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Entre o amor e o tráfico

Entre o amor e o tráfico

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Sinopse

Eles cresceram entre becos e promessas, entre pipa no céu e sirene cortando o silêncio da noite. Ketlyn se tornou uma advogada criminal de sucesso. Enzo virou o novo chefe do tráfico da Ceilândia, herança maldita deixada por seu pai. Ela queria justiça. Ele só queria protegê-la do caos que o engoliu. Mas quando o destino resolve brincar depois de tantos anos, não há toga, mansão ou poder que consiga apagar o que o destino escreveu com sangue e saudade. Entre festas, becos, julgamentos e tiros - existe um amor bruto, intenso, capaz de desafiar o sistema, o passado e até a morte. Ele largaria o tráfico por ela? Ela atravessaria a lei por ele? Mas será que o amor resiste ao crime? ⚠️ Aviso legal: "Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, lugares ou eventos reais terá sido mera coincidência."

Capítulo 1 Raízes na Ceilândia

O sol escaldava os becos apertados da Ceilândia, onde a poeira subia a cada passo e os gritos das crianças se misturavam com o barulho de funk vindo de um rádio velho na laje. Era um cenário de caos e vida, onde os sonhos pareciam pequenos diante da realidade dura, mas ainda assim resistiram, enraizados como mato entre o concreto rachado.

Ketlyn corria descalça pela viela, as tranças balançando nas costas, o sorriso iluminando o rosto bronzeado. Tinha sete anos, a curiosidade nos olhos e uma coragem que não combinava com sua pouca idade. Atrás dela vinha Enzo, um ano mais velho, rindo alto, com o short rasgado no joelho e o chinelo quase solto do pé.

- Você vai ver, Ket! Quando eu te alcançar, vai ter troco! - ele gritava, fingindo ser bravo.

Ela virou de repente, se escondeu atrás do portão enferrujado de dona Lourdes, a vizinha fofoqueira, e esperou. Assim que ele passou correndo, ela pulou nas costas dele com um grito de guerra, os dois caindo no chão de barro, rindo como se o mundo fosse simples, como se fossem só eles dois.

- Te peguei de novo, bobo! - disse Ketlyn, orgulhosa.

Enzo olhou para ela, ainda deitado, e sorriu com os olhos brilhando.

- Você é rápida, Ket. Devia ser jogadora de futebol, igual os meninos grandes.

- Eu vou ser advogada! - ela respondeu de repente, com firmeza, como se já soubesse que seu destino era lutar por justiça.

Ele franziu o cenho.

- O que é isso?

- É quem defende as pessoas no tribunal. Tipo nos filmes que o pai do Lucas assiste. - Ketlyn se levantou, limpando os joelhos sujos.

- E eu vou ser chefe! - ele disse. - Igual meu pai. Todo mundo respeita ele.

Ketlyn hesitou. Sabia que o pai de Enzo não era um homem comum. Os cochichos, as visitas da polícia, os carros pretos que paravam tarde da noite... Mas ela era criança. E, pra ela, Enzo era só seu melhor amigo. E se ele queria ser chefe, tudo bem. Ela queria estar por perto.

Naquela época, Enzo e Ketlyn eram inseparáveis. Estudavam na mesma escola pública, dividiam o mesmo lanche quando dava, e se protegiam de tudo e todos. Quando um moleque implicava com Ketlyn, Enzo já chegava com o peito estufado, pronto pra brigar. Quando ele apanhava do pai por alguma besteira, era Ketlyn quem aparecia com um pão escondido na mochila e um olhar de consolo.

A infância deles foi marcada por risos, quedas e pequenos segredos sussurrados no telhado da casa de Ketlyn. Era ali, com as pernas balançando sobre o vazio e a visão do céu manchado de fumaça, que eles faziam promessas bobas de criança:

- Um dia eu vou comprar uma casa bem longe daqui, Ket. Só eu e você - ele dizia.

- Eu vou trabalhar de terninho, com salto alto, e você vai me buscar de carro - ela respondia, rindo.

- Promete que nunca vai me deixar?

- Prometo. Mas você tem que prometer também.

Eles selavam o acordo com um aperto de mão suado, como se fosse um pacto sagrado. Mal sabiam que o mundo estava pronto para testar cada palavra dita ali.

A adolescência chegou como um vendaval. Enzo começou a crescer rápido, ganhando músculos, olhar firme e uma postura que fazia até os marmanjos o respeitarem. O pai, cada vez mais ausente, mergulhado no comando do tráfico, começou a arrastar o filho pro mesmo caminho. Aos 14, Enzo já andava com os mais velhos, passava recados, entregava "material" e aprendia a linguagem do crime.

Ketlyn percebia a mudança, mas fingia não ver. No fundo, ainda via o menino de sorriso torto que corria com ela pela rua.

Ela, por outro lado, mergulhava nos estudos. Era a melhor da turma, sonhava alto e evitava os olhares maliciosos dos garotos. Era bonita, com uma beleza que não se moldava em maquiagem. Era o jeito como ela falava, como mantinha a cabeça erguida mesmo quando tudo desabava ao redor.

Os caminhos começaram a se afastar. Enzo faltava cada vez mais às aulas, passava mais tempo nas esquinas do que na sala de aula. Ketlyn, mesmo sem admitir, sentia a falta dele. Às vezes, parava no portão só pra vê-lo passar com os colegas, com aquele ar de líder silencioso.

Mas ele nunca deixava de olhá-la. Bastava cruzarem os olhos e o tempo parava por um segundo. Um segundo que dizia: "Eu ainda tô aqui. Você ainda é minha promessa."

No dia em que completou 18 anos, Enzo enterrou o pai.

Não houve velório digno. Só um caixão simples, cercado de olhares desconfiados e sirenes à distância. Enzo não chorou. Ficou de pé, ao lado do corpo, com o queixo erguido e os olhos secos. Foi ali, naquele cemitério de chão batido, que ele soube: agora era ele no comando. O novo chefe.

Ketlyn apareceu na cerimônia, mesmo contra a vontade da mãe. Estava com o uniforme da faculdade, o crachá pendurado no pescoço. Quando viu Enzo parado, sozinho, ela se aproximou sem dizer nada. Apenas segurou a mão dele, como fazia quando eram crianças.

- Você não precisa seguir por esse caminho, Enzo - ela disse, baixo.

- Já é tarde demais, Ket. Eu sou isso agora.

Ela não respondeu. Apenas soltou sua mão, com lágrimas contidas, e foi embora.

Ele ficou olhando até ela desaparecer na poeira da rua.

E ali, naquele instante, Enzo jurou duas coisas a si mesmo: que nunca deixaria o tráfico levá-lo de vez... e que um dia, de algum jeito, Ketlyn seria dele.

Nem que precisasse mudar o mundo pra isso.

Os dias que seguiram ao enterro do pai de Enzo foram uma mistura de silêncio e vozes baixas. A favela cochichava. Alguns achavam que ele era muito novo, que não daria conta. Outros diziam que o sangue falava mais alto. E, de fato, falou.

Aos 18, Enzo já comandava. Rápido, eficiente, silencioso. Tinha herdado o respeito do pai, mas construía o próprio com o olhar firme e o pulso forte. Quem desafiava, sumia. Quem obedecia, era bem tratado. Não demorou a circular de carro importado pelas ruas da Ceilândia, sempre com um cigarro apagado na boca e uma mulher diferente no banco do passageiro.

Mas ele nunca esqueceu Ketlyn.

Ela, agora , cursava o quinto semestre de Direito na Universidade de Brasília. Estava ainda mais linda - cabelos longos, óculos de grau, salto firme e postura de quem sabia onde queria chegar. Já estagiava num renomado escritório criminal e começava a se destacar. Muitos homens se encantavam com sua inteligência, mas nenhum conseguia se manter perto por muito tempo.

Enzo fazia questão disso.

Na surdina, vigiava os passos dela. Sabia onde estudava, com quem andava. Mandava recado velado pra afastar os interessados demais. Não aceitava dividi-la com ninguém, mesmo estando longe. E mesmo tendo outras na cama, nenhuma tocava o coração dele como Ketlyn. Ela era a lembrança do que ele poderia ter sido... e a esperança do que talvez ainda pudesse ser.

Certa noite, Ketlyn estava voltando da aula, cansada, carregando os livros e a mochila. O ônibus estava cheio, abafado, e ela só queria chegar em casa, tomar um banho e dormir. Quando desceu no ponto da esquina, sentiu um arrepio. Alguém estava ali. Olhou em volta e o viu, encostado no carro preto, braços cruzados, camisa de botão aberta no peito e aquele maldito olhar que mexia com ela desde criança.

- Enzo?

- Oi, Ket. Tá tarde pra você andar sozinha por aqui.

- Eu não preciso de babá, cresce aqui esqueceu ?.

Ele sorriu de canto, aquele sorriso torto que ela odiava... porque ainda a fazia tremer por dentro.

- Não disse que precisa. Só me preocupo.

- Comigo ou com quem pode me ver com você?

- Os dois.

Ela cruzou os braços, desafiadora.

- Não mudou nada, né?

- Mudei, Ket. Só não mudei o que sinto por você.

Ela engoliu seco. O coração acelerou, mas a boca permaneceu firme.

- O que você sente por mim não muda o que você se tornou.

- E o que eu sou, hein? Fala.

- Um traficante. Um cara que poderia ter sido tudo... mas escolheu isso. Enquanto eu luto pra tirar gente do crime, você vive cercado por ele.

Ele se aproximou, devagar, sem tirar os olhos dos dela.

- Eu não escolhi esse caminho, Ket. Eu fui jogado nele. Mas ainda assim... ainda sonho com você. Toda noite.

- Não romantiza, Enzo. Isso aqui é a vida real. E você vive num mundo que mata.

Ele se calou por alguns segundos. A raiva no olhar dela era uma mistura de mágoa e desejo contido. Ele sabia disso.

- Eu nunca toquei numa droga. Nunca usei. Nunca levantei a mão pra mulher. Tudo que eu tenho... conquistei porque precisei. Mas você... você sempre foi meu ponto fraco. Meu único motivo real.

- Para, Enzo.

- Você lembra das promessas?

- Eu era criança.

- Mas eu ainda acredito nelas.

Ela o encarou por mais alguns segundos e então virou de costas, caminhando com passos rápidos até o portão de casa. Ele não a seguiu. Apenas observou, os olhos cravados nela, como se fosse a última vez.

No quarto, Ketlyn chorou. Não de tristeza, mas de raiva. Raiva de ainda sentir, de ainda se importar. De ele continuar sendo seu ponto fraco, mesmo com tudo o que se tornou. Mesmo sendo o oposto do que ela defendia, do que acreditava.

Mas havia algo em Enzo que o mundo não conseguia arrancar: ele ainda a olhava como se ela fosse tudo. E isso era cruel. Porque a fazia pensar em "e se".

E se ele mudasse?

E se desistisse daquele mundo?

E se eles ainda tivessem chance?

Ela se odiava por pensar assim. Mas não conseguia evitar.

Naquela noite, Enzo subiu na laje da mansão que havia comprado nos arredores da cidade. De lá, via as luzes da Ceilândia ao longe, como vagalumes perdidos no escuro. Acendeu um cigarro, sem intenção de fumar. Era só o hábito. Só o vazio.

Pensou em Ketlyn. No olhar dela. No jeito que ela o enfrentava sem medo, como se ainda o conhecesse de verdade. Como se enxergasse o garoto que ele enterrava todo dia.

Ele sabia que não a merecia.

Mas também sabia que não conseguiria desistir.

Nem por ela, nem por ninguém.

Ela era sua luz.

E ele... estava pronto pra sangrar até merecê-la.

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