PRÓLOGO
O silêncio da casa era quebrado apenas pelo som da chuva fina contra as janelas. Alícia, com apenas quinze anos, descia as escadas usando meias, em silêncio, atraída por uma discussão abafada que vinha do escritório. O coração acelerado, os pés silenciosos e hesitantes no piso frio.
Quando chegou à porta entreaberta, viu o pai em pé, discutindo com um homem de terno escuro. As vozes eram intensas demais para serem ignoradas, mas as palavras se embaralhavam em sua mente juvenil. Algo sobre documentos. Sobre ameaça. Sobre fazer o que era certo.
Então, tudo aconteceu rápido demais.
Um som abafado. Um golpe seco. O corpo do pai caindo ao chão. O sangue escorrendo. Os olhos do homem se voltando na direção da porta.
Ela congelou.
Aqueles olhos.
Antes que pudesse gritar, correr ou entender, as luzes se apagaram - na sala e dentro de si.
Anos depois, tudo o que restava era aquela imagem. Os olhos. E a certeza de que um dia... ela os encontraria de novo.
O Reconhecimento
O som do despertador ecoou pelo quarto com um toque irritante. Alícia, ainda envolta no calor dos lençóis, esticou a mão e o desligou com um suspiro.
Seu gato preto, Milo, espreguiçou-se ao pé da cama, como se também protestasse contra o início do dia.
- Pelo menos um de nós pode continuar dormindo - murmurou, fazendo carinho atrás das orelhas dele. O ronronar veio imediato, como um conforto silencioso.
O céu nublado projetava uma luz pálida pela janela. Era segunda-feira. Um novo executivo começaria naquele dia na Archer Group - uma das maiores construtoras de projetos de alto padrão do país. Tudo o que Alícia sabia era que ele havia vivido por muitos anos fora do país e agora assumiria um cargo alto, diretamente ligado à diretoria. Boatos circulavam pelos corredores havia semanas, e seu chefe fora claro: ela seria responsável por auxiliá-lo em sua integração.
Tomou um banho rápido, vestiu um conjunto elegante e discreto, prendeu o cabelo num coque despretensioso e saiu sem tomar café - o estômago apertado pela ansiedade.
Durante o trajeto até a Archer, os pensamentos estavam longe. Eram nebulosos, difusos, presos em lembranças antigas. Era estranho como, mesmo depois de tantos anos, seu pai ainda invadia suas manhãs. Às vezes bastava um cheiro, um nome, uma sombra no reflexo da janela. A última vez que o viu vivo era uma lembrança sombria, que voltava sem aviso.
Chegando ao prédio espelhado e imponente da empresa, passou direto pela recepção, digitou o código no elevador e subiu ao nono andar - setor de projetos e desenvolvimento estratégico, onde atuava como analista sênior.
Não era o cargo dos sonhos, mas ela gostava do que fazia. Era organizada, focada e boa em lidar com crises. Isso a tornava indispensável em certos momentos... e invisível em outros.
Quando entrou na sala de reuniões para organizar os documentos da manhã, o ar pareceu mudar.
Ele já estava lá.
De costas, observava a cidade através da parede de vidro. Alto, postura firme, terno escuro. Ao ouvir a porta, virou-se lentamente.
Os olhos dele encontraram os dela.
Alícia congelou.
Um calafrio percorreu sua espinha como uma descarga elétrica. O mundo pareceu se dissolver, e por um instante, ela não soube se estava no presente... ou de volta àquela noite.
Aqueles olhos.
Não podia ser.
- Olá - ele disse, com um leve sorriso. - Você deve ser a Alícia.
Ela piscou, tentando disfarçar o tremor nas mãos.
- Sim. Eu... sou. Seja bem-vindo.
- Adrian - ele se apresentou, estendendo a mão. - Adrian Archer.
O sobrenome soou familiar. Claro. Os donos da empresa. Ela sabia que o novo executivo o filho de um dos fundadores, mas agora isso parecia irrelevante.
Ela apertou sua mão, e tudo o que conseguiu pensar foi: os olhos. Eram os mesmos. Exatamente os mesmos.
Mas isso não fazia sentido. O assassino de seu pai não teria voltado. Não se chamaria Adrian Archer.
E, ainda assim, cada parte de seu corpo gritava: era ele.