Sua mãe morreu quando ela tinha apenas sete anos, deixando-a sozinha com um pai que se afundava cada vez mais no álcool e nas drogas. Um homem quebrado, amargurado, que via em Roberta o reflexo de todas as desgraças de sua vida. Ele a culpava por tudo, pela fome, pelo abandono da esposa, pelo próprio fracasso. E cada gole de cachaça que ele tomava era uma desculpa para mais uma surra.
Mas o pior ainda estava por vir.
Quando Roberta completou dez anos, seu pai começou a vender suas irmãs mais novas. Ela via o desespero nos olhos delas, os gritos sufocados pelo medo, mas nada podia fazer. Seu pai era protegido pelos traficantes do Morro, homens que decidiam quem vivia e quem morria ali dentro. Se ela ousasse se opor, teria o mesmo destino ou algo pior. Então, ela apenas chorava escondida, rezando por um milagre que nunca chegou.
Os anos se passaram, e Roberta aprendeu a sobreviver, a se calar, a engolir cada lágrima para evitar apanhar mais do que o necessário. Mas, no fundo, ela sonhava em fugir. Sonhava com um lugar onde pudesse respirar sem medo, onde o toque de um homem não fosse uma ameaça.
Aos 16 anos, Roberta encontrou uma forma de escapar, ainda que por algumas horas, do inferno que chamava de lar. Arranjou um trabalho e passou a passar o dia fora de casa, voltando apenas quando o cansaço tomava conta de seu corpo. Quando chegava, seu pai já estava caído em algum canto da casa, bêbado e drogado, ou simplesmente não estava. Muitas vezes, dormia pelas esquinas, nos bares ou em becos escuros. Para Roberta, isso era um alívio. Quanto menos o via, menor era a chance de apanhar ou ouvir seus insultos cruéis.
Com o dinheiro que ganhava, Roberta pôde, pela primeira vez, comprar suas próprias coisas e sair com suas amigas. Criou laços, encontrou momentos de felicidade fora daquele ambiente sufocante. Tornou-se uma jovem sorridente e, apesar da dor que carregava no peito, aprendeu a esconder seu tormento atrás de um sorriso. Era sua única forma de se sentir viva.
A morte do chefe do Morro do Santa Vitória pegou a todos de surpresa. Ele não caiu em uma emboscada no território que comandava com mãos de ferro, mas sim no asfalto, durante um assalto que deu errado. A troca de tiros com a polícia foi intensa, e, no fim, ele tombou sem vida, deixando um império sem comando.
Com sua morte, o poder passou para as mãos de seus filhos, Darlan e Wesley. Darlan, o mais velho, assumiu como o novo chefe, enquanto Wesley ficou como seu braço direito. A mudança no comando trouxe tensão e incerteza para o Morro. Muitos temiam que os novos líderes fossem ainda mais implacáveis que o pai. Afinal, cresceram no meio do crime, aprendendo desde cedo que poder se conquista com sangue e medo.
Pela primeira vez, o morro se preparava para um evento que nunca havia ocorrido antes: um baile repleto de ritmos contagiantes, gente dançando, e uma energia elétrica no ar. Roberta, sempre com um olhar determinado, decidiu que iria fazer parte daquela noite histórica. Ela e suas amigas se arrumaram, ansiosas para a diversão que estava por vir, mas ninguém sabia que Roberta, com sua presença marcante, seria o centro das atenções. Mesmo sempre maquiando as marcas roxas que as surras deixavam.
Ela escolheu um vestido preto, justo e um pouco transparente, que moldava seu corpo com uma precisão arrebatadora. O tecido, levemente revelador, realçava suas curvas volumosas, que sempre chamavam olhares por onde passava. Seu corpo, mais que uma simples estética, era um espetáculo em si, capaz de parar o trânsito e fazer os olhares se voltarem com admiração e desejo.
Com um salto alto que elevava sua estatura, ela caminhou até o espelho. Sua maquiagem estava impecável, com tons de sombras que destacavam seus olhos, e os lábios, carnudos, brilhavam com um tom vibrante de vermelho. Não menos importante, o perfume que usava parecia se espalhar pelo ar, criando uma aura misteriosa e irresistível.
Ela deixou seus longos cabelos pretos caírem em ondas perfeitas sobre os ombros, como um toque final, exalando confiança e poder.
Foi então que ela chamou a atenção de Wesley. Ele era o sub do Morro, irmão mais novo de Darlan, o chefe do tráfico. Um homem respeitado e temido, com um sorriso que prometia o mundo. Eles se conheceram em um baile, e, naquela noite, Roberta sentiu algo que nunca havia experimentado: desejo. Wesley foi encantador, tratou-a como se ela fosse especial. E pela primeira vez, alguém olhou para ela como se fosse mais do que uma simples mulher.
Ele a cortejou, mimou-a com presentes, promessas e carinho. E Roberta, exausta de uma vida de sofrimento, agarrou-se àquela chance. Wesley era sua única saída. Seu único caminho para longe das garras do pai.
Apaixonada, Roberta foi morar com ele. No primeiro ano, Wesley foi um sonho. Um marido atencioso, protetor, um homem que a fazia sentir segura. Ele dizia que a amava, que faria qualquer coisa para protegê-la.
Mas tudo mudou quando ela engravidou.
Wesley virou outro homem. O olhar apaixonado se transformou em desprezo. Ele começou a maltratá-la, a dizer que aquele filho não era dele. No início, eram palavras cruéis. Depois vieram os empurrões. E então, os socos. Mesmo grávida, Roberta apanhava sem piedade.
Ela queria fugir, mas para onde? Não tinha família, não tinha para onde ir. A única pessoa que lhe oferecia algum apoio era Suzana, sua cunhada, mas nem mesmo ela podia protegê-la de Wesley.
Quando Guilherme nasceu, Roberta esperava que as coisas melhorassem. Mas seu filho, seu pequeno anjo, apenas despertou mais ódio no homem que deveria protegê-lo.
Guilherme era diferente. Desde pequeno, Roberta percebia que ele não reagia como outras crianças. Ele não olhava nos olhos, não se interessava por brinquedos comuns, tinha crises de choro inconsoláveis. Depois de muitas consultas, exames e idas a médicos que pareciam sempre ter uma resposta vaga, veio o diagnóstico: Guilherme tinha autismo em grau avançado.
A notícia caiu como uma sentença de morte.
Wesley se tornou um monstro completo. Ele gritava que o filho era um castigo, que não queria um "retardado" na família. Cada crise de Guilherme era punida com gritos, tapas e castigos. E Roberta, impotente, fazia de tudo para proteger o filho da fúria do próprio pai.
Mas até quando ela conseguirá suportar? Até quando poderia esconder seu filho nos braços, tentando abafar seus gritos para que Wesley não viesse machucá-la mais? Ele nunca tocou uma criança, Já em Roberta, faz dela um verdadeiro saco de pancadas.
O Morro do Santa Vitória já havia destruído muitas vidas. Roberta se perguntava se a dela e a de seu filho seriam as próximas.
Mas ela sabia de uma coisa: Um dia eu vou me livrar desse homem, e vou poder viver em paz com meu filho.