Matteo
Matteo
A música estava alta demais.
A iluminação do lugar parecia uma sequência de socos de néon no meu cérebro, e o cheiro de perfume barato, uísque derramado e suor perfumado está me dando vontade de atirar em alguém. De preferência, no Giovanni.
- Aproveita, irmão! - ele grita por cima da batida ensurdecedora, com um sorriso idiota no rosto e uma dançarina seminua pendurada no pescoço.
Aproveitar. Como se essa fosse minha ideia de diversão.
Meu olhar percorre o salão privado - reservado exclusivamente para mim - repleto de corpos que se esfregam como se fosse o fim do mundo, garrafas caras sendo derramadas como se fossem água e uma stripper vestida de policial tentando me algemar à cadeira.
- Encosta mais e eu quebro seu pulso. - Minha voz é baixa, mas clara. A mulher empalidece e recua, murmurando algo antes de sumir no meio da fumaça e do glitter.
Não é culpa dela. Ela só está fazendo o trabalho dela. O problema sou eu.
Estou cansado.
Cansado da encenação, das alianças forjadas com sangue e chantagem, dos sorrisos falsos em jantares de família onde todos estariam mortos se o sal não tivesse sido bem distribuído na mesa.
E agora, como grande presente de casamento, serei unido a Bianca Romano. A mulher que tem mais maquiagem que caráter e acha que flamingos são um símbolo de poder.
Aperto os dedos ao redor do copo de uísque. O gelo tilinta, irritante. Giovanni aparece ao meu lado novamente, rindo de alguma piada que não ouvi, e me dá um tapa no ombro.
- Qual é, Matteo, para de cara feia. É sua despedida de solteiro. A última noite de liberdade.
- Liberdade é um conceito relativo quando você nasce dentro de uma jaula dourada - respondo.
Ele faz careta.
- Que dramático. Você só vai casar com uma mulher bonita, rica e com bom gosto para rosa choque. Pode ser pior.
- Poderia ser você no meu lugar.
- Ah, não. Eu já tenho uma esposa. - Giovanni dá um sorriso orgulhoso e olha para o celular, provavelmente trocando mensagens com Aurora com quem casou bêbado em Vegas. - E ela faz os melhores nachos que eu já comi. Bianca não tem chance.
Levanto. O terno escuro que uso está amarrotado de tanto eu me mexer desconfortavelmente. O ar da boate parece mais denso, e minha paciência está no limite.
- Eu vou embora.
- O quê? Agora?
- Sim.
- Cara, você não pode simplesmente sair da própria despedida. É tradição! É...
- Giovanni - interrompo, encarando-o -, se tradição é a desculpa que usamos pra justificar decisões ruins, então talvez todas as tradições mereçam ser queimadas.
Ele pisca, confuso. E pela primeira vez em horas, fico em silêncio.
Atravesso o salão como se fosse uma cena de câmera lenta. Música alta. Risos forçados. Mulheres tentando parecer mais interessantes do que são. Homens medindo suas carteiras com os olhos.
Nada disso é meu mundo. Nunca foi.
Sou feito de controle. Estratégia. Discrição. E estou prestes a me casar com uma bomba ambulante de drama pastel rosa.
Perfeito.
Do lado de fora, a chuva começa a cair como uma maldição poética. Subo no carro antes que meu motorista diga qualquer coisa e apenas murmuro:
- Dirija.
- Para onde, senhor Corleone?
- Não sei. Só... longe daqui.
A tempestade engole a cidade. Relâmpagos iluminam o céu como flashes de uma câmera divina prestes a registrar minha ruína. O carro avança pela estrada, as gotas batendo forte no vidro, os pneus cortando a água com violência.
Não quero ir para casa.
Não quero encarar o buquê que Bianca escolheu, com penas e pedras falsas que "simbolizam o equilíbrio entre poder e delicadeza" - segundo ela.
Só quero silêncio.
Um raio corta o céu e atinge uma árvore metros à frente.
- Merda! - o motorista grita, freando bruscamente.
A árvore cai, bloqueando a estrada. O carro derrapa, para de lado, e por um instante, tudo fica quieto. Só o som da chuva.
- Vou verificar. - digo, já abrindo a porta.
O vento me atinge como uma bofetada molhada. Caminho até o obstáculo com os sapatos encharcando instantaneamente. Tento avaliar se é possível mover a árvore ou se precisaremos chamar ajuda.
É então que ouço o grito.
- SAI DAÍ, FREDERICO! EU JURO PELA ALMA DA MINHA TARTARUGA QUE SE VOCÊ MORRER DEBAIXO DESSA LATA VELHA EU ENTRO EM LUTO!
Franzo a testa.
Viro a cabeça e vejo uma mulher completamente molhada, o guarda-chuva virado ao contrário, ajoelhada ao lado de um carro quebrado... gritando com algo debaixo dele.
Não com alguém.
Com algo.
Dou mais alguns passos. E aí vejo.
Um pato. Um maldito pato.
A mulher tenta empurrá-lo com o braço. Ele grasna em protesto.
- Você é o pior pato do mundo! Ingrato! Eu te dei pão sem glúten, porra!
Sinto uma risada escapando, involuntária.
Ela se vira, me encara como se eu fosse o próprio mafioso genérico de um filme B.
- Tá rindo do quê, paletó ambulante? Vai ajudar ou vai ficar olhando feito um figurante da máfia?
Paletó ambulante?
- Você está brigando com um pato.
- E você está plantado aí no meio da chuva com cara de vilão de novela. Estamos empatados.
Cruzo os braços.
- E se eu dissesse que sou um mafioso?
- Eu diria que falta carisma. Mafiosos de verdade sabem sorrir.
A mulher me enfrenta sem piscar. Cabelos grudados no rosto, olhos faiscando. E ali, naquele exato momento, percebo:
Minha vida está prestes a sair completamente do controle.
E talvez, pela primeira vez... eu queira isso.
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