Minha respiração estava ofegante, minhas mãos tremem enquanto continuo a dar passos para trás quando percebo que já estou encostada na parede ao lado da cama, pois o porão era tão pequeno que eu mal cabia nele.
Merda
- Eu sempre soube que você era um lixo e devíamos ter deixado você ir para um orfanato. - Ela cuspiu as palavras em mim.
- Eu só fiquei pouco tempo na festa, não quis...
- Cala a boca, Anne! - me interrompeu.
Uma mistura de choque e medo invadiu meus olhos, eu não sabia se ela estava brava pela festa, ou por mais o quê.
- Por acaso, a diretora da faculdade onde você estuda, por nossas costas, ligou aqui para casa, para lhe parabenizar por conseguir mais dois anos de bolsa... Bolsa Anne? SUA MENTIROSA! - gritou.
- Eu...
- Ainda por cima, vai à festa escondida de nós. Eu não autorizei que você estudasse, e você não estudará, você é nossa serva. Nos deve muito, todos os anos de comida e um teto sobre a sua cabeça.
- Amélia... não tire isso de mim, por favor, eu imploro. - supliquei, as lágrimas escorriam de meus olhos e eu soluçava incessantemente.
- Não tirar isso de você? - ela riu ironicamente. - Você não tem nada, garota, acorda. Você concordou quando eu te disse que você nos serviria.
- Eu era uma criança. - eu abri a boca para falar, sentindo o tapa ser desferido em meu rosto.
- Você não passa de uma imunda. Faculdade não é para você, isso é para Valerie que é uma menina diferente de você. Eu não vou te bater hoje Anne, pois amanhã teremos visitas e preciso de você bem para servir, mas daqui, você só sai quando eu mandar.
- Quando vocês iriam me contar da casa dos meus pais? A casa não era de vocês! - gritei.
- Do que está falando?
- Você sabe! - protestei. - Vocês vão pagar a dívida e vão de volver a minha casa. É a única coisa que tenho dos meus pais. - senti a lagrima escorrer pelas bochechas e ódio me tomar.
Amélia deu dois passos a frente com uma risada irônica.
- Penhoramos a casa, para poder pagar toda a faculdade de Valerie, você não merece aquela casa. E o que você fará?
Fiquei em silêncio. Eu não sabia o que fazer.
- Como eu pensei. - ela riu.
Ela trancou a porta, me deixando presa imersa em minhas lágrimas, me sentei no cantinho da parede, no chão, deixando com que os soluços e o choro se misturassem, minha respiração quase falha. Eu só tinha uma coisa na vida: o meu sonho de ser médica e uma casa que eu nem sabia. E até isso, seria tirado de mim. Por que tanta injustiça?
O que fiz para merecer isto?
Eu poderia pedir ajuda ao meu tio, Anthony, mas ele não interviria, ele não iria contra a esposa por mim. Eu não significava nada para ele, a não ser a filha imprestável do irmão dele que morreu.
Meu rosto ardia por conta do tapa, mas meu coração parecia doer mais ainda. Ouvi um barulho de gente se aproximando e me levantei rapidamente, espiei pela fresta pequena que havia ali, e era Amélia, com mais algumas pessoas que pareciam ser... a polícia?
Essa mulher era completamente louca.
Me encolhi na cama, e ouvi a porta do porão ser aberta. Desde pequena, eu tinha uma boa audição e visão, não entendia o porquê, mas ignorei.
Ela entrou com meu tio e dois policiais, o que essa mulher estava planejando.
- Aqui está ela, senhores policiais. Ela roubou meu colar de ouro.
Oi? Arregalei os olhos.
- Você fez isso, Anne? - meu tio me encarou.
- Eu não roubei nada, essa mulher é louca. - falei nervosa e assustada com as acusações, minhas pernas tremiam a cada segundo.
Os policiais se aproximaram do quarto, tentando formular pistas contra mim, e começaram a revirar tudo no quarto, meus olhos permaneciam estatelados, a dor, a raiva, o medo, tudo me consumiam. Eu me odiava, odiava ser eu, e as esperanças de que algo mudaria, morriam a cada dia pior.
Eles continuaram a revirar o quarto até abrirem uma caixinha onde eu guardava meus prendedores de cabelo, encontrando supostamente o maldito colar lá. Isso não era possível, eu não havia roubado. Ela com certeza colocou isso lá para me incriminar.
- Senhorita, infelizmente vamos ter que levar você. - um dos policiais falou me algemando.
- É um absurdo, me soltem, por favor, eu não roubei nada. - eu gritava olhando para eles. - Me soltem!
O nó na minha garganta se apertou mais ainda quando ela proferiu suas ameaças cruéis, usando seu poder para manipular a situação a seu favor.
- Eu juro, eu não fiz isso! Ela armou tudo, é uma mentira! - esbravejei.
As lágrimas já haviam deixado trilhas marcadas no meu rosto, e a sensação de injustiça era sufocante.
- Se quiser sair daqui Anne, posso muito bem retirar a denúncia. Isso é fácil. Mas terá que fazer absolutamente tudo o que eu mandar sem dar uma palavra, e não irá mais para a faculdade, nunca mais.
O acordo proposto por ela era uma armadilha, vadia.
Seria liberdade condicional em troca da minha subserviência completa a ela e ao meu tio.
Minha voz se perdia nos gritos desesperados, nos pedidos por compreensão que caíam em ouvidos surdos. A dor rasgava meu peito, e eu me sentia afundada em um abismo de desespero.
Eu assenti em um gesto vazio de resignação. Não era rendição, era sobrevivência. Era o peso esmagador da minha falta de opções..
- Tia Amélia... -supliquei".
- Sem mais, Anne, ficará presa, até decidir assumir a sua culpa e se submeter."
De repente, pude ouvir passos, pareciam bem perto, seguidos por uma voz atrás de nós, uma voz que eu reconheceria em qualquer lugar. Meus olhos se voltaram e registraram seu rosto.
- Mas que diabos está acontecendo aqui? - ele disse.
Era ele. O homem misterioso da festa. Seus olhos estavam quase acinzentados, buscando entender o motivo da gritaria. Afastando-me da parede fria, desejei ter um portal mágico para fugir dessa vergonha iminente.
Com sua presença, o semblante de meus tios mudou imediatamente, como se sentissem medo. Apertei os olhos pela noite mal dormida quando ele prosseguiu:
- Eu estava no escritório, mas com certeza ouviria a gritaria até do inferno. São vocês, os Turner. O que estão fazendo? - Ele me observou.
Os olhos arregalados de Amélia revelaram seu temor da desaprovação de William. Ela começou a se explicar rapidamente:
- Oh, senhor Carter, não é nada, pode voltar para seus afazeres, não queríamos incomodar... Estamos resolvendo um assunto de família.
Ele olhou para ela e depois voltou a olhar para mim. Será que ele se lembrava de mim? Não seria difícil lembrar-se, afinal, fui eu quem derrubou uma taça de vinho na camisa do homem.
- Volto para meus afazeres quando eu quiser. Estava resolvendo questões de segurança da minha empresa com os policiais e ouvi burburinhos. Está acusando a moça de roubo? - Ele olhou para minha tia, que gaguejou, incapaz de formular uma resposta.
Pela primeira vez em minha vida, a vi assim, sem saber o que dizer. E admito, foi satisfatório.
- Garota? - Ele se dirigiu a mim. - Você fez o que ela está afirmando? - Sua voz grossa ecoou.
E agora, o que eu digo? A verdade ou minto para evitar retaliações?
- Eu não roubei, senhor. - Falei baixinho, comprimindo os olhos.
- Então, se ela disse que não rouba, é porque não roubou. E eu não sou fã de acusações falsas na minha cidade. - Ele chamou o guarda mais próximo. - Essa garota está livre. Deixem-na ir. Agora, se a pegarem roubando, ela terá problemas comigo.
Meus tios abaixaram a cabeça em sinal de redenção, mas não fizeram literalmente nada.
Eu só tinha duas perguntas a fazer: quem ele era de verdade, e porque todos o temiam tanto?
Depois da confusão, seguimos para casa. Não me dirigiram a palavra, só deixaram claro de que eu ficaria presa, e sem possibilidade de faculdade.
Me deitei, e evitei pensar nele, sua voz firme me salvando.
Minha vida parecia um filme, e nele eu era a protagonista que só se dava mal.