Capítulo 2 Eros e Psiquê

Naquela manhã o nascer do sol nunca parecera tão belo, os pássaros nunca haviam estado ainda tão festivos e afinados, até as águas que caíam da cascata na piscina de um azul celeste pareciam estar disciplinadas para acompanhar a sinfonia das aves.

O verde dos pastos ao longe ofuscava os olhos, no estábulo um silêncio com som de alegria e no curral, o gado sem reclamar, parecia segredar e compartilhar daquele momento. Da sacada de um dos quartos do casarão da Fazenda Feliz, uma mulher clara trajada com sua camisola de seda azul pavão se sentia nas nuvens. Nunca sua fazenda lhe parecera tão linda, a piscina tão azul, tudo em perfeito estado de harmonia, olhou mais uma vez para o jardim, as flores pareciam dançar carnaval com seus trajes multicores...

Entre o jardim e a piscina, o parquinho, que sempre fora útil aos filhos das visitas ou parentes. Pela primeira vez depois de longos anos sentiu até mesmo a vontade de ter um filho para brincar naqueles brinquedos que nesta manhã, era a única coisa que lhe parecia morta. Lembrando-se da noite anterior, não conseguiu conter um longo sorriso. E como sempre fazia, levou a mão esquerda ao colo para deixar que seus dedos brincassem com a medalha de ouro que desde menina levava ao pescoço. Surpresa, os delicados dedos não encontraram nada além da pele suave e macia. Mas pela primeira vez também não se importou. Se perder a medalha que seu avô materno lhe dera quando completara 15 anos foi o preço que teve de pagar para resgatar novamente a vontade de viver, era bem justo. A medalha tinha cravada em relevo o rosto de um cavalo, e no lado oposto ao desenho com suas iniciais S.M.L. Cavalos e medalhões eram mais que uma paixão, podia-se dizer obsessão. E por falar em cavalos, por onde andaria seu grande amigo negro Osíris? Olhou o céu de um azul profundo e deu um sorriso malicioso. Como pudera ser tão louca na noite passada? Jurava que nunca mais faria novamente o que fez. Pois da primeira vez que se deixou enlouquecer entrou em um pesadelo profundo no qual até a tarde do dia anterior achava que apenas a morte seria solução. Daria qualquer coisa para reviver as horas em que passara a noite anterior. Qualquer coisa para ver novamente aquele par de olhos de um azul intenso. Naqueles últimos três meses que resolvera sair do marasmo que se tornara sua vida e ir a luta de cabeça erguida, o grande mestre resolveu participar da guerra a seu favor. E para quem tinha um aliado como o Criador do Universo, não precisaria nem mesmo de um grão de areia, a vitória seria coisa certa. Naqueles três meses se divorciara, livrando-se do seu pior pesadelo, o ex-marido. Pelo menos seu nome já não tinha mais a presença do sobrenome do ordinário, porque em sua casa, na fazenda, ele era presença constante sempre que o bolso esvaziava. Vendera a fazenda, só estava esperando sua mãe chegar dos Estados Unidos para lhe ajudar com a mudança, iria tirar um período longo de férias em uma pequena cidade no norte de Minas, a terra natal de sua mãe. Uma decisão grandiosa para quem passou sete anos submissa as crueldades de um marido bandido. Foi na noite anterior em que se despediu dos amigos em uma festa a fantasia num clube da cidade organizada por um deles, um baile de máscaras. Não sabia de quem foi a idéia. Mas a festa foi um sucesso. Foi no salão do Clube BB em Diamantina. O salão ficava as margens de uma represa, contornado por belos jardins, sendo muito requintado e amplo. Além da máscara todos receberam crachás com pseudônimos, um misterioso baile muito bem organizado. O salão de grandes janelas com vidros transparentes era bem arejado, com várias portas, mesas e cadeiras de sucupira davam um tom fino ao ambiente. Faixas de despedidas, balões, brincadeiras e presentes completavam o resto. Garçons serviam um jantar esplendoroso e saboroso, e logo após, uma música de balanço foi colocada e ninguém mais ficou parado. Alguém anunciou do canto do recinto que a bebedeira e a farra iriam começar. Aviso dispensável diante da animação dos presentes naquele salão.

A linda mulher clara, que trajava um vestido simples e curto de malha, mas bem decotado no busto e de cor vermelha, dançou um pouco com as amigas e assim que se viu livre, ganhou uma das portas laterais indo em direção a represa. Contornando as águas esverdeadas havia bancos que às vezes sim, às vezes não, estavam iluminados. Olhou para trás para conferir se ninguém a seguira ou dera por sua falta e se sentou em um dos bancos que ficava atrás de um médio pinheiro. A lua cheia iluminava todo o lugar, dando um quê de misticismo ao local. A luz fazia das águas espelho, refletindo toda aquela beleza, o resto da paisagem era eucaliptos e muito verde. Tudo era mágico e parecia sonho, e a moça aproveitou para relaxar seu espírito carregado e triste que toda aquela beleza de mulher escondia. Estava com o olhar fixo na lua e viajando com suas mágoas, quando a ninfa ouviu uma voz grave bem perto, ou melhor, atrás de si:

- E eu crente em que Psiquê, fosse apenas uma lenda, mas agora reconheço que estava por todo esse tempo enganado.

A ocupante do banco permaneceu parada por alguns segundos olhando a lua, com as mãos apoiando o corpo sobe a reta tábua, elevou a cabeça e soltou palavras sem mesmo se dar ao trabalho de olhar com quem falava:

- Infelizmente Psiquê tinha Afrodite para atormentar sua vida. Acho que se tem algo real nesta lenda é a Afrodite, no meu caso ela é a vida, as armadilhas do destino.

- E onde entra Eros nessa história?

Os cabelos castanhos claros balançaram, ela se virou e com um sorriso critico nos lábios não hesitou em dizer:

- Não é óbvio, ele é a lenda.

Sabra não esperava encontrar aquele mar azul quando se virou. O jogo da sedução às vezes lhe exercia um imenso pavor. Mas aquele céu de um azul profundo invadiu não só seus olhos como sua alma. Ele se aproximou tanto que quando a linda mulher se deu conta podia sentir o perfume, o calor daquele corpo másculo. Olhos nos olhos, palavras não ditas e os pensamentos em conflito dos dois se tornaram um só, num beijo ardente e sôfrego.

Permaneceu assim por alguns minutos até que a linda mulher afastou o corpo másculo do seu.

- Me desculpe minha querida, não resistir.

- Perdão, mas nos conhecemos de algum lugar?

- Ele sorriu.

Como poderia conhecê-la, você não acabou de dizer que sou uma lenda?

Ela sorriu, caíra na própria armadilha.

- Você costuma sair beijando as mulheres antes mesmo de se apresentar?

- Já me desculpei e repito: Não conseguir resistir.

- Me desculpe, acho que me tornei incapaz de acreditar em algum homem.

O homem alto, de cabelos loiros e boca carnuda sentou-se no banco ao lado da dama de vermelho enlaçando com um dos braços a fina e delgada cintura de mulher:

- Alguma desilusão?

- Maior do que possa imaginar.

- Um ex-namorado?

- Não, um ex-marido.

- Me parece tão jovem.

- A vida não escolhe idade, quando se trata de puxar o tapete de alguém.

- Esqueça-se disso, não seja egoísta, há pessoas com problemas maiores do que os nossos, e nem por isso deixam de viver ou sorrir.

Ela levantou os olhos cor de mel, permitindo que novamente o azul dos olhos dele penetrasse e causasse uma reviravolta em sua mente.

-Tem certeza de que já não nos conhecemos de algum lugar?

O homem loiro lhe deu novamente um sorriso e a beijou demoradamente sendo correspondido e, sem pensar, levantou-se a carregando nos braços.

Nem precisa dizer que foram parar num quarto de motel. Nunca um homem a fez sentir tão bem, pareciam ter ido às estrelas. Mas assim que ele dormiu, com medo de ter cometido o mesmo erro do passado, saíra sem mesmo saber o nome ou ver totalmente o rosto do dono daquele mar azul, e agora, o dono de seu coração. Só uma pergunta martelava em sua mente:

- De onde surgira e quem seria o mascarado cujo pseudônimo era Eros?

Aquele beijo, aquela voz, aquele modo de olhá-la, sentia que o conhecia de algum lugar. Mas de onde? Se realmente o conhecia, porque não se lembrava? Olhou mais uma vez o céu, a fazenda e espreguiçou entrando quarto adentro indo parar no banheiro. O recinto era todo em tom azul, indo do claro para o piso e paredes até o índigo para a pia, vaso, bidê e o box. Um enorme

espelho que ocupava toda uma parede era moldura de uma penteadeira de mármore acompanhada de um armário onde ficavam toalhas, sabonetes, xampus e outro objetos referentes aquele cômodo da casa. Sobe o branco do mármore, cremes, instrumentos de maquiagem, sabonete, perfumes femininos, em especial uma fragrância adocicada e marcante de floral ambarino com notas de almíscar, sândalo e jasmim, entre outras, marca registrada da dona de toda a Fazenda Feliz. A beldade dos cabelos castanhos deixou que a camisola de seda escorregasse sobre seu corpo e antes que chegasse ao chão foi apanhada e dependurada em um dos cabides na parede. Abriu a porta do Box e assim que a fechou ligou o chuveiro permitindo que a água morna caísse no corpo perfeito de pele alva quase que num carinho, aliviando sua ansiedade. Após alguns minutos, saiu do chuveiro, cobriu o corpo com um roupão branco e parou em frente ao espelho. Com a escova em mãos, levemente iniciou-se a pentear os cabelos que molhados pareciam negros e batiam um pouco abaixo dos ombros.

Parou um instante e ficou como Narciso, a admirar-se no espelho.

Sim, estava bonita como nunca, aquela mulher de rosto alongado e traços delicados, boca carnuda, sorriso perfeito, nariz bem feito, olhos cor de mel e cabelos lisos que lhe olhava era uma estrangeira. Uma forasteira que ficou escondida por onze anos, e só agora surgiu, porque só agora voltara a ser feliz.

Serrou as pálpebras se lembrando da noite anterior.

- O que estaria Eros fazendo agora? Porque não tirou a máscara dele enquanto dormia? Estava tão

louca para sair de lá que nem se lembrou deste detalhe. Agora não sabia nem o nome e nem o rosto do dono de seu coração.

Ainda permanecia absorta em seus pensamentos quando sentiu algo pesar sobre seu ombro esquerdo e uma voz bem conhecida lhe fez estremecer de raiva.

- Pensando em mim?

Abriu os olhos e se limitou apenas a olhar a imagem aterrorizante que refletiu o espelho de cristal.

- Se estivesse pensando em você, estaria com um revolver e não com uma escova na mão.

- Pretende me matar por acaso?

- Não, imagina. O revolver seria para atirar em minha própria cabeça por meu cérebro ser tão desprezível a ponto de pensar em você.

Sabra jogou a escova sobre o mármore da penteadeira e saiu do banheiro entrando no quarto. Pretendia vestir algo, mas como Andrey a seguiu não quis correr o risco de se despir na frente dele e se retirou do aconchegante recinto ganhando o corredor. Bateu a porta com força e quando pisou no segundo degrau da belíssima escada de mármore que levava a sala de jantar no andar térreo o homem de cor morena a segurou bruscamente pelos ombros:

- O que pensa que está fazendo? Tire suas mãos sujas de cima de mim!

- Com quem passou a noite?

- Eu não lhe devo satisfações, sou uma mulher livre, divorciada, solteira.

- Não se meta a engraçadinha comigo, a certidão de divórcio não me impede de lhe dar uma boa sova, já passou por isso e sabe que é verdade.

- Encoste um só dedo em mim e irá para as grades.

- Quem me colocará lá, seu pai? Sinto muito lhe lembrar que ele nunca quis passar pelo vexame de ter o genro como detento. Não, não, minha cara, nem sempre é bom ter o pai como delegado sabia?

Sabra estava assustada, milhares foram as vezes que teve hematomas pelo corpo provocadas pelas mãos do ex-marido.

O homem moreno apertou com toda força os braços de sua vitima.

- Seja boazinha e volte para o quarto, não gosto de discutir na frente dos empregados.

A mulher permaneceu parada até ser bruscamente arrastada pelo braço.

- Se não quer vir por bem, virá por mal.

- Me solta Andrey, você não sabe do que eu sou capaz.

Não adiantou, quando viu já estava no quarto e a porta havia sido trancada. O homem alto e robusto a jogou com força sobe a cama e se deitou sobe o magnífico corpo de mulher.

Sabra já não agüentava mais, jurara que nunca mais passaria por aquela humilhação. Odiava aquele homem, e o simples toque do corpo dele no seu a fazia estremecer de horror e asco. Os belíssimos e brilhantes cabelos castanhos caíram sobe o finíssimo e delicado rosto encobrindo as lagrimas que escorriam sobe a pele de porcelana.

O tirano Andrey com um sorriso de vitória e maldade retirou os cabelos que tampavam o rosto de sua ex-musa.

- Que coisa feia, não vê que eu te desejo? Você é minha, e se eu souber que mais alguém tocou essa pele de marfim, não sei, não sei do que sou capaz de fazer.

- Eu não te pertenço, eu te odeio, tenho nojo, seu asqueroso, nojento.

Ele segurou o delicado queixo com violência e beijou os delicados e rosados lábios sem ser correspondido. Em seguida beijou o pescoço e desamarrando a faixa do roupão branco, tocou com os lábios o colo alvo e o ventre.

Sabra tremia de pavor, não poderia aceitar que aquele bandido a forçasse a fazer amor com ele. Não, sua pele não poderia ficar manchada, impregnada com aquele cheiro novamente.

- Oh Deus, me ajude! Pensou a mulher clara enquanto as lágrimas lhe banhavam o rosto.

Até que se lembrou do revolver embaixo do travesseiro. Sem pensar mais levou a mão direita e retirou sob o travesseiro com sua fronha de cetim azul a arma.

- Se tocar mais um milímetro da minha pele com essa boca suja, eu juro que estouro seus miolos.

O homem, apavorado se levantou e ficou encostado na porta imóvel.

- Cuidado com isso minha flor, veja bem o que está pensando em fazer.

- Eu estou pensando, aliás, eu irei mesmo, é estourar essa sua cabeça podre se em três segundos não

abrir essa porta e descer as escadas indo para junto de sua amante.

- Por favor, pelo menos me ouça.

- Diga.

Ela se levantou e com uma das mãos fechou o roupão e com a outra continuou a mirar o revolver em direção ao bandido.

- É que...

- Pare de gastar palavras, você precisa de dinheiro não é? Será que a insaciável Silvana já gastou todo o dinheiro que lhe dei? Será com o carro novo, a mansão, ou o guarda-roupa que ela quer trocar?

- ... Eu pensei que se vendesse Osíris, você vai mudar mesmo para... Como é mesmo o nome da cidade?

Um sentimento de ódio ainda maior se apoderou da mulher que por alguns instantes sentiu-se sem ar de tanta fúria.

- Não lhe interessa onde irei morar, agora suma daqui ou eu cometerei uma loucura. E nunca, nunca, se quiser continuar vivendo, nem pense, nem sonhe em chegar perto de Osíris entendeu?

- Claro, claro.

- Então suma antes que eu mude de ideia.

O homem ameaçado e temeroso pelo ódio que via nos olhos de quem sempre fora sua vítima saiu correndo do quarto, desceu as escadas e antes de fechar a porta arriscou um olhar para a escada, se certificando que fora seguido e que ainda estava sob a mira do revolver a bateu com força. Sabra só abaixou a arma quando ouviu o barulho do motor do automóvel se distanciando.

Caiu sentada no degrau da escada e desabou em um choro incontido.

Permaneceu assim até sentir uma delicada mão pousar sob seus cabelos.

Olhou acima da cabeça e seus lábios se abriram num lindo mas desencantado sorriso.

- É você Júnior?

O menino claro, de cabelos loiros lisos e olhos azuis, sentou-se no degrau ao lado da amiga.

- Tudo bem, ele não te machucou?

- Não, dessa vez foi ele que quase saiu ferido. Nunca mais Júnior, nunca mais ele irá me machucar.

Deu um beijo na face rosada do garoto e se levantou, estava quase entrando no quarto quando o menino lhe chamou:

- Sá, você vai mesmo embora? – perguntou o garoto com os olhos lacrimejando.

A linda mulher voltou-se indo em direção ao garoto que continuava no degrau no fim da escada. Colocou o revolver no bolso do roupão e abraçou seu pequeno amigo.

- Eu vendi a fazenda, sua tia não lhe contou?

- Não, ela estava chorando outro dia na cozinha, e eu perguntei o que era, e ai me disse que você iria embora e nós teríamos que ir também.

- Vocês têm para onde ir?

- Não, meu pai depois que mamãe morreu nunca mais voltou, e nem sabemos o paradeiro dele.

- Não chore Júnior, não gosto de ver meu menino triste, vá chamar sua tia e diga a ela que me espere aqui na sala até eu me trocar e descer. Está bem?

O garoto balançou a cabeça positivamente e saiu correndo em direção a cozinha.

A ninfa de pele de porcelana vestiu-se quase que mecanicamente, gostava de roupas simples quando estava em casa, calça jeans colada, uma camiseta branca de cotton e suas botas pretas. Parou um momento e ficou a olhar a fazenda pela fresta que deixavam as cortinas de cetim azul. Pensou nos olhos azuis e no menino que certamente a esperava na sala. Júnior viera para a fazenda com dois anos de idade junto com a tia que durante quatro anos fora sua fiel cozinheira, praticamente a dona da casa, ou melhor, uma verdadeira mãe para sua patroa e a criança. Só depois de algum tempo na fazenda é que a humilde e sofrida senhora lhe confidenciou que o menino perdera a mãe aos dois anos de idade e que o pai não sabia da existência do garoto. A tia do menino era irmã da mãe de Júnior, filhas de pessoas muito pobres, ao contrário do pai do menino que era herdeiro único de um rico fazendeiro. O avô da pobre criança, quando soube que a empregada engravidara de seu único filho, e como este se encontrava fazendo especialização nos EUA, com medo de estragar o futuro do seu herdeiro, ofereceu uma vultosa quantia a mãe do seu neto para desaparecer com o menino. Mas quando a criança completou dois anos sua mãe sofreu um acidente e faleceu, deixando a criança entregue a Marieta, a qual o tratava como um filho. Júnior era muito mais que apenas o sobrinho de sua cozinheira, era o filho que não tivera. Em quatro anos acompanhara o crescimento do menino de perto, o vestira com as melhores roupas, o levava em suas viagens de férias, montara um quarto dos sonhos para o menino, assumira todas as despesas tais como médico, escolinha e grandiosas festas de aniversário. Enfim, não se desgrudavam.

Como pudera se esquecer deles, pessoas que amava e que a amavam? Na verdade eles faziam tanto parte de sua vida que, inconscientemente, os viu acompanhando-a em sua mudança, sem sequer os perguntarem se iriam segui-la.

Quando Sabra desceu as escadas indo do quarto para a sala, encontrou tia e sobrinho esperando-a conforme pedira ao pequeno anjo de olhos azuis.

-Me chamou senhora?

- Marieta, Júnior me falou que vocês não têm para onde ir, é verdade?

-Sim. O pai dele enviou uma carta a seis meses através de um conhecido que chegou a mim por meio de um primo, dizendo que somente agora, após a morte do pai, soubera da existência da criança e da covardia deste para com seu filho e que estava voltando para o Brasil. Mas não tive coragem de voltar a fazenda e temo que ele não saiba de nosso paradeiro. Tenho medo que ele tire de mim o meu pequeno e mais precioso tesouro senhora.

-Você sabe que como pai ele tem seus direitos e você não poderá impedi-lo de reaver o menino, não sabe? Mas esta é uma decisão sua e eu não devo interferir. Só quero que saiba que o que for decidido eu estarei ao seu lado, desde que Júnior não seja prejudicado.

-Obrigada senhora.

Respondeu a humilde mulher com lágrimas nos olhos e fazendo menção de se retirar do ambiente em que se encontrava.

-Marieta!

-Sim.

-Aonde vai? Ainda não terminamos nossa conversa.

-Me desculpe, estou tão atordoada com todos esses problemas.

A jovem amiga desceu os últimos degraus da escada e já bem perto da simpática senhora a abraçou dizendo:

-Desculpe amiga se te deixei nesta situação, é que são tantos os problemas que esqueci de lhe comunicar o meu desejo de que vocês viessem comigo para Buenópolis. Irei morar na fazenda de meu avô materno por um tempo até me decidir se irei apenas gerir os negócios aqui de longe, se irei continuar trabalhando no escritório ou se irei para mais longe ainda. Estou

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muito cansada e confusa e preciso de um merecido descanso. É um casarão antigo e muito grande, caberá todos confortavelmente e depois...

A mulher morena se afastou um pouco de sua patroa olhando-a com indagação.

- ... Eu não consigo viver sem vocês dois, já se tornaram parte da minha família.

- Obrigada senhora, não sabe o quanto está nos ajudando.

Respondeu a bondosa senhora enxugando as lágrimas que insistiam em escorrer face a baixo, só que desta vez de alegria pela bondade daquela que os acolhera com tanto amor e compaixão.

-Não precisa agradecer, já disse, vocês são minha família. Agora vá arrumar suas coisas.

Depois de muito agradecer, Marieta voltou para a cozinha e Júnior continuou com sua amiga.

- É verdade que não vai levar os móveis, tia Sá?

- Sim, no casarão para o qual estamos indo já tem tudo. Mamãe fez uma reforma antes de ir para os EUA.

- E Osíris?

- Irá juntamente com todos os cavalos. São minhas relíquias.

- Vou sentir falta da Fazenda Feliz!

Exclamou o menino.

- Eu também, mas em nosso novo lar, seremos muito felizes, porque não teremos certas coisas que possam nos incomodar por perto. Disse

- O Andrey não vai, não é mesmo Tia Sá?

- Claro que não meu amor.

- Que bom, odeio ele, se eu pudesse o teria matado quando ele batia em você.

- O que é isso Júnior, por mais que uma pessoa seja má, não temos o direito de lhe tirar a vida. A não ser para salvar a nossa. Estamos entendidos?

- Desculpe Sá.

A mulher clara sorriu.

- Hei, por que esta carinha triste? Sabia que terá um quarto só para você em nossa nova casa?

- Jura Sá?

- Claro, você já é um rapazinho, e por isso precisa de um cantinho só seu. Se é que não tem medo de dormir sozinho, ou tem?

- Não tenho não, sou um homem forte e corajoso.

O menino de seis anos saiu correndo em direção a cozinha.

- Aonde vai Júnior?

- Contar tia Marieta sobre meu quarto novo.

A mulher clara sorrindo foi até o cabide na parede da sala, pegou o chapéu preto, o chicote e foi em direção ao estábulo. Tivera emoções de sobra para um dia, quanto mais para uma manhã. Agora era relaxar um pouco e depois arrumar o que iria levar consigo. E Sabra ainda não conhecia melhor terapia do que cavalgar Osíris.

                         

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