A filha do Professor Jonathan Carter cresceu entre livros e janelas altas, entre cafés silenciosos e encontros acadêmicos. Sua mãe, Helen, era uma presença vibrante - corretora imobiliária renomada, conhecida por sua elegância despretensiosa e pela forma natural com que encantava clientes e fechava contratos. O casal Carter era admirado por sua integridade, simplicidade e equilíbrio. E Liz era o reflexo de ambos.
Ela conquistara, com mérito e história, uma bolsa integral na mesma instituição onde seu pai lecionava há mais de vinte anos. Tinha orgulho disso - mas o que a sustentava, de fato, era o amor silencioso dos pais e a certeza de que pertencera àquele universo desde sempre.
Nos finais de semana, Liz costumava se perder entre as estantes da biblioteca, sentada no mesmo canto onde, décadas antes, sua mãe o esperava com livros no colo e olhos apaixonados. A história dos dois havia começado ali. E, de certo modo, a de Liz também.
Ela tinha planos, muitos deles. Queria cursar Letras, seguir a linha de pesquisa do pai, especializar-se em literatura comparada. Sonhava com uma vida entre páginas e pessoas. E, entre um seminário e outro, desejava um amor com a mesma solidez e leveza que via nos pais.
Mas o destino, caprichoso e cruel, tem prazer em interromper futuros bem traçados.
Naquela manhã de setembro, ela acordou cedo para preparar o café da manhã. O pai detestava voos matinais, mas fazia esforço porque Helen insistira em acompanhá-lo. O congresso de literatura em Chicago era importante. Ele seria o palestrante principal. A mãe, por sua vez, marcara reuniões com investidores texanos que queriam expandir imóveis de luxo na capital. Três dias. Três.
- "Fique tranquila, minha pequena." - dissera o pai ao abraçá-la no aeroporto, com aquele meio sorriso cheio de ternura.
- "Traga um presente," ela pedira, fingindo despreocupação.
- "Talvez algo com cheiro de livraria," acrescentara.
A mãe rira.
- "E eu trago algo com brilho. Sempre soube que você era um equilíbrio entre nós dois."
Ela os viu entrar no portão de embarque com passos calmos, mãos dadas. E não sabia que aquela seria a última imagem dos dois juntos.
O noticiário chegou ao celular quando Liz ainda estava no refeitório da universidade. Um avião da companhia nacional desaparecera dos radares a caminho de Chicago. Ela sentiu um frio invadir-lhe o corpo, um tipo de torpor que paralisava pensamentos. No fundo, já sabia. Horas depois, veio a confirmação. Pane elétrica, perda de comunicação, queda confirmada em área remota. Todos os passageiros mortos.
A dor não veio de uma vez. Veio aos poucos. Primeiro, o choque. Depois, a angústia das formalidades: identificar documentos, assinar papéis, liberar os corpos. O campus inteiro se comoveu. Houve homenagens, discursos, flores. Mas nada substituía o som dos passos do pai no corredor. Nada preenchia o vazio do sorriso da mãe.
Sem vínculo familiar direto com a universidade, a bolsa foi revogada por questões administrativas. Liz tentou lutar, tentou argumentar. Mas os processos eram frios, a burocracia insensível. O apartamento dos pais fora deixado com hipotecas a vencer. Os poucos bens foram vendidos. Restaram apenas lembranças - e as dívidas.
Os amigos sumiram aos poucos. Alguns por não saberem o que dizer, outros por não quererem se aproximar da dor. A cidade, antes viva, tornou-se opressora. Cada esquina lembrava. Cada árvore falava.
Foi quando decidiu partir.
A avó materna, Margaret Whitmore, morava no interior do Texas. Uma mulher de força impressionante, mas idade avançada. A relação entre Helen e a mãe nunca fora fácil. Helen fugira daquele mundo rural assim que pôde. Sempre dizia que o campo sufocava, que precisava de horizontes. Liz, porém, não tinha escolha.
Pegou o pouco que lhe restava - uma mala com roupas, uma caixa com livros e outra com cartas dos pais. Despediu-se da cidade sem cerimônia. A estação de trem era silenciosa naquela manhã cinzenta. E, ao embarcar, Liz sentiu-se pequena como nunca.
O interior do Texas a recebeu com sol e poeira. A casa da avó era grande, antiga, feita de madeira escura e janelas amplas. Havia cheiro de lavanda e bolos recém-assados. Margaret era rígida, mas acolhedora à sua maneira. Tocou o rosto da neta com delicadeza contida e disse apenas:
- "Você parece sua mãe. Só que mais cansada."
E assim começou a nova vida de Liz. Longe do campus, dos cafés, da cidade. Entre galinhas, caminhonetes e porões empoeirados. Trocou os livros por panelas, os debates acadêmicos por longas caminhadas entre árvores.
No entanto, mesmo ali, com os pés enterrados na terra e a alma ferida, Elisabeth sabia que sua história não terminaria naquela casa.
Ela ainda não sabia como, nem com quem...
Mas sentia que o destino ainda guardava algo - ou alguém - que mudaria tudo.
Quando Tudo Ruiu
– Erik
Erik James Langford Beaumont III era, aos trinta e dois anos, o homem que toda revista de negócios adorava estampar na capa.
Herdeiro de um império automobilístico com raízes históricas no Texas, criador de uma das maiores empresas de tecnologia sustentável dos Estados Unidos, fluente em quatro idiomas, com diploma em Engenharia, especialização em Gestão Internacional e uma reputação de frieza impecável no mundo corporativo.
O que ninguém sabia - e o que ele mesmo evitava encarar - era o cansaço por trás dos olhos azuis sempre atentos. O tipo de cansaço que não nasce do trabalho, mas do vazio.
Naquela noite de gala em Nova York, tudo seguia o roteiro. O salão, ornamentado com candelabros de cristal e orquestra ao fundo, parecia tirado de uma peça de teatro sobre a alta sociedade. Os convidados sorriam, trocavam taças e fingiam acreditar em tudo que diziam. No centro do salão, Erik mantinha a postura perfeita, com a noiva ao lado - Charlotte Prescott Winslow.
Seu nome era um peso antigo. Filha do magnata Richard Winslow, dono de uma das maiores siderúrgicas do hemisfério norte, Charlotte cresceu entre carruagens de luxo e convenções de etiqueta. Era bela, esguia, sofisticada, e absolutamente conveniente.
O acordo fora costurado com exímia precisão. Uma fusão entre a Langford Motors International e a Winslow Steel Corporation significaria a conquista de novos mercados, redução de custos de produção, acesso privilegiado a matéria-prima e, principalmente, solidez política. O casamento entre os filhos dos dois impérios simbolizaria essa união.
Charlotte sabia. Erik também.
- "É como uma joint venture emocional," dissera Richard, ao brindar com os dois.
- "A paixão pode até não vir agora, mas com o tempo, o respeito se constrói," acrescentara Vivienne, a mãe de Erik, com um sorriso diplomático.
Erik apenas sorriu. Não por concordar, mas por saber que, naqueles círculos, o silêncio valia mais do que qualquer objeção. E ele aprendera, desde cedo, a ser um Langford: controlado, estratégico, funcional.
A aliança brilhava no dedo de Charlotte como um selo de contrato. Os jornais noticiaram como o evento do ano. Fotos foram distribuídas à imprensa. Os acionistas celebraram. E naquela noite, ao erguer sua taça de champanhe, Erik sentiu-se mais só do que jamais estivera.
Ele não odiava Charlotte. Longe disso. Ela era inteligente, articulada, previsível. E previsibilidade, para um CEO cercado por riscos e apostas diárias, podia ser uma bênção. Mas faltava algo. Algo que ele sequer sabia nomear, mas cuja ausência fazia com que tudo ao redor parecesse feito de vidro - bonito, mas frágil e frio.
No dia seguinte ao anúncio oficial do noivado, Erik acordou antes do amanhecer, ignorou os compromissos da agenda e cancelou reuniões com investidores de Hong Kong e Dubai. Pediu que preparassem o jato particular e, para surpresa da governanta, apareceu no Rancho Silver Oak com a barba por fazer, o terno amassado e um olhar que não escondia o cansaço da alma.
A fazenda era seu único espaço de verdade.
Ali, o som dos cavalos no pasto e o cheiro da terra lhe traziam lembranças do avô - o primeiro Erik James, homem duro, mas íntegro. Foi ali, nos verões da infância, que aprendeu a montar, a limpar os estábulos, a entender que a natureza não se dobra a vontades humanas. Era o único lugar onde podia tirar os sapatos, esquecer o relógio, e ser apenas ele.
A governanta, senhora Evelyn Grant, abriu a porta com olhos arregalados.
- "O senhor não avisou que viria."
- "Nem eu sabia que viria," ele respondeu, entrando sem cerimônia.
A casa era silenciosa, como sempre. Os móveis antigos contrastavam com a imponência das janelas. O piano ainda estava ali, coberto com o lençol branco que a mãe insistia em manter. A lareira, intacta. O retrato do avô, no mesmo lugar.
Erik subiu para o quarto que ocupava desde adolescente. Tirou o paletó, jogou-o sobre a poltrona e respirou fundo. Ali, entre paredes de madeira e lembranças com cheiro de feno, permitiu-se existir.
Horas depois, vestiu um macacão velho, foi para o celeiro e começou a trabalhar em um dos carros antigos que o avô restaurava nos dias de folga. A graxa sujou-lhe os dedos, a testa, o peito. E pela primeira vez em semanas, não pensou em balanços trimestrais, nem em alianças de diamante. Só ouviu o som do motor, e o próprio coração.
Foi nesse estado - sujo, livre, exausto - que ouviu a caminhonete da senhora Margaret se aproximar da entrada da fazenda. Acompanhada de uma jovem que desceu do banco do passageiro com olhos que carregavam o peso do mundo.
Mas Erik ainda não sabia.
Ainda não sabia que aquela jovem - com o luto silencioso de quem havia perdido o chão - mudaria a estrutura de tudo.
Ainda não sabia que o amor, o verdadeiro, não se anuncia com flashes nem contratos, mas com um olhar que silencia o resto do mundo.
E que às vezes...
É preciso perder tudo o que se construiu - para finalmente descobrir quem se é.