era em momentos como aquele, quando Simon sorria e se mostrava gentil, que entendia por que as mulheres se apaixonavam perdidamente por ele.
Sem dúvida, Simon tornou-se um homem bonito: cabelo preto e denso, olhos escuros e penetrantes, estatura imponente. Até Paulina, que sabia o quanto sua aparência escondia uma personalidade terrível, nutriu uma paixonite por ele na adolescência. Um sentimento que reprimiu, tanto por suas provocações constantes quanto pelos avisos dos pais , sempre lembrando-a de que não passava de uma empregada, mesmo sem trabalhar oficialmente na propriedade.
- Depois a gente se fala, tio. Até mais, senhor Simon! - despediu-se, incomodada por ter sido praticamente ignorada pelos dois.
Afastou-se apressada em direção à lateral da residência, onde sua família paterna morava e trabalhava há três gerações. Precisava escolher a roupa para a entrevista de emprego no dia seguinte.
Embora gostasse de dividir o mesmo teto com a irmã mais nova, a convivência com o pai estava cada dia mais difícil. Desde que perdeu o emprego anterior, ele insistia que ela trabalhasse na faxina ou em outro ocupação na mansão. Por anos, atendeu a todas as exigências dele - até os cursos que fez foram por imposição -, mas agora, formada em governança hoteleira, só aceitaria um cargo de governanta, a menos que ficasse completamente sem recursos.
- Voltou para a mansão em definitivo? - A voz grave de Simon atrás dela arrancou-a violentamente de seus pensamentos.
Perturbada por ele tê-la seguido, perguntou-se por que Simon cismava tanto com ela. Poderia ignorá-lo e seguir em frente, mas, se o pai descobrisse que tratou mal o filho dos patrões, a repreenderia sem piedade.
- Só até arrumar um novo emprego - respondeu baixinho, cabeça abaixada e olhos evitando-o.
Ele posicionou-se à sua frente, as mãos nos bolsos, e, pelo movimento da sombra no chão, percebeu que se inclinava sobre ela.
- Vai fritar nessa sauna que chama de roupa - escarneceu. - Vestida assim, presumo que concorrerá à vaga de freira. É esse o trabalho que procura?
Paulina puxou as mangas da blusa, apertando os dedos nas bordas, escondendo os poucos centímetros de pele exposta. Odiava quando Simon zombava de suas roupas. Ainda assim, apertou os lábios, reprimindo a vontade de revidar, de dizer que, ao contrário das mulheres com quem ele saía, foi criada valorizando a decência e discrição.
- Perdeu a língua, Perez? Posso achá-la pra você - sussurrou perto de seu ouvido.
Ela inspirou fundo, tremendo de vontade de jogar no lixo todas as regras de bom comportamento, implantadas pelos pais em sua mente, e mandar Simon pastar.
- Vou trabalhar como governanta em um hotel - respondeu trêmula.
Falou como se a contratação estivesse garantida, quando na verdade dependia de uma última entrevista. Preferia nadar com jacarés a dar a Simon mais munição para humilhá-la.
Simon endireitou-se, analisando-a friamente. Seus olhos escuros detiveram-se nas mãos que se apertavam, notando as dobras esbranquiçadas, quase como se não houvesse sangue circulando. A face dela estava pálida, os lábios tensos e trêmulos, sinais de que estava à beira de um colapso.
- Não sei para quem desejo sorte: para você ou para o infeliz que a contratar - disse, recuando um passo. - Tente agir menos como uma ostra.
Com esse conselho sem sentido aos ouvidos de Paulina, saiu de sua frente. Agarrando-se à oportunidade como um náufrago a um pedaço de madeira no mar, Paulina seguiu a passos largos para a ala que dividia com o pai e a irmã.
Se olhasse para trás, surpreenderia Simon com um risinho divertido nos lábios.