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A noite avançava, e Ana, deitada em sua cama, sentia-se como um navio à deriva em um mar de incógnitas. As palavras de Stella ecoavam em sua mente, adicionando uma camada de apreensão à já pesada atmosfera da mansão. "Nem tudo é o que parece." A frase ressoava, alimentando a desconfiança que Ana tentava, sem sucesso, afastar. Ela repassava o dia, desde a frieza calculada de Henrique em seu escritório até a sugestão velada de Stella no jardim. Parecia que cada canto daquela casa guardava um segredo, e ela, Ana, era a recém-chegada forçada a desvendá-los.
O silêncio da noite era quebrado apenas pelos sons distantes da mansão, que pareciam amplificar a sensação de isolamento. Ana imaginou os funcionários em seus aposentos, Henrique em algum lugar daquela vasta residência, talvez imerso em mais negócios ou em pensamentos que ela não conseguia sequer vislumbrar. A ideia de que ele, apesar da fachada de empresário eficiente, também possuía seus "próprios segredos" era perturbadora. Que tipo de segredos poderiam ser esses? E como eles se conectavam à sua própria presença ali?
Decidida a não sucumbir à ansiedade, Ana resolveu fazer algo que a acalmasse: explorar um pouco mais. Com passos cuidadosos para não fazer barulho, ela saiu do quarto. A mansão, agora banhada pela luz prateada da lua que entrava pelas janelas, assumia um ar ainda mais imponente e, de certa forma, ameaçador. As sombras dançavam nos corredores, transformando objetos familiares em figuras sombrias e distorcidas.
Seu caminho a levou, quase que por instinto, em direção à biblioteca. Era um refúgio que ela havia vislumbrado durante o dia, um santuário de conhecimento que, talvez, pudesse oferecer alguma clareza ou distração. A porta pesada se abriu com um rangido suave, e o aroma de papel antigo e couro a envolveu. As estantes altas, repletas de volumes de todas as épocas, pareciam guardiãs silenciosas de histórias esquecidas.
Enquanto seus olhos percorriam os títulos, um livro em particular, posicionado de forma um pouco mais à frente em uma prateleira inferior, chamou sua atenção. Não era um dos volumes mais antigos ou luxuosos, mas algo em sua lombada simples, quase discreta, a intrigou. Ao pegá-lo, percebeu que era um diário. Sem capa aparente, apenas com o nome "Helena" gravado em letras desbotadas.
Com o coração acelerado, Ana sentou-se em uma poltrona de veludo desgastado, a luz fraca de um abajur iluminando as páginas amareladas. As primeiras anotações datavam de muitos anos atrás. A escrita era elegante, mas a cada página virada, uma emoção diferente transparecia: alegria, frustração, desespero e, acima de tudo, uma profunda tristeza. Helena descrevia a vida na mansão, as expectativas sociais, os bailes, as tensões familiares. Mas, aos poucos, as palavras ganhavam um tom mais sombrio, mencionando um "acordo" que a aprisionava, um homem implacável que controlava seu destino e um amor proibido que a consumia.
Ana sentiu um arrepio percorrer sua espinha. As semelhanças com sua própria situação eram assustadoras. Seria Helena uma antepassada? Uma ex-moradora que havia vivenciado algo parecido? As descrições de um "acordo" e de um homem implacável ressoavam com as palavras de Henrique e com as próprias circunstâncias que a trouxeram até ali.
De repente, um barulho vindo do corredor a fez sobressaltar. Rapidamente, Ana fechou o diário e o colocou de volta na prateleira, tentando disfarçar o ato. A porta da biblioteca se abriu lentamente, revelando a figura de Henrique, parado no batente, com uma expressão indecifrável no rosto. A luz do corredor o deixava parcialmente nas sombras, acentuando o mistério que ele parecia carregar.
"Ana? O que está fazendo acordada a esta hora?", perguntou ele, sua voz grave quebrando o silêncio.
Ana tentou manter a calma, o diário de Helena pesando em sua mente como um segredo compartilhado. "Eu... não conseguia dormir. Decidi dar uma volta."
Henrique deu um passo para dentro da biblioteca, seus olhos percorrendo o cômodo como se procurassem algo. "Este lugar pode ser um pouco... opressor à noite. É fácil se perder em pensamentos." Ele parou por um momento, seu olhar fixando-se em Ana. "Você parece pensativa."
"Apenas... processando tudo", respondeu ela, escolhendo as palavras com cuidado. A tentação de perguntar sobre Helena, sobre os acordos, sobre os segredos, era enorme, mas o instinto de autopreservação a fez reprimir a curiosidade. Ela sabia que a batalha pela confiança e pela verdade estava longe de terminar, e que cada passo em falso poderia ter consequências imprevisíveis. A noite, que antes parecia apenas um momento de reflexão, agora se transformava em um campo de batalha silencioso, onde as verdades do passado começavam a sussurrar, prometendo desvendar os mistérios do presente.