Sabores do Coração: A paixão de uma chef e um herdeiro.

O cheiro de alho dourando na manteiga invadia a cozinha, se misturando com o calor dos fornos e o som das panelas borbulhantes. Era apenas a terceira semana de Clara no Bistrô Aurora, e ela já se sentia como se estivesse no meio de uma orquestra caótica - onde cada segundo contava, cada movimento era preciso, e cada prato era uma chance de provar que merecia estar ali.

- Clara, a mesa 8 pediu o ravioli com molho de trufas novamente. - avisou Rafael, o sous-chef, enquanto enxugava o suor da testa com o antebraço.

- De novo? - ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. - É a terceira vez nesta semana.

- O cliente novo, lembra? Aquele que sempre chega sozinho, de camisa branca e relógio caro.

Clara apenas assentiu. Não tinha tempo para curiosidades - sua prioridade era garantir que o ravioli saísse impecável, como das outras vezes. Mas, no fundo, a repetição do pedido lhe causava certa inquietação. Não era comum um cliente se apegar tanto a um prato específico... a não ser que estivesse se apegando a outra coisa também.

Trinta minutos depois, ao final do turno, Clara decidiu ir até o salão principal. Queria ver com os próprios olhos o cliente que andava se tornando assíduo fã da sua cozinha. Ao passar pela porta de vaivém, seu olhar percorreu rapidamente as mesas até se fixar na figura relaxada e elegante na mesa 8.

Ele estava terminando o vinho, olhos claros observando o ambiente como se estivesse mais interessado nas entrelinhas do que no que acontecia diretamente à sua frente. Quando os olhares se cruzaram, Clara congelou por um segundo. Ele sorriu - não aquele sorriso de flerte forçado, mas um sorriso leve, curioso, como se estivesse esperando por ela há dias.

- Você é a chef? - ele perguntou, como se tivesse certeza da resposta.

- Sim... Clara. - ela limpou as mãos no avental por reflexo. - Espero que tenha gostado do prato.

- "Gostar" é pouco. Já pensei em pedir o molho em potes para levar pra casa. - ele brincou. - Lorenzo.

O aperto de mão foi firme e morno. Clara tentou disfarçar o calor que subiu até as bochechas.

- Fico feliz que tenha gostado. Faço esse molho desde os tempos da faculdade, mas nunca pensei que alguém fosse repetir tanto.

- Pode me considerar um viciado em boas descobertas, chef Clara.

Ela soltou uma risada leve, desconcertada. Sabia reconhecer elogios vazios quando os ouvia, mas naquele havia algo diferente. Verdade, talvez. Ou algo mais perigoso: charme sincero.

- Bom, então espero que continue descobrindo coisas boas por aqui.

- Ah, eu vou. - Lorenzo respondeu, e houve uma pausa no ar, como se ele estivesse se referindo a algo além da comida.

Clara voltou para a cozinha com o coração acelerado. Sabia que precisava manter o foco, que envolvimentos com clientes eram arriscados - e que o mundo da gastronomia era competitivo e impiedoso. Mas também sabia reconhecer quando um sabor deixava um gosto que insistia em permanecer.

O que ela não sabia - ainda - era o quão envolvente, confuso e perigoso aquele paladar se tornaria. E que, com Lorenzo, cada encontro seria uma nova camada de um segredo que estava prestes a ser revelado.