As embarcações, com suas velas coloridas, vinham de terras distantes, trazendo especiarias exóticas, tecidos finos e histórias de reinos além-mar. Os portos eram um espetáculo à parte, com cais de madeira escura que se estendiam como dedos na água azul profunda. Marinheiros carregavam barris e caixas, enquanto comerciantes negociavam animadamente, suas vozes se misturando em uma cacofonia harmoniosa.
Nas ruas de Azaban, a vida fluía com uma tranquilidade vibrante. As pessoas zanzavam de um lado para o outro, suas roupas ricas em cores e tecidos, refletindo a prosperidade da cidade. Crianças corriam e brincavam, suas risadas ecoando entre os edifícios. Vendedores ambulantes apregoavam seus produtos, desde frutas frescas até joias reluzentes, enchendo o ar com aromas e sons diversos.
Por entre as vielas e praças, exércitos de Azaban marchavam com precisão e disciplina. Os soldados, vestidos com armaduras brilhantes e capas brancas, patrulhavam em formação impecável. Suas lanças e espadas cintilavam ao sol, e seus escudos ostentavam o brasão da cidade – um leão dourado sobre um campo azul. Eles mantinham a ordem e a segurança, mas também eram símbolos vivos do poder e da glória de Azaban.
As construções de Azaban eram um testemunho da engenhosidade e da beleza. Edifícios altos e graciosos, com arcos elegantes e detalhes esculpidos, erguiam-se entre jardins exuberantes e praças pavimentadas. Árvores antigas e majestosas alinhavam as avenidas principais, oferecendo sombra e frescor aos passantes. Flores de todas as cores adornavam canteiros e varandas, perfumando o ar com sua fragrância doce.
No centro da cidade, erguia-se o Palácio Real, uma estrutura imponente de mármore branco e ouro. Torres altas e esguias tocavam o céu, e janelas amplas permitiam que a luz do sol inundasse os salões reais. O palácio era o coração pulsante da cidade, onde o rei governava com sabedoria e justiça. Salões de banquetes, repletos de tapeçarias e candelabros, abrigavam festas grandiosas e reuniões importantes. Jardins luxuosos, com fontes e estátuas, ofereciam um refúgio de paz e beleza.
Azaban era mais do que uma cidade; era um símbolo de harmonia entre a natureza e a civilização. Os rios que a atravessavam eram límpidos e cheios de vida, e os campos ao seu redor eram férteis e bem cuidados. A paz reinava em suas muralhas, protegida por acordos diplomáticos e pela força de seus exércitos numerosos. A vida em Azaban era uma dança delicada entre o passado glorioso e o presente próspero, um lugar onde tradições antigas encontravam a inovação, e onde cada habitante contribuía para a grandeza contínua da Joia Dourada do Sul.
Calum nunca havia visto um lugar tão magnífico e pacífico, uma visão quase irreal depois de suas experiências na Floresta Sufocante. Ele sabia, no entanto, que por trás da beleza e da tranquilidade, havia segredos e uma podridão que poucos conheciam. Azaban, com toda a sua glória, era um palco onde o destino de muitos se entrelaçava, e Calum estava prestes a descobrir seu papel nesse grandioso reino. Ainda havia vislumbres da traição. Uma cicatriz enorme da perfuração no pescoço era uma ferida de sua ressurreição. Ele não acreditava, é verdade. Sua sobrevivência foi algo sobrenatural, afinal de contas, segundo boatos, foi encontrado sem vida por viajantes que tomaram o caminho sombrio da floresta, mas por alguma obra do destino, retornou. A mudança foi sentida no corpo, parecia mais forte, mesmo que houvesse se passado algumas semanas desde o trágico acontecimento, os flashes iam e vinham na sua memória, como um presságio de que algo incomum estava prestes a acontecer.
Calum, ainda absorto em seus pensamentos, observava a vista da varanda do castelo. O panorama era de uma beleza arrebatadora, uma tapeçaria viva de cores e movimento. Os navios, com suas velas altas e imponentes, deslizavam graciosamente para dentro e fora dos portos, cada um contando uma história de terras longínquas e aventuras épicas. O murmúrio constante da atividade nos cais era como uma sinfonia, uma melodia de prosperidade que ressoava pelas ruas douradas de Azaban.
Os movimentos nas vielas abaixo eram igualmente fascinantes. Comerciantes arrastavam suas carroças carregadas de mercadorias exóticas, enquanto artesãos exibiam suas criações em bancas ricamente decoradas. As risadas das crianças misturavam-se ao burburinho dos adultos, criando uma atmosfera de vida e vitalidade. Calum podia ver soldados marchando em formação, suas armaduras reluzindo à luz do sol, uma presença constante e reconfortante para os cidadãos da cidade. No entanto, por trás de toda essa vibrante normalidade, havia uma inquietação silenciosa em Calum. A cicatriz em seu pescoço não era apenas uma lembrança física; era um símbolo de sua vulnerabilidade, um lembrete constante de que havia forças sombrias à espreita nas sombras. Ele tocou a cicatriz distraidamente, sentindo a textura rugosa sob os dedos, enquanto os flashes de memória retornavam, cada vez mais vívidos e perturbadores.
- Você ainda está pensando nisso, não é? - A voz de Evera o tirou de seus devaneios. Ela se aproximou, seus olhos penetrantes fixos no horizonte.
Calum assentiu, sem desviar o olhar da vista.
- É difícil não pensar. Algo me trouxe de volta. Algo me deu uma segunda chance. E eu sinto que há um preço a pagar por isso.
Evera suspirou, apoiando-se na varanda ao seu lado. - A Floresta Sufocante não entrega nada sem cobrar algo em troca. Você foi marcado, Calum. E essa marca é tanto uma bênção quanto uma maldição.
Calum virou-se para ela, seus olhos cheios de determinação.
- Eu não sei o que está por vir, mas estou preparado para enfrentar. Azaban e Enya são minha casa, e eu não vou deixar que nada as ameace. A criatura que dobrou Claon, espreita entre nós, e eu vou caçá-lo. Ambos.
Evera sorriu levemente, admirando a convicção em sua voz.
- Então, devemos nos preparar. Algo está se movendo nas sombras, e precisamos estar prontos.
Evera Lamila, filha de um nobre da Corte e membro devota da Fé Vermelha, estava em pé na varanda do quarto de Calum. O sol banhava seus longos cabelos prateados, que caíam em ondas suaves até a cintura, iluminando-os com um brilho dourado. Seus olhos, de um azul profundo, refletiam a serenidade da paisagem de Azaban. A cidade se estendia ao longe, com seus portos movimentados e ruas vibrantes, uma tapeçaria viva de prosperidade e beleza.
Vestida em uma armadura, seus ombros eram cobertos por uma capa escarlate que simbolizava sua afiliação à Fé Vermelha. O corselete de metal, ajaezado com filigranas e detalhes de dragões, moldava-se perfeitamente ao seu corpo, conferindo-lhe uma presença imponente e graciosa ao mesmo tempo. A gola alta da armadura destacava o pescoço delicado, e a abertura em V deixava vislumbrar parte de seu colo, realçando sua feminilidade em meio à dureza da armadura.
Calum, deitado em um leito de seda, observava Evera com admiração e gratidão. Seu corpo ainda carregava as marcas do ferimento mortal, uma laceração profunda que atravessava seu pescoço, sangrando intensamente até que morrera, trazido de volta por uma magia desconhecida e Evera passou a cuidar dele seguindo ordens direta do Alto Rei. Com habilidade e destreza, ela aplicara unguentos e recitara orações antigas, suas mãos movendo-se com uma precisão quase sobrenatural. A cicatriz, embora ainda visível, estava agora selada pela magia curativa da Fé Vermelha.
Evera se inclinou sobre ele, seus movimentos suaves e calculados.
- Você é forte, Calum - disse ela, sua voz suave e reconfortante como um bálsamo. - Mas a força não vem apenas dos músculos ou da mente. Vem do coração. E o seu tem muito mais a oferecer.
Calum tentou sorrir, mas a dor ainda o fazia cerrar os dentes.
- Se não fosse por você, Evera, eu estaria morto. Mais uma vez, devo minha vida a você.
Ela colocou uma mão gentilmente sobre seu peito, sentindo os batimentos de seu coração sob a palma.
- A vida é uma dádiva dos deuses, e como tal, devemos protegê-la a todo custo. Azaban precisa de você, Calum. Nós precisamos de você quando o momento chegar.
A jovem sacerdotisa ergueu-se, olhando novamente para a vista esplêndida.
- Esta cidade, com toda sua beleza e grandiosidade, é vulnerável. As sombras da Floresta Sufocante espreitam, esperando o momento certo para atacar. Mas enquanto estivermos unidos, enquanto tivermos fé, resistiremos. Não sei até quando, pois o mal acordou. Eolon, voltou.
Calum assentiu lentamente, a determinação crescendo em seu peito.
- Eu lutarei, Evera. Por Azaban. Por todos nós.
Ela sorriu, um sorriso que era ao mesmo tempo terno e cheio de força.
- E eu estarei ao seu lado, sempre. Juntos, enfrentaremos o que vier. Eu olhei para o céu uma vez e vi um guerreiro nascido do gelo e do fogo, empunhando uma arma, nos liderando para a batalha.
A Fé Vermelha é uma crença antiga e misteriosa, distinta das demais religiões de Azaban, que em sua maioria seguem a Fé da Luz e devotam suas vidas à Deusa da Lua em sua plenitude. Os devotos da Fé Vermelha, no entanto, veneram a Lua apenas durante o Eclipse, quando ela se tinge de vermelho e revela seu aspecto mais sombrio e oculto.
Segundo as lendas, a Fé Vermelha surgiu há milênios, quando o primeiro Eclipse Sangrento aconteceu. Os anciãos acreditam que durante este fenômeno, a Deusa da Lua revela seu verdadeiro poder, um poder que não pode ser compreendido pela luz do dia ou pela luz plena da lua. É dito que aqueles que olharem diretamente para a Lua durante o Eclipse serão agraciados com visões proféticas e um entendimento profundo dos segredos do universo.
Os seguidores da Fé Vermelha acreditam que a Deusa da Lua, em seu estado de Eclipse, representa a dualidade da existência – vida e morte, luz e escuridão, criação e destruição. Eles veem o Eclipse como um momento de introspecção e revelação, onde as verdades escondidas vêm à tona e os segredos são desvendados.
Durante o Eclipse, os devotos se reúnem em templos antigos nas montanhas, adornados com pedras vermelhas e símbolos arcanos, para realizar rituais de adoração. Vestem-se de vermelho e preto, as cores sagradas da Fé, e entoam cânticos vetusto em línguas quase esquecidas. As cerimônias são marcadas por um profundo silêncio, intercalado apenas pelas vozes dos sacerdotes e sacerdotisas que lideram as orações e sacrifícios simbólicos.
A Fé Vermelha é organizada em uma hierarquia rigorosa, com o Sumo Sacerdote ou Sacerdotisa no topo, seguido por um conselho de anciãos e os devotos comuns. Os membros da Fé são conhecidos por suas habilidades curativas e mágicas, acreditando que o poder do Eclipse lhes concede dons especiais. Eles são frequentemente chamados para curar os doentes, aconselhar os líderes e proteger a cidade de Azaban de ameaças sobrenaturais.
Embora a Fé Vermelha seja respeitada, ela também é temida por aqueles que não a compreendem. A veneração do Eclipse e os rituais sombrios muitas vezes despertam suspeitas e preconceitos entre os seguidores da Fé da Luz, criando uma tensão constante entre as duas religiões. No entanto, em tempos de crise, os devotos da Fé Vermelha provam seu valor, usando seus conhecimentos e poderes para defender Azaban e seus habitantes.
Evera Lamila é uma figura central dentro da Fé Vermelha. Filha de um nobre da Corte e uma das mais jovens sacerdotisas, ela personifica a dualidade da Deusa da Lua. Com sua beleza impressionante e habilidades curativas, Evera é uma líder natural, inspirando respeito e admiração tanto dentro quanto fora de sua ordem. Sua devoção à Fé Vermelha e seu papel como curadora a colocam em uma posição única, capaz de mediar conflitos e unir as pessoas em torno de um objetivo comum.
A Fé Vermelha, com suas crenças profundas e práticas misteriosas, oferece uma visão alternativa do poder da Deusa da Lua. Enquanto a maioria dos habitantes de Azaban busca conforto na luz plena, os seguidores da Fé Vermelha encontram força na escuridão do Eclipse, acreditando que é nesse momento que a verdadeira essência da Deusa se revela. E é através dessa fé que eles contribuem para a proteção e a sabedoria de toda a cidade.
Evera Lamila, com sua presença imponente, estava ali, ao lado de Calum, curando-o de um ferimento mortal. Seus longos cabelos prateados caíam em cascata sobre seus ombros, refletindo a luz suave da manhã que penetrava pelas janelas da varanda. Seu rosto, belo e sereno, concentrava-se na tarefa à sua frente, enquanto suas mãos delicadas, porém firmes, trabalhavam com precisão. Vestia uma armadura intricada e elegante, combinada com um manto vermelho que denotava sua ligação com a Fé Vermelha.
Calum, por sua vez, sentia um misto de gratidão e desconforto. Ele sempre acreditara na Fé da Luz, que pregava a aparição da Deusa da Lua como uma figura celestial, uma mulher de beleza inigualável, vestida de pura luz. A visão de Evera, envolta em símbolos e práticas que ele considerava sombrias, era um choque para seu sistema de crenças.
Na Fé Vermelha, o espiritismo era uma parte central das práticas religiosas. Acreditava-se que durante o Eclipse, a barreira entre o mundo dos vivos e o dos mortos se tornava tênue, permitindo que os espíritos se comunicassem com os mortais. Os devotos realizavam rituais para invocar os ancestrais e buscar conselhos dos espíritos, confiando que suas orientações trariam sabedoria e proteção.
Evera, sendo uma sacerdotisa da Fé Vermelha, estava profundamente conectada a esses rituais. Seus olhos azuis, que Calum sempre imaginara serem tão frios quanto o Mar de Safira, refletiam um calor e uma sabedoria que ele não esperava. Ela murmurava palavras em uma língua antiga enquanto aplicava unguentos e bandagens, invocando a bênção dos espíritos para curar o ferimento de Calum.
Para Calum, que crescera ouvindo histórias da Deusa da Luz descendo dos céus para guiar e proteger seus seguidores, a prática de Evera era um anátema. Ele acreditava que a luz da lua representava pureza e esperança, enquanto a Fé Vermelha parecia abraçar aspectos da escuridão e do mistério que ele não compreendia.
Evera, percebendo a tensão de Calum, falou suavemente.
- A Deusa da Lua é uma só, Calum. Ela nos mostra diferentes faces em momentos diferentes. Na luz plena, ela guia e protege. No Eclipse, ela revela os segredos e os mistérios do mundo. Nós, da Fé Vermelha, buscamos compreender essa dualidade, abraçar tanto a luz quanto a escuridão.
Calum respirou fundo, tentando absorver suas palavras. Apesar de suas diferenças, ele não podia negar a eficácia da cura de Evera. Sentia-se revigorado, como se uma força maior tivesse intercedido em seu favor.
- Eu vejo a Deusa da Lua como uma figura de pura luz - disse ele, hesitante. - Mas talvez haja mais nela do que eu imaginava. Talvez a escuridão do Eclipse tenha algo a nos ensinar, algo que eu ainda não compreendi.
Evera sorriu, um sorriso que irradiava compreensão e aceitação.
- A Deusa da Lua nos ensina que há sempre mais a descobrir, mais a aprender. Nós somos apenas mortais com a dádiva de viver alguns anos, tentando entender o divino. E talvez, juntos, possamos descobrir mais do que sozinhos.
A partir daquele momento, enquanto observavam a paisagem esplêndida de Azaban, Calum começou a ver Evera não apenas como uma sacerdotisa da Fé Vermelha, mas como uma aliada na busca pela verdade e pela compreensão.