Ele a trouxe para nossa casa mesmo assim, instalando-a no ateliê da minha falecida mãe. Ordenou que as lembranças de valor inestimável dos meus pais fossem jogadas no lixo. Quando protestei, ele me jogou contra a parede. Quando Catarina "acidentalmente" quebrou uma foto da minha família, ele me deu um tapa e me trancou para fora de casa na chuva torrencial.
Na minha primeira vida, eu podia culpar sua crueldade pela perda de memória. Eu dizia a mim mesma que ele também era uma vítima. Mas agora, ele se lembrava de tudo - nossa infância, nosso amor, nossas promessas. Este não era um homem sendo manipulado. Era um monstro, escolhendo deliberadamente me torturar.
Quando Catarina espatifou o último presente da minha mãe, eu finalmente perdi o controle e a ataquei. A resposta de Heitor foi rápida. Ele mandou seus seguranças me arrastarem para um quarto à prova de som no porão e me amarrarem a uma cadeira. Enquanto a eletricidade queimava meu corpo, eu entendi. Minha segunda chance não era uma fuga. Era um novo nível de inferno, e desta vez, meu torturador estava plenamente consciente do que estava fazendo.
Capítulo 1
A última coisa que me lembro é da água fria enchendo meus pulmões.
O rosto de Heitor, contorcido por uma fúria que eu não reconheci, foi a imagem final gravada em minha mente. Ele e Catarina estavam no convés do iate, me observando afogar.
Então, acordei com um suspiro, meus lençóis encharcados de suor frio.
A luz do sol entrava pela janela do meu quarto. Meu quarto. O que eu dividia com Heitor.
Eu estava viva.
Eu estava de volta. De volta antes do iate, antes do tormento sem fim, antes de eu finalmente desistir e deixar o oceano me levar.
Uma onda de alívio me invadiu, tão forte que minhas pernas fraquejaram. Desta vez, eu não cometeria os mesmos erros. Desta vez, eu escaparia.
Eu tinha um plano. Na minha primeira vida, o acidente de iate de Heitor foi o começo de tudo. Ele perdeu a memória e Catarina, a paramédica que o "salvou", cravou suas garras nele. Ela o virou contra mim, sussurrando veneno em seu ouvido até que o homem que eu amava se tornou um monstro.
Desta vez, não haveria acidente. Eu o deixaria antes da viagem. Venderia a empresa dos meus pais, pegaria o dinheiro e desapareceria.
Eu nunca mais veria Heitor Alcântara ou Catarina Vaz.
Peguei meu celular, meus dedos tremendo enquanto discava para minha tia Joana em São Paulo.
"Joana", sussurrei quando ela atendeu. "Preciso da sua ajuda."
Eu estava prestes a explicar quando a campainha tocou. Um som agudo e insistente que fez meu coração parar.
Heitor não deveria estar aqui. Ele deveria estar em seu escritório.
Um pavor gelado subiu pela minha espinha. Algo estava errado.
Desci lentamente a grande escadaria, minha mão agarrando o corrimão de madeira polida. A governanta abriu a porta.
E lá estava ele.
Heitor. Lindo e poderoso em seu terno feito sob medida, seu cabelo escuro perfeitamente penteado. Mas seus olhos estavam frios. Mais frios do que eu já tinha visto, mesmo nas minhas piores lembranças.
E ao lado dele, segurando seu braço, estava Catarina Vaz.
Ela usava um vestido branco simples, seu rosto uma máscara de doce inocência. Um olhar que eu sabia ser uma mentira completa.
Meu sangue gelou. Não era assim que tinha acontecido. Ele ainda não tinha sofrido o acidente. Ele não deveria conhecê-la.
"Alana, querida", disse Heitor, sua voz suave, mas sem nenhum calor. "Temos uma convidada."
Ele entrou, puxando Catarina com ele. Ele não tinha amnésia. Ele se lembrava de tudo. Ele se lembrava de mim.
Mas ele a trouxe aqui mesmo assim.
"Esta é Catarina Vaz", ele anunciou para a equipe, seu braço apertando em torno dela. "Ela salvou minha vida. Tive um pequeno incidente no iate. Ela é uma heroína."
Minha mente ficou em branco. Ele teve o acidente. Mas não perdeu a memória.
"Ela vai ficar conosco por um tempo", continuou Heitor, seu olhar finalmente pousando em mim. Não havia amor nele. Apenas um arrepio possessivo. "Ela precisa se recuperar, e eu quero ter certeza de que ela está sendo bem cuidada."
Catarina me deu um pequeno sorriso triunfante.
Um novo ciclo de tormento estava começando. E desta vez, meu plano já estava em cinzas.
O ar parecia denso, me sufocando. A proximidade dele desencadeou uma dor fantasma, uma memória de suas mãos em mim, não com amor, mas com raiva. Seu toque, que antes era meu paraíso, havia se tornado meu inferno.
Na minha primeira vida, após o acidente e a amnésia, Catarina o convenceu de que eu era uma interesseira que tentara machucá-lo. Ele acreditou nela. Ele voltou para mim, mas não como meu noivo amoroso. Ele voltou como meu carcereiro.
Ele me trancou nesta casa. Tirou meu celular, meu acesso ao dinheiro, minha liberdade. Deixou Catarina fazer o que quisesse comigo. Ela destruiu as lembranças de valor inestimável que meus falecidos pais me deixaram. Ela matou meu amado papagaio, um pássaro barulhento chamado Sol, bem na minha frente.
Eles me destruíram, pedaço por pedaço, até não sobrar nada. Até que a única fuga que eu conseguia ver era a água profunda e escura.
E agora, olhando para seu rosto ileso e de olhos claros, um pensamento horrível me ocorreu.
Ele se lembrava do nosso amor. Ele se lembrava da nossa vida juntos.
E ele ainda assim escolheu trazê-la para cá. Ele estava escolhendo me machucar, plenamente consciente do que estava fazendo.
Isso não era uma tragédia nascida de uma memória perdida. Era um ato deliberado de crueldade.
"Alana?" A voz de Heitor cortou meus pensamentos de pânico. "Você não vai dar as boas-vindas à nossa convidada?"
Olhei de seu rosto frio para o rosto presunçoso de Catarina.
Eu estava presa. De novo.
"Claro", consegui dizer, minha voz um sussurro oco. "Bem-vinda."
Os lábios de Heitor se curvaram em um sorriso, mas não alcançou seus olhos. "Eu sabia que você entenderia."
Ele então se virou para a governanta. "Prepare o quarto de hóspedes ao lado do quarto principal para a Srta. Vaz."
Aquele quarto não era um quarto de hóspedes. Era o quarto memorial dos meus pais, onde eu guardava seus pertences mais preciosos.
"Além disso", ele acrescentou, sua voz baixando, "Mande que as coisas dela sejam levadas para lá imediatamente."
Fiquei paralisada, o passado e o presente se misturando em um pesadelo aterrorizante. Meu plano de fuga era inútil.
Ele havia trazido o monstro para minha casa, e desta vez, ele era um cúmplice voluntário desde o início.
Minha primeira vida foi uma tragédia.
Eu tinha medo de que minha segunda vida fosse um inferno.
Eu tinha que sair. Mas como?
Ele me observava, um brilho de algo indecifrável em seus olhos. Ele parecia surpreso com a rapidez com que eu concordei.
"E Alana", disse ele, sua voz baixa e autoritária, "Catarina é sensível. Espero que você a trate com o máximo respeito. Ela passou por muita coisa."
Eu apenas assenti, minha garganta muito apertada para falar.
Ele conduziu Catarina escada acima, sua mão possessivamente em suas costas.
Fui deixada sozinha no hall de entrada, o eco de seus passos um toque de finados para minhas esperanças.
Lembrei-me de quando ele costumava me olhar com tanto amor que preenchia todos os cantos de nossas vidas. Ele era meu amor de infância. Ele me trazia café da manhã na cama, me surpreendia com viagens para ver arquitetura rara e me abraçava quando eu tinha pesadelos sobre o acidente de carro dos meus pais. Ele prometeu me amar para sempre.
Aquele Heitor se foi.
O homem que subiu aquelas escadas era um estranho. Um monstro.
E eu era sua prisioneira.