Ana havia começado o dia como sempre. Uma xícara de café preto, forte, com o sabor exato que a despertava todas as manhãs. Tinha revisado os e-mails, sem nada urgente que a tirasse de sua zona de conforto, e depois arrumou o quarto em um ato automático. Suas rotinas eram previsíveis, seguras, e em seu mundo, tudo se alinhava com a tranquilidade que desejava. Era um dia como qualquer outro, e como sempre, sentia que estava no controle de sua vida.
Mas a tarde chegou, e com ela, uma ruptura que mudaria tudo. Nada, nem o menor sinal, poderia tê-la preparado para o que estava prestes a descobrir.
Naquela noite, depois de um longo dia de trabalho, Ana se dirigiu ao seu apartamento. O cansaço era perceptível em seus passos, e seus pensamentos já começavam a divagar para as pequenas rotinas que a aguardavam em casa: o jantar, um banho relaxante, talvez ler um pouco antes de dormir.
Ao chegar à porta, algo a deteve. Estava entreaberta. A porta sempre tinha sido trancada por Javier, seu companheiro. Durante anos, essa rotina foi inquebrável, um hábito que os dois compartilhavam para se sentirem seguros. Mas naquele dia, essa rotina foi quebrada sem aviso, e algo dentro dela a alertou de que aquilo não era uma simples coincidência.
Com uma mistura de incerteza e uma ponta de ansiedade, empurrou a porta. À primeira vista, o apartamento parecia tranquilo. As luzes suaves, as sombras longas do entardecer e o som abafado do vento passando pelas frestas das janelas. No entanto, enquanto avançava pelo corredor, um som chamou sua atenção. Risadas suaves, sussurros abafados. Aquilo não era comum.
Seu pressentimento cresceu, denso como uma neblina espessa, invadindo cada canto de sua consciência. Aproximou-se do quarto com cautela, sem saber o que esperar, mas temendo o pior.
Ao abrir a porta, foi como se o mundo desabasse ao seu redor, deixando-a suspensa no ar, incapaz de mover um único músculo. Lá estavam eles: Javier e Clara, sua melhor amiga, nus, entrelaçados na cama. A cena parecia tirada de um pesadelo, um que Ana jamais imaginou viver.
O silêncio que se seguiu foi imediato, denso, insuportável. As risadas cessaram, os sussurros desapareceram. Javier a olhou com os olhos arregalados, cheios de surpresa e, inexplicavelmente, de culpa. Clara empalideceu, e uma mistura de pânico e vergonha tomou conta de seu rosto.
Ana ficou ali, paralisada, enquanto a dor a invadia como uma onda incontrolável. Não havia espaço para explicações. O sofrimento físico e emocional, tudo o que ela nunca imaginou sentir, a atingiu com uma força devastadora.
Javier pulou da cama, tentando se cobrir, mas a culpa estampada em seu rosto era impossível de esconder.
- Amor! - gritou ele, desesperado, estendendo as mãos em sua direção. Ana recuou, como se a simples proximidade dele pudesse contaminá-la.
- Por favor, posso explicar, meu amor - continuou, a voz trêmula e vazia de justificativas plausíveis.
Mas Ana não o escutava. Estava presa em uma bolha de incredulidade e dor. As lágrimas começaram a cair em seu rosto, embora ela não pudesse dizer se era por raiva, dor ou confusão.
- O que você quer me explicar? - conseguiu articular. Sua voz era um sussurro quebrado. A raiva começava a substituir a dor, e seus olhos brilhavam com uma fúria contida. - Como você pode me explicar que disse que tinha uma reunião de trabalho enquanto estava na cama com minha melhor amiga? Isso é o que você tem a me dizer?
Cada palavra era como uma faca, e Ana sentia cada golpe na alma. Ainda assim, algo dentro dela a mantinha ali. Talvez, em algum lugar profundo, ainda esperasse ouvir algo que pudesse amenizar o impacto.
Clara, incapaz de encarar Ana, levantou-se da cama com movimentos torpes, a vergonha estampada em cada gesto. Ana sentia a traição em cada fibra do corpo. O ar parecia envenenado, queimando-a por dentro.
Javier tentou se aproximar novamente, mas Ana ergueu a mão, firme. Não iria ouvir mais mentiras. A verdade estava ali, nua e crua. E ela sabia que não precisava de mais nada.
O som de sua respiração se tornou o único ruído no quarto. Lentamente, virou-se e saiu. Não precisava de respostas. O mundo havia mudado para sempre.
E enquanto caminhava pelo corredor, as lágrimas continuavam a cair. Mas, desta vez, já não eram de confusão. Eram lágrimas de perda.