Papai começou a fazer ligações, tentando arranjar um lugar para passarmos a noite. Provavelmente, vamos ficar num hotel, mas não consigo parar de pensar no quanto isso vai custar. Não é como se pudéssemos todos caber num quarto só. Não posso fazer nada para ajudá-los, e saber que a culpa é minha só piora tudo. Foi por minha causa que a casa pegou fogo. Como pude ser tão tola e descuidada?
Como qualquer adolescente, eu estava feliz trocando mensagens no celular. Me empolguei tanto que esqueci uma panela no fogão. Se fosse só isso, ainda estaria tudo bem; eu levaria uma bronca e vida que segue. O que eu não daria por uma simples bronca agora. Mas, além de distraída, estava tão envolvida na conversa que joguei um guardanapo de qualquer jeito perto do fogão e fui ao meu quarto buscar uma caneta. Era só um guardanapo, mas as coisas fugiram do controle rapidamente.
Minha irresponsabilidade fez com que eu não percebesse nada até o detector de fumaça disparar. Corri para a cozinha com o celular numa mão e um papel na outra, e lá estava o fogo. Em pânico, tentei jogar água, mas já era tarde demais. É um milagre eu ter escapado apenas com queimaduras nas costas e nas mãos - o que significa que, por um bom tempo, nada de regatas. Tudo foi culpa minha. Tudo pelo que meus pais trabalharam se foi. Os vizinhos só conseguiam dizer "Sinto muito por vocês" antes de voltarem para suas casas. Pelo menos eles ainda tinham casas.
"Oi, querida", papai me chamou com carinho. Dessa vez, não. Suas mãos suaves não podiam me confortar. Eu estava tão perdida em meus pensamentos que nem conseguia imaginar como superar essa culpa.
"Desculpe, papai", me desculpei, desabando em lágrimas. Como pude fazer isso com meus pais? Como vou encará-los depois disso? Eles vão me odiar se eu contar a verdade, mas, se não contar, a culpa vai me corroer viva. Estou tão confusa. Papai não percebeu o que se passava em meu rosto, ou talvez tenha interpretado mal como apenas tristeza. Não que estivesse completamente errado: eu estava triste, mas não apenas pelo motivo que ele imaginava. Mesmo assim, ele sorriu e acariciou minhas bochechas. Eu cerrei os lábios e me enrijeci.
"Não precisa pedir desculpas, querida. Não foi sua culpa, foi um acidente. Acontece o tempo todo, você não tem culpa alguma."
Mas eu tenho. Não tive coragem de contar que estava cozinhando. Ele achou que tinha sido um vazamento de gás, supôs, e eu não me esforcei para corrigi-lo. Agora, me sinto infinitamente pior.
Acenei com a cabeça enquanto ele me abraçava mais forte. Continuei sussurrando "desculpe" baixinho, por um motivo que ele desconhecia.
Conseguimos salvar o carro do papai, então entramos nele. Aquele carro era tudo o que nos restava no mundo.
"A casa tinha seguro, mas vai demorar até a indenização sair", mamãe anunciou enquanto eu fungava. Ela não estava nada bem depois que todos foram embora; seu rosto desabou, e eu sabia que ela estava à beira de um colapso.
"Vamos para um hotel ou algo assim?" perguntei, confirmando minha suspeita. Pelo menos o seguro existe. Não resolve tudo, mas é melhor que nada.
"Vai demorar. Não podemos viver num hotel, e o dinheiro que usaríamos para alugar um apartamento agora vai ter que ser para roupas e coisas novas para vocês duas", papai anunciou com um suspiro cansado. Ele tinha acabado de perder tudo e ainda assim só pensava em mim. E eu o recompenso assim? Que idiota.
Mal conseguia me conter; queria tanto contar a verdade para ele. Que se dane as consequências! Eu precisava confessar.
"Temos outra opção. Um velho amigo meu ficou sabendo do acontecido, ligou para dar apoio e gentilmente ofereceu um lugar para ficarmos por um tempo, até nos reerguermos. Ele é casado, tem dois filhos, mas tem espaço de sobra, e um deles está na faculdade."
Eu suspirei. Normalmente, a ideia não me agradaria nem um pouco. Não gostaria de morar com estranhos, mas agora.? Não tínhamos escolha. Era isso ou a rua.
"E o outro filho.?" Deixei escapar, curiosa.
"Você deve conhecê-lo. Afinal, estudam na mesma escola."
Estudamos? Mal falo com ninguém na escola; tenho certeza de que ele será um completo estranho. Todos nós demos um suspiro coletivo.
"Sim. O Sr. Emerton é um grande amigo e uma pessoa maravilhosa", ele anunciou. Fiquei em alerta. Congelei no lugar. Geralmente, há milhares de pessoas com esse sobrenome, mas, com a pista que ele deu. eu sabia quem era. Na nossa escola, atualmente, só há uma pessoa com esse nome. Ah, droga. Dois desastres numa única noite. Enterrei o rosto nas mãos e tentei parecer normal.
"Vou morar com o Dylan Emerton", murmurei para mim mesma, enquanto ele sorria e apertava a mão da minha mãe de forma reconfortante.
"Oh, não", sussurrei, quase inaudível.
"Por favor, não o Dylan. Não posso encará-lo de novo." Pensei, enquanto meu pai dava partida no carro. Rezei a todos os anjos no céu - mesmo tendo cometido o pior dos pecados -, fechei os olhos e implorei para que Dylan não se lembrasse de mim. Já se passaram dois anos, então espero que ele tenha me esquecido, mesmo que eu não possa dizer o mesmo. ainda me lembro dele todas as noites. Parece que foi ontem, mas não foi. Já faz mais de dois anos.
MINUTOS DEPOIS
O carro do meu pai parou em frente a uma mansão enorme. Saímos todos. Em momentos assim, agradeci por ser filha única - nem quero imaginar como seria se meus pais tivessem mais filhos para cuidar. É uma coisa horrível de se pensar, mas é a verdade. Balancei a cabeça, percebendo que estava colocando a culpa no Dylan. Ele nem estava aqui e já estava me afetando. Com certeza, a culpa era dele.
Meu pai discou um número no interfone e, segundos depois, o portão se abriu automaticamente para que entrássemos. Uau.
Papai estacionou na garagem. Saí lentamente, carregando as únicas duas coisas que consegui pegar ao fugir: meu celular (o cúmplice do crime) e um moletom que agarrei ao subir as escadas - nem lembro por quê, mas estava grata por tê-lo. Não sobreviveria sem ele. Ficaria perdida se tivesse virado cinzas. Na verdade, nem é meu; é um empréstimo que talvez nunca seja devolvido.
Segundos depois, a porta da frente se abriu e um homem de meia-idade, a própria imagem do Dylan, apareceu. Então era daí que ele herdou tudo. Atrás dele, uma mulher linda, que não aparentava mais que trinta anos, mas que devia ser a mãe dele.
"Emerton!", meu pai cumprimentou com afeto, enquanto os dois se cumprimentavam. Lá vem o constrangimento.
"Sinto muito pelas circunstâncias, mas vocês três são muito bem-vindos para ficar o tempo que precisarem", a mãe de Dylan anunciou.
Minha mãe cutucou meu cotovelo, um sinal para eu falar.
"Boa noite, senhor, senhora. Eu sou a Camilla. Muito prazer em conhecê-los", cumprimentei, forçando um sorriso, apesar de tudo.
"Nossa, me sinto tão velho assim?", o Sr. Emerton brincou, e eu sorri de volta. Eles pareciam ser bem acolhedores.
"Vocês devem estar exaustos. Vamos entrar, precisam descansar." A Sra. Emerton nos guiou, e eu entrei, segurando minhas coisas.
Não havia nenhum sinal do Dylan. Talvez minhas preces tinham sido atendidas. Quem sabe? Talvez ele tivesse sido abduzido por aliens.
"Vamos conversar com seu pai, Camilla. Você pode escolher qualquer quarto a partir do segundo andar. O primeiro andar é do Dylan", o Sr. Emerton instruiu. Acenei lentamente e entrei. A casa era enorme; observei a decoração enquanto subia as escadas.
Passei pelo primeiro quarto no segundo andar - quase tentada a espiar. Quase.
Decidi ficar o mais longe possível dele, então escolhi o quarto no final do corredor.
O quarto era espaçoso, com uma cama king size no centro. Não tive tempo de admirar os detalhes. Tirei minhas roupas com cuidado, coloquei o celular na mesa de cabeceira e fui direto para o banho. As queimaduras não doíam tanto; os analgésicos que os paramédicos me deram tinham feito efeito.
Não sei quanto tempo passei no chuveiro, mas era o que eu precisava. Lá, agachei-me e refleti sobre minha situação, enquanto a água escorria pelo meu cabelo.
Quando saí, enrolei a toalha frouxamente ao redor do torso. Virei-me para tentar prender o cabelo molhado num coque.
De braços no ar, o nó da toalha se soltou e caiu no chão.
"Oi, gata."
Ouvi aquela voz que assombrava meus sonhos - e meus pesadelos. Engoli em seco e me virei.
"Dylan", murmurei. Agachei-me, peguei a toalha e a prendei novamente ao corpo, segurando com força.
"Eu estava apreciando a vista. mas a frente seria ainda melhor." Ele disse com audácia.
Freezei diante de sua ousadia.
"Você deve ser a garota de quem meus pais estão falando", ele continuou, com um tom de desdém.
"Por que você me parece familiar?" Ele perguntou. Engoli em seco de novo, tentando bolar uma mentira convincente.
Minhas preces definitivamente não foram atendidas.