Ladar - Sangue & Sacrifício - Série a Ascensão dos Heróis - Livro 1
img img Ladar - Sangue & Sacrifício - Série a Ascensão dos Heróis - Livro 1 img Capítulo 7 A Cidade Dourada - Parte II
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Capítulo 8 O Festival da Lua - Parte I img
Capítulo 9 O Festival da Lua - Parte II img
Capítulo 10 O Festival da Lua - Parte III img
Capítulo 12 O Treinamento - Parte II img
Capítulo 13 Emeriony img
Capítulo 14 Presságio - Parte I img
Capítulo 15 Presságio - Parte II img
Capítulo 16 Presságio - Parte III img
Capítulo 17 Presságio - Parte IV img
Capítulo 18 Uma nova visão - Parte I img
Capítulo 19 Uma nova visão - Parte II img
Capítulo 20 Outrora era assim - Parte I img
Capítulo 21 Outrora era assim - Parte II img
Capítulo 22 Outrora era assim - Parte III img
Capítulo 23 Outrora era assim - Parte IV img
Capítulo 24 Outrora era assim - Parte V img
Capítulo 25 Outrora era assim - Parte VI img
Capítulo 26 Caos & Sangue - Parte I img
Capítulo 27 Caos & Sangue - Parte II img
Capítulo 28 Caos & Sangue - Parte III img
Capítulo 29 Caos & Sangue - Parte IV img
Capítulo 30 A Batalha em Tessélia - Parte I img
Capítulo 31 A Batalha em Tessélia - Parte II img
Capítulo 32 A Batalha em Tessélia - Parte III img
Capítulo 33 Reivindique as Feras - Parte Final img
Capítulo 34 Reivindique as Feras - Parte Final img
Capítulo 35 Reivindique as Feras - Parte Final img
Capítulo 36 Reivindique as Feras - Parte Final img
Capítulo 37 Reivindique as Feras - Parte Final img
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Capítulo 7 A Cidade Dourada - Parte II

O pôr do sol era ainda mais belo visto do cais, um espetáculo de cores vibrantes e sombras profundas. A bola de fogo gigante no céu engolia lentamente as montanhas distantes, um prenúncio inevitável da noite que se aproximava, trazendo consigo seus próprios pesadelos. Duas semanas haviam se passado desde que ele retornara dos mortos, o ferimento em seu pescoço agora cicatrizado graças às ervas que Evera pilava e transformava em uma pasta espessa. Ela aplicava a mistura com mãos hábeis e precisas, e ele sentia a magia curativa penetrar em sua pele.

Ele podia deixar a Fortaleza Dourada apenas uma vez a cada três dias, e mesmo assim, sempre sob a vigilância atenta de um soldado. Esse guardião não era apenas um mero acompanhante, mas um espião leal ao Alto Rei, incumbido de relatar cada um de seus movimentos, cada suspiro e cada olhar. Era uma vigilância implacável, mas ele estava determinado a recuperar cada fragmento de sua antiga liberdade.

O porto era um labirinto de atividade incessante, onde os sons do comércio e do mar se misturavam em uma sinfonia caótica. Navios de todas as formas e tamanhos ancoravam nas docas, suas velas enfunadas e os cascos batendo suavemente contra os pilares de madeira escurecidos pelo tempo e pela água salgada. O cheiro de peixe fresco, sal e alcatrão permeava o ar, um odor característico que se impregnava nas roupas e na pele dos que ali trabalhavam.

Mercadores gritavam suas ofertas em diversas línguas, suas vozes competindo com o grito das gaivotas e o ranger das cordas puxadas pelos estivadores. Barracas improvisadas vendiam de tudo, desde especiarias exóticas até armas finamente forjadas, enquanto crianças corriam entre as pernas dos adultos, entregando mensagens ou simplesmente procurando encrenca.

Os homens do mar, com suas peles curtidas pelo sol e suas roupas surradas, moviam-se com uma graça rude, acostumados às exigências implacáveis de suas vidas. Eles trocavam histórias de tempestades e monstros marinhos, seus rostos iluminados pela luz bruxuleante das lanternas que começavam a ser acesas conforme o sol desaparecia no horizonte.

Mais adiante, uma taverna fervilhava de atividade, o som de risadas, música e o tilintar de copos de vidro vazando pelas portas e janelas abertas. A luz amarela e quente escapava para as ruas, atraindo aqueles que buscavam um momento de descanso e camaradagem após um dia de trabalho árduo.

Além das docas, uma série de armazéns e construções de pedra formavam a espinha dorsal do porto, abrigando mercadorias preciosas e protegendo-as dos olhos curiosos e das mãos ágeis dos ladrões. Guardas patrulhavam os perímetros, suas armaduras refletindo os últimos raios de sol enquanto mantinham uma vigilância constante.

O porto era um microcosmo de vida e movimento, onde cada elemento, por menor que fosse, desempenhava um papel crucial na grande tapeçaria do comércio e da sobrevivência. Era um lugar onde sonhos e pesadelos se encontravam, onde a sorte podia mudar com a maré e onde o destino de muitos era selado pelas mãos calejadas dos marinheiros. Calum encarava um navio em particular, o maior de todos, ancorado a uns duzentos metros do porto. Era a embarcação real. Seus braços cruzados, ele observava o vermelho das tábuas e os detalhes dourados na proa, com uma cabine mais atrás, fortemente vigiada. Ele dobrou o corpo, encarando o soldado ao seu lado. A mão firme na espada, a outra segurando o elmo, revelando os impecáveis cabelos prateados.

A maioria do exército era composta de homens puros, os de cabelos prateados. Mas também havia os Eervales, os loiros, e muitos Keervales, a raça de Calum. Os Gwins, os ruivos mestiços que viviam nas vilas mais próximas, eram raros. Calum achava todos os Duäles idênticos, assim como os Eervales. A mesma fisionomia esculpida sob medida, o olhar azulado como os céus de verão, a pele branca com lábios avermelhados, altos e imponentes. Aquele ainda era jovem, não havia rompido o primeiro centenário de sua vida prolongada pela magia profunda. Deveria ter, no máximo, uns vinte e poucos anos, leal ao rei, é claro.

- Qual é seu nome? - ele perguntou.

- Cole, meu senhor.

Calum analisou o garoto. Sempre rápido nas respostas, o olhar nunca desviando.

- O que vai informar ao rei quando me deixar na porta de meu quarto?

O soldado engoliu a seco.

- A verdade!

- E que verdade seria essa, Cole?

- Apenas o Alto Rei saberá, meu senhor.

Calum balançou a cabeça para cima e para baixo antes de abrir um sorrisinho travesso e colocar a mão direita no ombro esquerdo do rapaz. Admirou o ângulo perfeito do rosto e os cabelos, fios brancos como veios de prata derretida e exposta ao calor, que geravam ondas graciosas para cima, mas que nunca desciam abaixo da nuca. Eram rebeldes, traços firmes, um rapaz bonito.

- Como ele é? O Alto Rei?

- De aparência ou de atitude?

- As duas coisas.

- Ele é nobre e justo. Se tiver um pão e duas pessoas passando necessidade, ele repartirá o pão em pedaços iguais, saciando a fome - ele prosseguiu. - Se um dos famintos for Duäle e o outro um Gwin, ele enviará o Duäle para as academias, dará um ótimo salário para ele começar a vida; se for ao contrário, manda o mestiço para os campos, para arar a terra e produzir. Alguns o chamam de O Cruel, eu o vejo como libertador.

Calum o estudou a fundo.

- E se os dois famintos forem Gwins?

- Então ele manda cortar a garganta. Os que não produzem, não enriquecem o reino. Sem riqueza, sem poder. Justo, na minha visão.

Calum torceu o nariz.

- Então ele confia na sua palavra. É um Duäle, um puro, jamais cometeria qualquer pecado e traição, não é verdade? - o soldado assentiu. - Do lugar de onde venho, Cole, a amizade é um laço digno de amor. Duas pessoas podem ser mais que amigos, chegando a serem irmãos. O rei me vigia como se eu fosse um tesouro de valor inestimável, mas teme a minha presença. Por quê?

Pela primeira vez, o soldado desviou o olhar.

- Nosso rei é assombrado e guiado por profecias. Ele acredita que você é parte de uma delas - asseverou o guerreiro. - Sonhos proféticos tornaram Rowan I Ablasak rei. Sonhos estão tornando-o um pouco lunático. Sua presença é uma afronta ao governo de Rowan e quanto mais perto tiver a cabeça da serpente de sua bota, mais fácil será esmagá-la. A noite está chegando, meu senhor, é melhor voltarmos para o palácio.

O porto fervilhava com o fim das atividades, um coração pulsante de vida e comércio. As docas estavam repletas de navios de todos os tamanhos e formatos, desde pequenos barcos de pesca até majestosas caravelas de velas enfunadas. A madeira das docas era escura e marcada pelo tempo, enquanto os mastros das embarcações se erguiam como uma floresta de gigantes a frente.

O cheiro de peixe fresco, alcatrão e sal impregnava o ar, misturado ao aroma das especiarias exóticas que os mercadores descarregavam de seus porões. Estivadores suados e musculosos trabalhavam incansavelmente, suas vozes mescladas ao som do mar e ao grito das gaivotas que desciam do céu e mergulhavam, voltando a superfície com peixes no bico.

Pelas ruas de paralelepípedos que circundavam o porto, barracas coloridas vendiam de tudo: frutas maduras e suculentas, tecidos finamente bordados, armas brilhantes e utilitárias. Os homens do mar, com suas peles curtidas pelo sol e suas roupas surradas, moviam-se com a confiança de quem já enfrentou tempestades e saído vitorioso. Eles se reuniam em pequenos grupos, contando histórias de monstros marinhos e terras distantes, suas risadas e vozes profundas ecoando nas vielas estreitas.

À medida que o sol se punha, lanternas eram acesas, lançando um brilho dourado sobre o porto. A luz dançava sobre a água, criando reflexos que pareciam fantasmas dos navios que já haviam partido. Na taverna mais próxima, o som de música e risadas escapava pelas portas e janelas, prometendo um refúgio caloroso para aqueles que buscavam esquecer as dificuldades do dia.

Além das docas, armazéns robustos guardavam tesouros de mercadorias preciosas, protegidos por guardas vigilantes que patrulhavam com espadas à cintura e olhos atentos. Cada edifício parecia contar uma história, de riquezas acumuladas e sonhos despedaçados.

O porto era um mundo em si mesmo, um homem de riqueza e miséria, esperança e desespero. Cada pessoa, cada navio, cada mercadoria fazia parte de uma tapeçaria tecida e rendada, urdida com os fios do destino e da vontade humana. Ali, no coração pulsante do comércio, Calum sentia a magnitude da vida, com todas as suas complexidades e desafios, enquanto se preparava para enfrentar a noite que se aproximava. A subida foi mais intensa, pois a Cidadela, apesar de ficar no centro da cidade, não era fácil de chegar.

Calum e Cole caminhavam pelos corredores do castelo horas mais tarde, seus passos ecoando suavemente nas pedras frias do chão. As paredes eram altas e imponentes, feitas de pedra cinzenta, adornadas com tapeçarias ricamente bordadas que retratavam batalhas antigas, conquistas gloriosas e os símbolos das grandes casas nobres do reino. Os olhos de figuras históricas, capturados em pinturas e esculturas, seguiam-os enquanto avançavam, como se os julgassem a cada passo.

Esculturas de mármore esculpidas com maestria estavam espalhadas pelos corredores, representando deuses antigos e heróis esquecidos. Algumas eram de figuras imponentes, com expressões severas e armas em punho, enquanto outras eram mais delicadas, retratando belas damas em poses graciosas. A luz das tochas, tremeluzente e dourada, lançava sombras dançantes sobre essas figuras, dando-lhes uma aparência quase viva.

Damas e nobres se moviam pelos corredores com graça e elegância, suas vestes suntuosas arrastando-se pelo chão de pedra polida. As damas, com suas longos vestidos e corpetes ajustados, riam e cochichavam em grupos, suas vozes um murmúrio suave como o vento através das folhas. Os nobres, vestidos com roupas finamente bordadas e joias reluzentes, discutiam assuntos de política e comércio, suas expressões sérias e concentradas.

Soldados e guardiões misturavam-se à nobreza, suas armaduras de metal brilhando sob a luz das tochas. Eles caminhavam com propósito, olhos atentos a qualquer sinal de perigo. As plumas em seus capacetes balançavam ligeiramente a cada movimento, e suas espadas e lanças estavam sempre ao alcance das mãos. O som metálico das armaduras em movimento criava uma sinfonia rítmica que ecoava pelos corredores.

Calum, com seu olhar atento e passo firme, avançava ao lado de Cole. O jovem soldado juramentado de sangue mantinha-se ligeiramente atrás, uma mão sempre pronta na empunhadura de sua espada, os olhos varrendo o ambiente com a vigilância de um falcão. Seu elmo sob o braço deixava à mostra os cabelos prateados, refletindo a luz das tochas como se fossem fios de prata pura. Cada vez que passavam por um grupo de nobres ou soldados, os olhos se voltavam para eles, curiosos e, às vezes, cautelosos.

A passagem por um arco de pedra levava-os a um grande salão, onde colunas esculpidas em padrões entrelaçados sustentavam um teto alto e abobadado. Aqui, o movimento era ainda mais intenso. Servos apressados carregavam bandejas de prata e cestos de flores, preparando o salão para um banquete. Os guardas nas portas principais mantinham-se imóveis, suas lanças eretas como se fossem extensões de seus corpos.

Calum sentia o peso da história nas paredes ao seu redor, uma presença quase palpável de gerações que haviam pisado naqueles mesmos corredores, enfrentado batalhas semelhantes e feito alianças complexas. Ele trocou um olhar rápido com Cole, percebendo a determinação nos olhos do jovem soldado. Eram tempos de incerteza e perigo, mas também de oportunidade. Enquanto continuavam seu caminho pelo labirinto de pedra e história, Calum sabia que cada passo os aproximava mais do destino que o aguardava, seja ele qual fosse.

Calum e Cole chegaram à porta do quarto. Cole, com um movimento firme e seguro, empurrou a porta, revelando o aposento luxuosamente mobiliado. O interior era aquecido pela luz suave de várias velas espalhadas pela sala, refletindo nos móveis de madeira escura e nos tapetes ricamente coloridos que cobriam o chão de pedra fria.

- Meu senhor - disse Cole, segurando a porta aberta para que Calum entrasse.

Calum entrou, observando o ambiente antes de se virar para Cole. O soldado fechou a porta atrás de si, ficando em posição de sentido perto da entrada.

- Você parece cansado, Cole - disse Calum, analisando o jovem soldado. - Este dever é mais pesado do que esperava?

Cole balançou a cabeça, os olhos fixos em Calum.

- Não, meu senhor. É uma honra servir-lhe. Fiz um juramento de protegê-lo quando aqui chegou.

Calum sorriu, embora houvesse uma sombra de cansaço em seus olhos.

- Uma honra, talvez, mas também uma responsabilidade. O rei confia em você para me vigiar, para garantir que eu não fuja ou cause problemas.

- Eu cumprirei meu dever, meu senhor - respondeu Cole, a determinação clara em sua voz.

Calum se aproximou do jovem soldado, estudando o rosto dele com atenção.

- Me diga, Cole, você acredita que sou uma ameaça para o reino?

Cole hesitou por um momento, a lealdade ao rei e a honestidade travando uma batalha silenciosa dentro dele.

- Eu... não sei, meu senhor. Não cabe a mim julgar. Eu sigo ordens.

Calum assentiu lentamente, apreciando a honestidade do rapaz.

- E se as ordens forem injustas? Se o rei estiver errado?

Cole mordeu o lábio, visivelmente desconfortável com a direção da conversa.

- O rei é justo, meu senhor. Suas ordens são para o bem do reino.

Calum soltou um suspiro, um misto de frustração e resignação.

- Talvez seja assim. Mas lembre-se, Cole, que a lealdade cega pode ser tão perigosa quanto a traição.

O soldado permaneceu em silêncio, os olhos fixos em Calum.

- Eu não pretendo causar problemas - continuou Calum, sua voz mais suave. - Mas há coisas que precisam ser ditas, coisas que precisam ser questionadas. O rei teme o desconhecido, e eu sou, de muitas maneiras, um desconhecido para ele.

Cole franziu a testa, mas manteve-se em silêncio, absorvendo as palavras de Calum.

- Vai relatar esta conversa ao rei, não vai? - perguntou Calum, um sorriso ligeiramente triste nos lábios.

Cole assentiu.

- Sim, meu senhor. Devo ser honesto com o Alto Rei.

Calum colocou a mão no ombro de Cole, sentindo a tensão nos músculos do jovem soldado.

- Então, seja honesto também consigo mesmo, Cole. Pense no que é justo, no que é certo. A lealdade é uma virtude, mas não deve ser cega.

Cole assentiu novamente, a expressão de conflito evidente em seu rosto.

- Farei o que for necessário para proteger o reino, meu senhor.

Calum deu um passo para trás, soltando o ombro de Cole.

- Eu sei que fará. E é por isso que confio em você, Cole. Não apenas como soldado, mas como um homem que pode ver além das ordens e buscar a verdade.

Cole fez uma reverência curta.

- Obrigado, meu senhor.

- Agora, vá. O dia foi longo e a noite promete ser ainda mais longa. Descanse enquanto pode - disse Calum, despedindo-se com um aceno de cabeça.

- Meu juramento não é uma pena que pode voar com o vento - Cole reiterou. - Eu jurei guardá-lo de dia e de noite, a matar e morrer pelo senhor, apesar de não ter apreço por sua pessoa, sou honrado, então a minha espertina vai continuar até o nascer do sol, sem descanso. Estarei viajando a porta como um corvo vigia um corpo antes de apodrecer.

Calum fechou a porta do quarto atrás de Cole e dirigiu-se ao banheiro anexo, desejando um momento de paz e alívio das tensões do dia. O banheiro era um santuário de luxo, iluminado por candelabros de prata cujas chamas dançavam suavemente nas paredes de mármore branco. As paredes eram adornadas com mosaicos coloridos que retratavam cenas de mares serenos e ninfas brincalhonas.

A banheira era uma obra-prima de artesanato, esculpida em mármore polido com bordas adornadas de emaranhados entalhes de folhagem e figuras mitológicas. Era grande o suficiente para acomodar dois homens confortavelmente, cheia de água morna que exalava um vapor convidativo. O aroma das essências adicionadas à água preenchia o ar: lavanda para acalmar a mente, alecrim para revigorar o espírito, e pétalas de rosas flutuavam na superfície, liberando seu doce perfume.

Sobre uma mesa de mármore ao lado da banheira, estavam dispostos frascos de vidro finamente trabalhados, contendo óleos perfumados e sais de banho. Toalhas de linho macio e robes de seda pendiam de ganchos dourados nas paredes, prontos para envolver o corpo de Calum após o banho.

Com movimentos lentos e deliberados, Calum começou a se despir. Primeiro, desatou o cinto de couro que segurava sua espada, colocando-o cuidadosamente de lado. Em seguida, removeu a túnica e as calças, deixando-as dobradas sobre uma cadeira próxima. Por último, retirou as botas, sentindo o alívio imediato ao libertar seus pés cansados.

Calum ficou por um momento parado, nu, sentindo a frescura do ar no seu corpo e absorvendo a beleza tranquila do banheiro. A tensão começou a se dissolver enquanto ele contemplava a água morna que o aguardava. Lentamente, ele entrou na banheira, mergulhando primeiro um pé, depois o outro, até que seu corpo inteiro estivesse submerso na água.

A sensação de paz foi instantânea. A água morna envolveu-o como um abraço acolhedor, relaxando cada músculo tenso e acalmando sua mente atribulada. Ele fechou os olhos, deixando-se afundar um pouco mais, até que a água cobriu seus ombros. O calor da água, combinado com os aromas terapêuticos, transportou-o para um estado de serenidade quase meditativa.

Calum permaneceu assim por algum tempo, apenas sentindo o peso das preocupações do dia se dissiparem. O murmúrio suave da água, o aroma das essências e o toque suave das pétalas de rosa contra sua pele criavam uma sinfonia de sensações que o reconectavam com uma paz interior há muito esquecida.

Ele pegou um frasco de óleo de lavanda, derramando algumas gotas na água, e esfregou lentamente o óleo em sua pele, sentindo o calor e o aroma calmante se espalharem. Cada movimento era deliberado e cuidadoso, uma meditação em ação, permitindo que sua mente vagasse livremente, longe das preocupações e intrigas do castelo.

Após algum tempo, Calum apoiou a cabeça na borda da banheira, seus pensamentos vagando para memórias mais felizes e lugares de tranquilidade, lembrando de Enya e da paz nas Montanhas de Viseu. A água, agora um pouco mais fria, ainda o mantinha em seu abraço confortante, mas ele sabia que não poderia permanecer ali para sempre. Relutantemente, levantou-se, a água escorrendo de seu corpo em cascatas cintilantes.

Pegando uma das toalhas de linho, começou a se secar, apreciando a textura macia contra sua pele. Cada movimento era lento, um ritual de auto-cuidado que ele raramente se permitia. Envolveu-se em um robe de seda, o tecido suave e fresco contra sua pele limpa e perfumada.

Calum sentiu-se renovado, mais leve, como se a água tivesse levado consigo não apenas a sujeira do corpo, mas também parte do peso que carregava em sua alma. Preparado para o que viesse a seguir, ele retornou ao seu quarto, sentindo-se mais forte e mais centrado. Ao instante que sentou sobre a cama, toques soaram na porta.

Calum levantou-se rapidamente, seus movimentos elegantes e precisos enquanto atravessava o quarto com passos determinados. Ao alcançar a porta de cedro entalhada com intrincados detalhes dourados, ele a abriu com um puxão firme. Cole, o soldado juramentado, manteve-se estático, seu corpo robusto e musculoso apoiado em uma lança de lâmina reluzente de aço e haste negra. A postura de Cole era rígida, os olhos fixos adiante, como se nada além de seu dever importasse.

Dentro do aposento, duas serviçais trajando vestidos simples de linho cinza moviam-se com a rapidez e eficiência de sombras treinadas. Uma carregava uma bandeja de prata com uma refeição fumegante, enquanto a outra equilibrava uma jarra de vinho e taças do mesmo material brilhante. Ambas mantinham o olhar abaixado, nunca ousando encarar diretamente Calum, como se um simples olhar fosse uma heresia que não poderiam cometer.

- O rei mandou-lhe a janta - anunciou uma delas com voz baixa, quase um sussurro reverente.

Calum lançou um olhar breve para a comida enquanto retirava a coberta que protegia o prato. Peixe frito na banha, batatas douradas, arroz macio e um patê exótico. Ele vislumbrou o vinho na jarra, seu aroma robusto já impregnando o ar. Com um movimento casual, ajustou o robe de seda, cobrindo parcialmente o peito exposto, e colocou as mãos atrás do corpo, assumindo uma postura de comando inabalável.

- Obrigado - disse, sua voz profunda e autoritária. Aproximou-se das serviçais, que tremiam visivelmente, seus rostos pálidos e nervosos, a porta entreaberta como uma rota de fuga urgente. - Ele irá comer? - perguntou, referindo-se a Cole.

Uma delas balançou a cabeça, os cabelos dourados escondidos sob uma touca modesta.

- Não, senhor. Você deve escolher outro juramentado para alternar os turnos - disse a mais nova, sua voz trêmula. - A porta deve ser guardada por fora.

Fazendo uma reverência lenta e respeitosa, as serviçais deixaram o quarto, movendo-se com a mesma eficiência silenciosa com que haviam chegado. Calum dirigiu-se à cama, onde roupas de dormir estavam cuidadosamente dobradas. Um conjunto preto, com calças de linho e uma camisa de mangas longas. Ele vestiu-se rapidamente, a seda fria contra sua pele quente, e caminhou até a porta que Cole havia fechado com diligência.

- Entre - ordenou Calum, sua voz carregada de autoridade inquestionável.

Cole hesitou por um breve instante, então obedeceu, seus passos firmes e controlados enquanto entrava no quarto. Ele olhou ao redor, seus olhos registrando cada detalhe antes de finalmente se fixarem em Calum, que indicou uma poltrona aveludada próxima.

- Está com fome? - questionou Calum.

Cole semicerrou os olhos, uma expressão de lealdade inflexível em seu rosto.

- Não, senhor.

- Almoçou hoje?

- Sim, senhor.

- Então coma comigo. É meu juramentado, então deve-me obediência. Tire a manta e a armadura. Livre-se da espada e da lança, não será necessário - asseverou Calum, seu tom firme mas não desprovido de uma certa camaradagem. - Azaban é a cidade mais segura de Ladar, creio eu.

Cole obedeceu, retirando sua armadura pesada e colocando a lança cuidadosamente ao lado. Sentou-se na poltrona aveludada, seus olhos ainda atentos, mas agora com uma pitada de curiosidade. Calum serviu vinho em duas taças de prata, entregando uma a Cole enquanto ambos se preparavam para compartilhar a refeição. Cole aceitou a taça de prata com um aceno respeitoso. Os olhos de Calum estudavam-no com a mesma intensidade que um general observa um mapa de batalha. Sentaram-se frente a frente, a refeição fumegante entre eles, o ambiente carregado de um silêncio apenas quebrado pelo ocasional estalo das chamas na lareira próxima.

- Diga-me, Cole - começou Calum, sua voz suave mas com uma nota de comando -, como encontrou o dia hoje?

Cole hesitou por um momento, avaliando a pergunta. - Tranquilo, senhor. Nenhuma ameaça à vista. Azaban parece mais segura a cada dia.

Calum sorriu ligeiramente, seus olhos cintilando com um brilho de ironia.

- Azaban pode ser segura, mas nunca subestime a quietude. Muitas vezes, ela precede a tempestade.

Cole assentiu, compreendendo a sabedoria nas palavras de seu senhor. Ele estudou o homem à sua frente, notando as linhas finas ao redor dos olhos de Calum, a marca de responsabilidades pesadas e decisões difíceis.

- Sempre alerta, senhor. É meu dever.

- E é por isso que confio em você - disse Calum, seu tom mais leve agora. - Mas mesmo os mais leais precisam de um descanso. Coma. É uma ordem.

Cole relaxou um pouco, permitindo-se pegar um pedaço peixe e uma porção de batatas. Mastigou lentamente, apreciando o sabor robusto que contrastava com a vida austera de um soldado. Calum observava, notando a rigidez que aos poucos cedia lugar a uma expressão mais tranquila.

- Conte-me sobre sua família, Cole - perguntou Calum, repentinamente curioso. - De onde você vem?

Cole baixou os olhos por um instante antes de responder.

- Sou de uma pequena aldeia ao norte, senhor. Meus pais eram camponeses. Trabalharam a terra toda a vida. Eu fui o único a alistar-se no exército.

Calum assentiu, respeitando o passado humilde de Cole.

- E eles? Ainda estão na aldeia?

- Meu pai faleceu há alguns anos. Minha mãe ainda está lá, cuidada por meus irmãos mais novos - respondeu Cole, uma sombra de tristeza passando por seus olhos.

- Lamento por sua perda - disse Calum com sinceridade. - Deve ser difícil estar longe deles.

Cole apenas assentiu, tomando um gole de vinho para mascarar a dor que ainda carregava.

- Faz parte do dever, senhor. Protejo Azaban para que outras famílias possam viver em paz.

Calum inclinou-se para frente, seus olhos fixando-se nos de Cole com uma intensidade penetrante.

- E isso é algo que nunca será esquecido, Cole. Sua lealdade é uma das pedras angulares desta cidade. Saiba que seu sacrifício não é em vão.

Cole engoliu em seco, emocionado pelas palavras de seu senhor.

- Obrigado, meu senhor. Isso significa muito para mim.

O silêncio confortável caiu entre eles, interrompido apenas pelo som ocasional da refeição sendo apreciada. Calum, sentindo a tensão diminuir, permitiu-se relaxar um pouco mais, observando o brilho das chamas dançando em um pequeno braseiro na varanda.

- Azaban pode ser segura, mas sempre precisamos estar vigilantes. Nunca se sabe quando o perigo pode surgir, mesmo nas noites mais tranquilas - disse Calum, refletindo em voz alta.

- Sempre vigilante, senhor - repetiu Cole, sua voz firme.

Calum sorriu.

- Sim, sempre vigilante. Mas também, nunca esqueça de viver. A lealdade e a vigilância são importantes, mas a vida, Cole... a vida deve ser vivida.

Cole refletiu sobre essas palavras, percebendo a profundidade do conselho.

- Entendo, senhor. Obrigado. Mas saiba que quando juramos proteger um reino como este, sacrificamos nossos corações e emoções. Você aprenderá isso na escuridão do dever quando o rei convocá-lo. - Calum suspirou fundo ao ouvir aquilo, sentindo o peso sombrio da verdade nas palavras de Cole.

                         

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