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A noite gelada é típica do inverno no deserto. A temperatura baixa e a ausência de sons só aumentam a sensação de solidão. Mas, a madrugada silenciosa tem o sossego quebrado. O ruído de passos nervosos, de alguém cambaleando, ecoa entre os destroços de uma cidade em ruínas.
Os olhos marejados e empoeirados forçam um ponto no horizonte, tentam vencer a escuridão. As pernas cansadas, pela maratona que empreendeu durante toda a noite, não aguentam dar mais um passo sequer.
O garoto tem os cabelos grossos por causa da sujeira, assim como a face magra, pálida e o corpo desnutrido, que justifica a magreza exagerada. Suas forças já se esvaem com o esforço demasiado por causa da fuga. Correu por muitas horas. O desespero é a sua força, mas o corpo tem limites. Precisa parar um pouco, descansar, nem que seja por breves instantes. Os escombros parecem oferecer um refúgio convidativo.
"Só por alguns minutos." Ele pensa.
Com muito esforço, o rapaz olha em torno. Uma lápide de concreto caída no chão, parecendo tapar um alçapão, seria o lugar perfeito para deitar e retomar a força. Mas, a pedra é pesada, seus braços finos não conseguem sequer movimentá-la para o lado.
"Como era mesmo aquele encanto?" Ele se senta no chão, em frente a pedra, forçando a memória. Ao passar a mão no queixo, percebe algo em seu pescoço.
"Ah, o maldito inibidor, droga!"
Súbito, um zunido ecoa por entre os escombros. Drones sobrevoam a área com faróis infravermelhos. O jovem se levanta. Ele sabe que precisa correr ou morrerá.
O som de motores roncando e a terra tremulando são sinais de que pode ser tarde demais.
O jovem reúne forças para correr. Seu coração dispara, os pulmões doem de tanto esforço, sente uma forte câimbra na perna. Em seu corpo reluz um ponto vermelho. As armas estão travadas no alvo. Abandonando de vez a lápide, ele corre em zigue-zague tentando despistar seus caçadores. O estampido de um tiro ecoa pela madrugada.
O disparo de raio laser risca o ar e passa de raspão rasgando o músculo da perna direita, o jovem é jogado com força alguns metros à frente. Seu rosto se esfola no chão pedregoso. Em questão de segundos ele está cercado por quatro androides portando armas automáticas e miras laser, apontando para a sua cabeça. Alguns drones sobrevoam logo acima, iluminando-o com um facho de luz amarela, denunciando a sua posição.
[Alvo encontrado]
A voz metálica ecoa pela madrugada e causa arrepios no rapaz. Imediatamente o androide avança para cima dele, prendendo seus braços e pernas com os membros articulados. Seus olhos emitem um facho verde, que percorre todo o rosto do prisioneiro para fazer o reconhecimento.
Os outros androides permanecem de pé, fuzis destravados, apontando para o alto, rodeiam o local em posição tática de defesa.
[Confirmar forma humanoide.]
[Alvo humanoide aparenta tempo de vida entre 5 e 8 anos, macho, pele branca, medindo em torno 1500 mm de altura, massa aproximada 30 kg.]
[Confirme o código do colar]
A luz verde repousa no colar em torno do pescoço.
[20431006B150024]
[Código confirmado, ser anima-signa, transmuto classe B, condenado à morte por inutilidade energética. Protocolo de autorização para execução da sentença: 20431006X00.]
Ao ouvir aquelas palavras, o jovem arregala os olhos, sabe que será o seu fim. O pânico que sente agora é diferente do medo que o incentivou a fugir de ZeroUm, a cidade em que as criaturas da magia eram mantidas em cativeiro para servirem de baterias às máquinas.
O fuzil emite um ruído como se estivesse carregando. O olhar frio e metálico do androide não permite transparecer qualquer esperança de empatia com seu prisioneiro. As máquinas, com movimentos automáticos e ausência total de expressões faciais, deixam bem claro que a compreensão de realidade para ambos é completamente distinta.
Cansado da dor e do medo, o menino estufa o peito, ele se enche de brio para esperar a rajada fatal. A arma é apontada diretamente à sua cabeça. Em um misto de desafio e ousadia, ele grita com ódio. Uma luz emitida por seu colar envolve todo o corpo do menino, uma espécie de descarga elétrica é disparada, paralisando os músculos de todo o corpo, calando a sua voz. O disparo fatal virá em instantes. De certa forma, a criança se sente aliviada, pois para ele, a execução representa o fim de uma vida agonizante.
Ninguém por testemunha. Nenhum julgamento, nenhum apelo. Nada poderá impedir sua morte, nem a liberdade. De repente, o jovem é surpreendido por um estouro ensurdecedor, o calor e o deslocamento instantâneo do ar, o jogam para o lado. Ele se espatifa de encontro à parede. Ainda muito zonzo levanta a cabeça. O quadro que vê é algo inesperado: uma criatura de pele estranha, um olho enorme que toma toda a cabeça, e emitindo rajadas luminosas das mãos, parecia planar sobre os androides. Os drones despencam do céu, arrebentando-se no chão. A escuridão envolve sua visão. Tudo muito confuso. Sua cabeça gira velozmente. O menino desmaia.