Um ano, foi o que meu médico disse, um maldito ano. Trezentos e sessenta e cinco dias para que eu pudesse usufruir dos meus bilhões, para que eu conseguisse ter um herdeiro e dar uma continuidade ao meu legado.
E foi assim que vim parar nesse terraço, acompanhado da garota que vi dormindo em um banco no parque. Não é todo dia que se conhece uma menina tão linda morando nas ruas de Seattle.
- Não pularia daí se fosse você. - Tentei soar baixo para não assustá-la, mas não teve jeito.
A garota levou as mãos ao peito com o susto, se virando para me encarar. Os olhos azuis me encararam com espanto e ela deu outro passo, se aproximando ainda mais da beirada.
- Não sabe quem eu sou, esse terno caro e o relógio que carrega... - ela sacudiu a cabeça em negação. - Está claro que somos de mundos diferentes, é claro que não pularia se fosse eu.
Era isso o que as pessoas sempre viam quando olhavam para alguém como eu, terno, sapatos, relógio, o dinheiro gritava vida perfeita, solução para os problemas e eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não é verdade, ao menos era até ouvir meu diagnóstico.
- E se fizéssemos uma troca? Você leva meu dinheiro e eu os anos de vida que você quer jogar fora.
Dei alguns passos, me aproximando da loira, aproveitando que ela encarava a distância do terraço até o chão.
Não sei o que tinha me dado quando a vi no parque, dormindo encolhida, agarrada à mochila que servia de travesseiro e se abrigava em baixo de um sobretudo, que não fazia um bom trabalho como cobertor.
Depois a segui até a lanchonete onde trabalhava, sai de lá quando começou a ficar estranho, mas continuei a observar do outro lado da rua e vi o momento exato em que ela subiu até aqui.
- Do que está falando? Você é o maluco que estava na lanchonete hoje mais cedo. Não se aproxime! - ela se virou olhando para mim. - Se chegar mais perto eu vou pular!
- Me perdoe, achei que se jogar já era sua intenção. - Provoquei, mas é claro que não queria que isso acontecesse de verdade, não a deixaria desperdiçar a vida assim, mesmo que aquilo não fosse da minha conta.
- O que você quer aqui? Vá embora e finja que não me viu aqui, seja lá o que for que está querendo, seu velhote riquinho e metido a besta, eu não estou interessada!
O cabelo loiro esvoaçou com a força do vento. Tinha que admitir que ela era linda, uma garota jovem que parecia estar em volta dos seus vinte e três anos, com os olhos azuis mais fascinantes e tristes que já vi na vida.
- Eu estava pensando o mesmo que você, sabe, me jogar daqui e acabar com tudo. - Menti na cara dura, eu jamais cogitaria em tirar minha própria vida, gostava muito de estar vivo e com a vida que muitos queriam, mas enquanto eu falava com ela, conseguia me aproximar.
- Por que um rico faria isso? Se jogaria de um prédio? Que tipos de problemas você pode ter para querer acabar com a própria vida?
- Eu posso te perguntar o mesmo, que tipo de problema uma jovem tem para desejar deixar esse mundo? - Finalmente, tinha sua atenção toda virada para mim. - Que tal se você me contar o seu e eu te conto o meu?
Ela piscou rápido os cílios longos e deu uma última olhada na beirada do prédio. Mas algo na rua a assustou o suficiente para que ela quase perdesse o equilíbrio.
As mãos foram rápidas em agarrar o ferro que rodeava toda a estrutura e no segundo seguinte eu estava lá, a puxando para cima. Uma pessoa que quer se matar definitivamente não segurava uma barra assim para impedir que caia, estava claro que ela não queria isso.
- Te peguei! Te peguei! - exclamei quando cai no chão do terraço abraçado com ela.
O corpo macio sobre o meu parecia não pesar quase nada, tão leve quanto imaginei que seria. Mas o cheiro dos seus cabelos invadiu meu nariz, e para minha surpresa, era incrivelmente bom.
Apertei ainda mais os braços em volta dela, sentindo suas curvas se encaixarem de forma perfeita contra mim.
O choro que explodiu dela me dizia o medo que estava sentindo e todo o desespero. Nunca soube o que era isso até algumas semanas atrás.
- Ele está aqui, me encontrou outra vez. - A garota repetia com o rosto enterrado no meu peito.
- Quem está aqui, querida? - segurei seu rosto, erguendo para que ela me encarasse. As maçãs agora estavam molhadas, o nariz vermelho e os olhos ainda mais assustados. - Eu posso te proteger, é só me dizer quem é.
Os olhos azuis varreram o lugar, como se ela esperasse que algo ou alguém fosse brotar do nada ali. Dava para ver que ela estava morrendo de medo.
- Não posso deixar ele me pegar! Me tira daqui, me ajuda a sair daqui e faço o que você quiser! - pediu com desespero e eu me levantei do chão, espanando todo o pó que consegui, antes de puxá-la junto de mim.
- Ninguém vai te tocar, fique tranquila, não vou deixar que nada de ruim te aconteça. - Abri a porta pesada de ferro e estendi a mão para ela. - Vamos?
- Não podemos ir por aí, ele... ele vai me ver e... Não podemos!
"Ele" então era algum filho da puta que a estava perseguindo. Fazia sentido que ela ficasse olhando em volta a todo segundo enquanto trabalhava.
- Não vou deixar ele chegar perto de você, posso te proteger. - Ela me encarou, desviando os olhos para minha mão estendida, a dúvida transbordando. - Sei que não tem nenhum motivo para confiar em mim, mas te garanto que se vier comigo, ninguém nunca mais vai lhe incomodar!
Então ela aceitou, deslizando a mão delicada e calejada sobre a minha. Eu não perdi tempo, desci as escadas com ela em meu encalço, até alcançarmos o meu carro.
Os olhos dela varreram a rua, em busca desse tal alguém, mas eu a empurrei para dentro do carro, não a queria correndo perigo por ali, olhando em volta, procurando alguém que não lhe incomodaria mais. Porque eu fui sincero quando disse, não deixaria que ninguém a incomodasse mais.