Enquanto ela tagarelava sobre minha apresentação ao nosso anfitrião, eu corria os olhos pela sala ampla e arejada com um lustre de cristal enorme no teto. As escadas davam para os dois lados do andar de cima. Era uma bela casa.
A chegada de dois senhores nos chamou a atenção. Um deles vinha na frente abotoando o paletó, o outro vinha atrás enchendo o primeiro de perguntas e anotando em uma caderneta.
- Eu já disse que essas coisas devem ser resolvidas com os cozinheiros.
- Sim, senhor. Mas...
- Cavanaugh, saia antes que eu perca o mínimo de paciência que me sobra.
O mordomo, ou alguma coisa do tipo, insistia na conversa.
- Só mais uma pergunta. Devo acrescentar alguma bebida ao menu?
- A garota só tem dezessete anos e eu não quero "iniciá-la" em um vício.
- Mas não é para ela.
O homem parou bem sério e encarou o mordomo. Ao ver que havia prendido a atenção dele, o empregado perguntou.
- Whisky, talvez?
Tomei parte na conversa para que eles percebessem nossa presença.
- Olá.
Os dois se viraram ao mesmo tempo nos encarando. Em seguida, ignorando nossa presença, ele retornou a falar com o empregado.
- Cavanaugh, você sabe o que eu penso sobre isso. Os vícios destroem um homem.
- Meu pai apreciava bastante.
Depois de um instante, bastante constrangedor, ele se aproximou de nós duas fixando bem o olhar em mim.
- Isso é porque o seu pai era um alcoólatra.
Não aguentei ouvir a memória dele sendo insultada e retruquei.
- Pelo menos ele era educado o bastante para receber visitas.
Ele me lançou um olhar de desprezo e estalou os dedos para o outro homem.
- Instale as senhoritas. Tenho um compromisso.
- Sim, senhor.
Em seguida, ele saiu como se não desse muita importância à nossa chegada. Observei aquilo um tanto indignada.
- Venham comigo. - Sem muita escolha, o acompanhamos pelas escadas apenas com as malas de mão.
- É um prazer conhecê-las. Sou Cavanaugh, o mordomo.
- Eu sou...
Ele me interrompeu e estendeu a mão para pegar nossas malas.
- Lizlee Deskran. E a sua tutora é Morgana Hapstall.
- Como sabe quem somos?
- Você é a sobrinha do senhor James Deskran, como eu não saberia?
O homem andava firme e parecia ser bem treinado para responder com prontidão.
- Desculpem o modo como ele as tratou na chegada.
- Ele quem deveria pedir e não o senhor. - Moggie deu um puxão em meu braço.
- Perdoe os modos da senhorita. Ela está muito cansada e abatida.
- Eu estou muito bem, Moggie.
- Ele só é um pouco complicado de se lidar. Mas não é um homem ruim. – Cavanaugh sorriu de uma maneira contida.
- Pelas poucas palavras que trocamos percebi que ele é um mau educado.
O homem riu e empurrou uma porta fazendo sinal para que o seguíssemos. Fomos junto com ele conhecer nossos aposentos e nos instalarmos – no meu caso, apenas joguei a mala para um lado e pulei na cama. Estava instalada.
A viagem havia sido muito cansativa e como se não bastasse, ainda descobri que meu tutor legal era um arrogante. Por outro lado, minha mente só implorava por paz e tranquilidade naquela cama macia o máximo possível.
Infelizmente, esse descanso acabou mais rápido do que havia planejado. Devo ter esquecido de trancar a porta porque lá estava Moggie invadindo meu espaço.
- Está acordada? - Ela sussurrava.
Respondi com um grunhido ainda com os olhos fechados e sem mover um músculo. Ela empurrou a porta e veio até mim.
- Que gracinha o seu quarto. Já olhou?
- Ainda não.
- Está pronta para o jantar?
- Não estou com fome. - Menti, eu estava morrendo de fome.
- Pelo menos me faça companhia, sabe que não gosto de ficar sozinha.
- Estou tão cansada. – Pisquei os olhos várias vezes e abri a boca em um bocejar falso.
- Eu sei, mas é importante mostrar que...
- Que posso ser tão cínica quanto aquele homem, ao ponto de me sentar na mesma mesa, olhar em seu rosto e fingir que nada aconteceu? Pois acho que vou ficar aqui mesmo.
Seus olhos denunciaram o quanto ela desaprovava minha atitude, mas eu era orgulhosa demais e não sei se conseguiria fazer isso.
- Seria uma falta de educação não nos fazer companhia à mesa. É a sua primeira noite na casa e isso ajudará a desfazer a primeira impressão.
Eu só queria descansar, mas claramente, aquele não era o meu dia. Decidi, mais pela minha fome do que qualquer outra coisa, que desceria sim. Em meia hora me aprontei. Meu corpo pesava como chumbo, nunca desprendi tanta energia em uma ação quanto naquela pequena briga que eu acabei perdendo.
Sentei na beira da cama e olhei em volta. O quarto era muito diferente do meu antigo. Caminhei até a janela e notei o tamanho da floresta que cobria uma faixa de terra enorme a se perder de vista. Por breves instantes, pensei ter visto vultos se deslocando do alto a baixo entre as árvores e me afastei da janela.
O jantar para mim, não seria muito fácil e como já era de se esperar, o Senhor Arrogância estava ávido em me tirar a paz. Para quem acabava de conhecer já havia formado uma péssima impressão sobre ele e não parecia haver nem mesmo o otimismo de Moggie suficiente para me fazer mudar de ideia.
- Então senhorita... – ele pousou os talheres no prato e se direcionou à mim - quero que saiba que as coisas por aqui são um pouco, digamos... diferentes de como eram na sua antiga casa.
Olhei para ele de soslaio, não pretendia encará-lo ainda e respondi com ironia.
- Está se referindo ao que exatamente? Péssima hospitalidade ou regras?
Sua expressão continuou a mesma. Talvez ele esperasse esse tipo de reação.
- Me refiro às regras, é claro. Seu pai não parecia se importar muito com sua educação, lhe deixou livre demais.
O modo como ele se referia ao meu pai, me deixava extremamente irritada. Ele nunca fora muito próximo afetivamente falando, mas não me impediria de ter o melhor em termos materiais e em conhecimento. Bati os talheres com força contra o prato.
- O meu pai foi uma pessoa muito melhor do que muita gente nunca será. E não se preocupe, pois eu recebi a melhor educação possível dentro dos limites permitidos no Lizma.
- É um pouco difícil acreditar.
Ele me encarou, já um pouco impaciente. Moggie olhava para mim, depois para ele e depois para o seu próprio prato de comida.
- Agora sim eu sei porquê meu pai nunca mencionou a sua existência.
- Seu pai e eu não nos dávamos nada bem e parece que com você não será diferente.
Mantendo-se indiferente e áspero, ele voltou a se concentrar na refeição. Segurei minhas emoções, que já estavam à flor da pele, e pedi para me retirar.
- Boa noite, Moggie. Passe bem.
- Você também, meu anjo.
A mulher pegou a minha mão direita entre as suas e beijou. Subi as escadas depressa, sem olhar para baixo. Era a minha primeira noite naquela casa e fora o suficiente para perceber que não seria nada fácil viver nela. Eu precisava descansar mas minha mente só ficava repassando tudo o que havia acontecido desde que descobri que eu fui o real motivo da morte de mamãe.
Atribuí o sonho estranho que tive naquela noite ao turbilhão em que me encontrava. Nele surgia uma mulher de pele muitíssimo clara acinzentada, cabelos brancos enormes, usando um vestido de seda azul-claro montada em um cavalo também branco. Ela cavalgava pela floresta com seus cabelos balançando ao sabor do vento. Seus lábios murmuravam algo que eu não conseguia compreender.
Na manhã seguinte, tive que me aprontar sozinha – pela primeira vez não havia mais quem aprontasse tudo para mim. Eu até preferia assim. Não gostava de depender dos outros, apesar de ter sido acostumada desse modo desde a infância.
Desci para o café temendo dar de cara com o tio James, mas ao contrário do que imaginei só encontrei Moggie. Ela abriu um sorriso ao me ver, bem diferente do que aconteceria se fosse ele quem eu encontrasse.
- Sente-se e tome alguma coisa, vai ajudar a melhorar essa sua carinha desanimada.
- Acho que vou esperar o almoço.
- Eu sei que já está atrasada para o café mas não pode ficar sem nada no estômago até o almoço. É uma ordem, mocinha.
- Está bem.
Levantei as mãos em rendição. Peguei uma xícara de café e um bolinho, os dois estavam deliciosos como eu nunca havia provado pois o sabor era muito diferente do da comida em Leeland. Reparei que Cavanaugh nos espiava por detrás do vitral.
- Cavanaugh, por que está aí?
- Senhorita. - Ele se aproximou, resignado.
- Venha! Tome café com a gente.
- Perdão senhorita Deskran, eu...
- Para quê tanta formalidade? Me chame de Lizlee.
- Como desejar. - Ele engoliu em seco e prosseguiu. - Senhorita Lizlee, eu não tenho permissão para isso.
- E quem foi que disse isso?
- O senhor Deskran.
- Ora, mas sou eu quem decide quem se senta à mesa comigo.
- Mas esta é a casa dele.
Arqueei uma das sobrancelhas, parei de tomar o café e pousei a xícara no pires.
- Pelo menos, fique onde possamos nos ver e não atrás de um vitral como se precisasse se esconder de nós.
- Acho que a senhorita não entendeu. Não tenho permissão para manter ou estreitar relações com os moradores da casa.
- Como? Isso é ridículo. - Balancei a cabeça.
- Estou cumprindo ordens. Peço desculpas.
- Não peça desculpas por ele. – Empurrei o pratinho com bolinhos e me levantei. - Quem ele pensa que é para determinar quem pode ou não conversar comigo? Ele quer que eu converse com as paredes? Onde ele está agora?
- Saiu logo cedo para compromissos.
- Então avise que precisamos conversar assim que ele chegar. – Saí em disparada e Moggie não perdeu tempo foi logo atrás de mim.
- E o almoço, senhorita?
- Eu volto logo. - Acrescento entediada. - Não vou a lugar nenhum mesmo.
Caminhei pela casa buscando algo para fazer que me distraísse da raiva que estava sentindo pelo meu tio. A casa era incrivelmente enorme e vazia. Feita para alguém que queria viver soberbo e solitário para sempre, ou seja, perfeita para o tio James.
Na hora do almoço ele não apareceu e por mim tudo bem. Era até melhor. Eu não queria ter a infelicidade de encontrá-lo antes de controlar meus impulsos. Dividi meu tempo entre ficar observando Moggie bordar e olhar incessantemente pela janela à procura de qualquer coisa melhor do que a minha primeira opção de distração. O ponto alto da tarde, foi nossa discussão sobre ela querer fechar os "rasgados" das minhas roupas.
E assim se foi meu primeiro dia naquela casa estranha e da nova vida que levaria daqui pra frente. Temi que fosse ser para sempre assim. O jantar corria da mesma forma, até que eu me lembrei de que tinha algo a esclarecer com meu tio – apesar de que a minha vontade era desaparecer daquela mesa. Suspirei tomando coragem para enfrentar uma nova possível discussão.
- Tio James, precisamos conversar.
Indiferente como sempre, ele apenas soltou um grunhido parecido com um consentimento. Ou fui eu que tomei como um.
- O senhor não pode regular até com quem eu converso. Principalmente se não há mais ninguém interessante para conversar por aqui.
Moggie levantou uma sobrancelha e pousou os talheres na borda do prato.
- Sem ofensa, Moggie.
Ela forçou um sorriso de canto de boca, voltando a tomar a sopa.
- Senhorita, os empregados não são os melhores indicados para uma conversa.
Franzi o cenho, estranhando a colocação dele.
- Por que não? Isto me soou muito preconceituoso.
- Ele não está sendo preconceituoso, querida. – Moggie tentou intervir. - Não se pode confiar em todo mundo.
- Essa conversa está tomando um rumo indesejável.
É claro que ele iria tentar fugir desse assunto. Mas eu não deixaria por isso.
- Eu não vejo problema algum nisso se moramos todos sob o mesmo teto. – James acabou perdendo a paciência e bateu na mesa com os punhos cerrados.
- Não importa! Você está morando de baixo do meu teto e são as minhas regras que você deve respeitar.
Arregalei os olhos quando ele alterou o tom de voz e terminou esbravejando comigo. Fiquei em silêncio e assim, ele tomou como um sinal de que eu concordava com aquilo. Depois que ele se retirou sem dizer nada não consegui colocar uma colherada de comida na boca.
Acho que a primeira lição que aprendi nesta nova terra foi a de não me calar quando estava defendendo uma causa em que acreditava. Tantas vezes havia cometido o mesmo erro em Leeland e estava novamente me colocando na mesma situação.
Mais tarde na mesma noite, eu tive o mesmo sonho da noite anterior. A mesma mulher. O mesmo cavalo. Na mesma floresta. Mas dessa vez, quando ela estava cavalgando, eu podia ouvir nitidamente sua voz dizendo: "Venha Lizlee, venha!".
Ao contrário da outra noite, eu acabei me assustando com aquilo – talvez, por ela ter se dirigido diretamente à mim dessa vez. Não consegui mais pegar no sono. Porém, o ambiente em volta não me trazia segurança. Cada sombra ou objeto me deixava mais amedrontada.
Quando o dia abriu, eu já estava lá embaixo para o café e tio James, que sempre era o primeiro a sair, ficou surpreso ao me encontrar tão cedo ali.
- Ora, já está acordada?
- Não dormi bem.
Ele pegou vários bolinhos e passou uma espécie de geleia avermelhada neles.
- Sabe, Lizlee, aproveitando a ausência da sua tutora, acho que não preciso dizer que sua atitude tem sido inadmissível.
- O senhor já fez questão de deixar bem claro.
- Então tenho motivos para acreditar que estamos entendidos sobre as regras?
Eu o encarava e acompanhava seus movimentos, mas não prestava atenção em suas palavras. Naquele momento eu estava muito distraída, talvez pelo estresse e por não ter tido uma boa noite de sono.
- Lizlee. – Ele estalou os dedos na frente do meu rosto. - Responda à minha pergunta!
Baixei os olhos e fitei os rasgados na beira da minha blusa. Mexi com eles e me voltei para meu tio.
- O senhor não me apresentou a elas.
- Farei isso depois. Agora preciso sair.
- No mesmo instante Moggie despontou na sala.
- Bom dia, senhor Deskran. Benfeitor e cavalheiro.
- Igualmente.
Ele acenou impaciente com a bajulação e se levantou para nos deixar sós.
- Bom dia, minha flor de liz, que cara é essa?
- Só estou cansada. - Sorri com a lembrança do apelido. Meu pai me chamava assim. Eu nem sabia o que era uma flor de verdade, mas gostava.
- Venha bordar comigo hoje. Precisamos de peças novas de vestuário, cama, mesa e banho. Pensei em irmos até a vila qualquer hora comprar algumas coisas. - Ela mesma se serviu chá e tomou.
- Não preciso de roupas novas.
- Mas eu não sei até quando terei tecidos. E se eles envelhecerem ou forem devorados por traças?
- Elas os comeriam mesmo que estivessem em nossos corpos.
Ela arregalou os olhos e me fitou, preocupada. Não tinha entendido que era só sarcasmo.
- O que quer dizer com isso? Seu quarto está infestado por traças? Há traças nessa casa?
Cavanaugh, que vinha trazendo biscoitinhos, ingressou na conversa.
- Posso resolver isso para as senhoritas.
- Não precisa se preocupar com isso. Está tudo bem.
Minha tutora já não estava tão segura disso. Ela se abanava com os guardanapos.
- Não minta para nós. E se essas coisas se alastrarem? Essas pequenas pragas... Ah, meus livros!
- Daremos um jeito.
Cavanaugh se ofereceu novamente para bancar o herói quando ela se mostrou esbaforida.
- Não darão um jeito em nada. Moggie, não existe traça alguma e ninguém precisa dedetizar meu quarto.
- Bom – ele suspirou de alívio – de qualquer forma estou aqui para servi-las.
Quando percebi que com "servi-las" ele se referia apenas à Moggie, pegando em sua mão e a tranquilizando, tratei de me esgueirar para longe dali.
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O passo mais importante para vencer um inimigo, é conhecê-lo. Eu não conhecia meu tio e não sabia se algum dia poderia contar com isso, então parti para o plano "B". Se ele não estava disposto a revelar quem realmente era, talvez a sua casa fizesse isso por ele.
Os corredores não eram mais aconchegantes que o resto da casa. Haviam poucas fotos, mas sem outra decoração alguma. Eras vazios e um pouco cinzentos, como se as paredes contassem uma história triste. Pelo menos eu já sabia que um homem infeliz vivia na casa, só não sabia por que ele era assim.
Em certo ponto, estava distraída analisando os quadros na parede, quando escutei uma melodia sendo tocada ao piano. Meu tio não estava em casa. Moggie sabia tocar mas estava com Cavanaugh na sala de jantar. Quem estaria ali?
Meus pés me levaram pelos corredores, enquanto a música parecia mais próxima e mais alta. Uma canção melancólica e misteriosa – mas de alguma forma familiar. Ao fim dos corredores, encontrei uma porta. Parecia a porta da sala de estar em Leeland. Sorri, parada em frente àquela lembrança tão feliz e por fim empurrei a maçaneta para baixo e para frente.
Do outro lado da porta encontrei mais um corredor cinzento e triste. Tudo não havia passado de uma alucinação? Notei que não havia saído do lugar. Restava apenas o som do vácuo. Não havia mais música, nem qualquer melodia familiar. Não havia mais nada. Mais nada e nem ninguém.
- Tem alguém aí?
Meu corpo tremia dos pés à cabeça, temendo que algo me respondesse, ao mesmo tempo que temia não receber resposta. Isso não significava que eu estava me tornando uma louca, só que estava perturbada. Corri para a sala onde poderia encontrar alguém. Cavanaugh estava lá, espanando os móveis com a maior tranquilidade até que eu a roubei dele.
- O que aconteceu, senhorita? Está pálida.
- E-eu... - Recuperei o fôlego e voz, gaguejei e olhei para trás na direção de onde acabara de vir. Meu medo era que ninguém acreditasse em mim, porque essas coisas eram invenções da minha mente perturbada. - É, não foi nada.
Ele que antes estava com a expressão serena, agora parecia apreensivo.
- Tem certeza?
- Lógico, tenho. Vou ficar bem.
- Lembre-se de que estamos aqui para mantê-la segura.
Já me afastava um pouco quando o ouvi dizer estas palavras. Todos diziam a mesma coisa mas nunca me diziam do que estavam tão empenhados em me proteger. Chegando na sala de jantar, avistei Moggie sentada me esperando.
- Aí está a senhorita.
- Eu perdi a hora?
- Não. Sente-se aí. - Sentei e olhei para o prato enquanto ela me servia a macarronada.
- Eu posso me servir.
- Eu sei, mas gosto de fazer assim. – Discordava explicitamente desse velho hábito dela de me servir em tudo.
- Um dia teremos que ir conhecer os cozinheiros desta casa. A comida é divina.
Balancei a cabeça, concordando e dei uma garfada. Ela estava certa, realmente era muito boa. Pelo resto do dia, resolvi evitar os corredores. Fui bordar com minha tutora – não por vontade, mas porque estava com medo de encontrar o que estava tocando o piano.
Ela não questionou meu silêncio, tomou como sendo o luto. Mas à noite, quando sentamos para jantar e tio James chegou, meu sossego terminou. Por mais que eu gostasse que se importassem comigo, quando ele interrogou sobre o motivo do meu silêncio, acabei me irritando.
- O que aconteceu?
- Nada. Não tenho mais o direito de ficar em silêncio?
- Tudo muda quando é sobre você, não é mesmo?
Fechei os olhos e suspirei enquanto, mentalmente, contava até dez. Encarei a comida. Ele estava certo, pela primeira vez.
- Senhorita, não acha melhor descansar um pouco? Depois de uma noite mau dormida, é normal ficar irritadiça. - Moggie ficou séria, mas conservava a expressão de ternura.
- Ela deve terminar a refeição. Não se desperdiça comida com tanta gente necessitando.
- Não, ela tem razão. - Respondi. - Quem sabe assim, evito discussões desnecessárias.
Minha tutora tinha o hábito de dizer coisas sem sentido ou observar tudo sem se manifestar. Mas dessa vez, agradeci por ter intervido certeiramente.
- Boa noite, Moggie.
- Descanse bem.
Acenei com a cabeça para meu tio e subi. Ao fim da escada, havia um longo e cinzento corredor e eu deveria atravessá-lo. No início fui devagar, mas as sombras que se projetavam nas paredes me fizeram correr, abrir, entrar e trancar a porta rapidamente.
Seria mais uma longa noite. Os pesadelos já haviam se tornado habituais e eram como continuações dos anteriores. Neste, a mulher de vestido de seda azul-claro, montada no cavalo, com seu cabelo cintilando e se agitando ao vento, me chamava "Venha Lizlee, venha" e eu fui, encantada pela bondade e luz que transbordavam dela.
Quando nos encontramos juntas na frente de uma porta – a qual empurrei para abrir – uma luz muito forte inundou minha visão. Era como abrir os olhos depois de anos sem enxergar a imensidão da luz.