Vanessa Pov
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Vanessa Pov
Precisa ser agora, enquanto todos estão dormindo. Não posso me casar com aquele sanguinário e selvagem tritão Maik, não importa o que a minha família fale. Minha liberdade e meu coração pertencem a mim.
Nado por entre as fendas de nossa casa, tentando emitir o mínimo de som possível com a minha cauda. Meus pais e minhas irmãs estão dormindo em seus devidos quartos e gostaria de poder me despedir deles, porém sei que iriam me aprisionar só para terem certeza de que a aliança entre os dois reinos será feita.
Assim que saio de casa, sinto um aperto em meu coração. Continuo nadando sem ter coragem de olhar para trás. O único lugar em que estarei a salvo desse casamento é na superfície, onde os terras-firmes vivem.
Se o que a minha bisavó contou for real, eu tenho como me tornar humana como eles e assim, nenhum tritão ou sereia poderá me localizar. Com isso em mente, eu continuo nadando, subindo e indo cada vez mais perto da costa, em direção ao que sempre me foi proibido.
Assim que chego na superfície, vejo a praia não muito longe. O sol está nascendo e a neblina está espessa. Olho para a costa e vejo estruturas que eles chamam de casa.
Não sei tanto sobre a cultura dos terras-firmes. Papai e mamãe dizem que são cruéis e sanguinários, sempre à procura de territórios e brigam por qualquer coisa. Não é tão diferente de nós aquáticos na minha visão. Já tivemos tantas guerras pelo domínio vasto do oceano, por recursos mágicos que a deusa da água nos dá.
Nado mais perto da praia, averiguando se não há terras-firmes por perto. Preciso me transformar e esconder a minha cauda em um local impossível de ser encontrada por eles. Se a minha cauda for descoberta, o terras-firmes que a encontrar irá me prender a ele e serei obrigada a realizar seus desejos. Não poderei voltar a ser sereia até que ele me devolva ou que eu a encontre. Em todas as histórias de sereias que escolheram se transformar em terras-firmes e tiveram suas caudas descobertas e escondidas, nunca voltaram para o oceano. Todas morreram escravas dos seus carcereiros.
Só de lembrar dessas histórias que minha bisavó contava, sinto minhas escamas ficarem eriçadas. Mesmo que isso aconteça, prefiro arriscar ser prisioneira de um terra-firme do que me casar por interesses políticos.
Encontro uma área cheia de rochedos que é difícil de ter acesso se não for pelo mar, noto uma gruta escondida por entre as rochas. O melhor local para esconder minha cauda. Nado até a gruta e começo o ritual que minha bisavó me ensinou escondido.
"Espero que funcione..." digo apreensiva.
Mentalizo o encantamento que me foi ensinado. Sinto então algo mudar ao meu redor.
A água ao meu redor começa a cintilar com um brilho etéreo, me deixando impressionada. Começo a sentir um formigamento na ponta da minha cauda, algo que nunca senti antes. Minhas escamas que sempre foram em tons de azuis agora estão escurecendo e começam a se desprenderem de mim uma a uma. Mas isso não é suave, é dolorido e cada vez que o mar entra na gruta, uma dor nova me atinge, me fazendo gritar de dor.
Onde uma vez houve uma linda cauda de sereia, nadadeiras ágeis e lindas, começa a surgir pernas nuas de terras-firmes, algo grotesco ao meu entendimento. Algo mais importante muda, além da minha cauda. O meu equilíbrio. Sempre me senti parte da água, flutuando, boiando, nadando com facilidade. Agora me sinto sendo puxada para baixo, sendo obrigada a me esforçar ainda mais para me manter para cima na superfície.
O mais assustador não é essa transformação esquisita e muito dolorosa. É o vazio que sinto. Minha conexão primal com o mar está vazia, eu não sinto o que sempre senti ao ser sereia e isso me causa medo.
De repente, emergindo da água, a minha cauda agora em um formato diferente, como uma pele. Um manto azulado, pulsante e brilhoso. Pego a minha cauda e sinto a vibração da água e também da minha conexão com o oceano. Minha cauda é hipnotizante, me sinto compelida a coloca-la e voltar a ser sereia.
Resisto a essa tentação e apenas dobro a cauda como se fosse uma alga salgada e a enfio por entre as rochas que há na gruta.
"Ei, você está bem?" uma voz surge atrás de mim, me assustando.
Giro meu corpo não tão rápido quanto eu gostaria e sinto meu coração acelerar. É um terra-firme. Um macho pelo o que lembro das histórias.
O macho está com os cabelos molhados e penteados para trás, seus olhos azuis são parecidos com os corais que temos em casa, vibrantes e lindos.
"Você está ferida? Precisa de ajuda?" o macho pergunta, nadando para mais perto de mim.
Por instinto nado para trás. Ele nota a minha reação e para no meio do nado.
"Não vou machuca-la, eu ouvi gritos e pensei que alguém tivesse se machucado," ele explica.
Então noto seu olhar descer do meu rosto para o meu corpo. Seu olhar de corais azuis ganham uma expressão diferente.
"Caralho, você está nua!" ele declara surpreso.
Olho para baixo e percebo que não ganhei apenas pernas, mas também uma nova anatomia. Meu corpo de sereia possuía escamas e guelras nas laterais do meu torso. Agora tenho essas duas coisas volumosas na frente.
"Estou perdida," digo finalmente.
O macho me olha surpreso e solta um som pela boca que não consigo entender, mas acho engraçado.
"Posso te ajudar a sair da gruta e conseguir algumas roupas para você," ele responde sério.
Concordo com a cabeça e permito que ele me guie para fora da gruta. Me controlo para não olhar para trás, para não mostrar a localização da minha cauda.
Nado atrás do macho com dificuldade, essas pernas são fracas e fico com falta de ar muito rápido e o gosto do oceano é ruim em minha boca. Ser uma terra-firme é horrível!
Assim que chegamos na praia, me deito na areia quase sem folego. O macho encara o meu corpo com uma expressão que já vi nos machos tritões. Esse meu novo corpo deve ser muito desejável e isso me apavora. Logo coloco minhas mãos na frente do meu corpo, tampando o que tem causado curiosidade nele.
O macho caminha mais na areia e quando volta para perto de mim, ele estende algo branco. Olho para aquilo confusa.
"Para você vestir! Está limpa," ele diz com cautela.
Ah, roupas. Ele havia me dito que me daria roupas. Pego a roupa que ele me ofereceu e tento vesti-la, mas há tantos buracos que fico um pouco perdida.
"Aqui, deixa eu te ajudar," o macho diz e pega a peça de roupa de volta. Ele passa a peça por minha cabeça e depois pelos meus braços. "Pronto, essa camisa é minha favorita, então não perca ela," ele diz e uma risada escapa dos seus lábios.
"Está bem, não vou."
Ele solta outra risada e percebo que acho o som interessante.
O macho possuiu o corpo interessante, seus ombros são largos e definidos. Percebo que ele usa roupa na parte de baixo do seu corpo, a parte de cima é interessante de olhar porque ele tem uma gravura em seu pescoço que desce até o seu ombro esquerdo. Agora que seus cabelos estão bagunçados, noto que são claros, dourados como raios de sol. Ele é um macho bonito.
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