Lyra não precisava de um calendário para saber que a lua estava cheia. O útero, inchado com a vida que a matava, tornava-se um tambor ritmado sob a pele. E a cada pulsação, a prata.
O Pingente da Máscara de Prata pesava como um grilhão no seu pescoço, frio e inóspito, forçando o lobo a hibernar. Era um veneno lento, mas necessário. Sem ele, a sua essência Lycan seria um farol de cheiros e fúria, impossível de esconder no meio da cidade humana. Com ele, ela era apenas Lyra a vizinha pálida e reservada do terceiro andar que parecia ter sempre uma gripe.
Seus olhos, que deveriam ser de um dourado feroz sob o domínio da lua, estavam de um castanho opaco. Os feitiços que se agitavam nas pontas dos seus dedos, a magia herdada de sua mãe bruxa, eram sufocados pela Obsidiana Negra. Mas ela podia sentir o metal quente. Não pelo seu calor, mas pela energia que a pedra absorvia. Hoje, a obsidiana parecia mais escura do que o normal, e as pequenas veias de luz avermelhada que a atravessavam - as rachaduras que Avó Alana tanto temia - brilhavam com uma intensidade preocupante.
E não era a sua magia que o pingente lutava para conter. Era a terceira marca. A criança que estava prestes a nascer.
Lyra levou a mão à barriga, sentindo um chute violento que não era de um feto humano. Não era nem um lobisomem. O bebê era uma força fria, poderosa, que roubava a sua vitalidade. Ela estava grávida de um mistério que nem a sua família, nem o clã vampiro do pai, poderiam aceitar. O fruto de um romance proibido com Kael, o vampiro, era um monstro de três sangues. Um Tribrido
Lyra fechou os olhos, tentando se concentrar no único som que importava: o silêncio. Seus ouvidos de lobisomem, ainda ligeiramente ativos, eram a sua única proteção real em Havenwood. Mas o que ela captou não foi o ruído da chuva fina na janela ou o murmúrio da TV do vizinho.
Foi um cheiro. Sutil, mas inconfundível.
Canela, Mofo e Morte. O cheiro de um clã vampiro antigo.
Eles me encontram.
pânico, sempre latente, ameaçou dominar a sua mente. Controle. O mantra que AVó Alana lhe ensinara era a única coisa que a impedia de rasgar a porta e fugir para a floresta mais próxima, um instinto de Lobisomem que a teria revelado em segundos. O pingo de suor que escorreu pela têmpora de Lyra não era do calor do verão, mas do esforço para suprimir a transformação.
Ela tocou o Pingente da Máscara de Prata. O metal estava incandescente, queimando a sua pele.
- Aguenta firme, seu pedaço de lixo. - Lyra sussurrou para o objeto, mas era mais um apelo.
O cheiro vinha do telhado. Um vampiro não usaria a porta ou as escadas, não quando a caça era tão... delicada. Estava procurando, usando a escuridão da noite a seu favor.
Lyra arrastou-se até a pequena cômoda onde guardava a sua única arma, uma faca de caça de aço negro (encantada para reter calor, um truque de bruxa). O movimento lento e pesado lembrava-lhe que, embora fosse uma híbrida, a gravidez a tornava frágil. Ela precisava de magia. E magia, com a Obsidiana lhe sufocando, era perigoso.
Se ele está no telhado, ele vai entrar pela claraboia da sala.
Lyra levantou a mão livre, sentindo o pulso do Pingente aumentar. Ela não podia lançar um feitiço de ataque, mas podia lançar uma distração. Uma chama simples.
Ela canalizou a sua fúria Lobisomem para o feitiço, usando a raiva para ignorar a dor. A Obsidiana na Máscara vibrou, e a pedra soltou um chiado agudo. Lyra sentiu uma pontada de náusea, o cheiro forte de enxofre preenchendo o ar.
Não, não, por favor...
Antes que pudesse dominar a energia, o Pingente cedeu. Não houve explosão, mas a obsidiana rachou mais uma vez, e uma onda de força irrompeu, batendo na parede. Não foi o fogo que ela procurava. Foi uma rajada de vento violenta e descontrolada, uma força elemental que arrebentou o pequeno lustre da sala e apagou a lâmpada de cabeceira.
O vampiro no telhado soube naquele instante: ela estava ali e estava lutando.
Na escuridão repentina e cortada apenas pelo brilho rachado da Prata, Lyra ouviu o som claro e assustador: a claraboia quebrando.