Rufos, ainda sentindo a dor dos ferimentos, resmungou enquanto aplicava um antisséptico. "Maldita garota!"
"É interessante", murmurou Antônio, seus olhos negros fixos na figura adornada. "Oliver vendeu a própria filha para salvar sua pele miserável. Nem hesitou quando viu a arma apontada para sua cabeça." Ele se moveu da cama, observando os traços delicados de Ashley que mascaravam sua natureza combativa. "Mas ela... ela o protegeu até o último momento."
"O pai é um rato de cassino", comentou Fritz com desprezo. "Sempre fugindo das dívidas, sempre se escondendo. Mas a filha..." ele observou para os ferimentos marcados no rosto de Rufos, "ela surpreendeu todos nós de frente."
Antônio circulou pela cama lentamente, analisando sua aquisição mais recente. "Oliver nunca mereceu uma filha assim. Vender a própria carne e sangue..." Ele fez uma pausa, um sorriso sombrio se formando em seus lábios. "Mas talvez tenha sido melhor assim. Ela tem potencial que seria desperdiçado com aquele covarde."
"Chefe", disse Foster, "precisaremos reforçar a segurança. Depois do que vi hoje, tenho certeza de que ela tentará fugir na primeira oportunidade."
"Deixe que tente", respondeu Antônio, sua voz transmitiu satisfação. "Quero ver até onde vai essa força. É refrescante encontrar alguém que não se dobra facilmente." Ele parou próximo à janela, observando o jardim. "Oliver se corta como um galho seco, mas ela... ela tem o espírito de uma verdadeira guerreira."
Rufos, ainda cuidando de seus ferimentos, perguntou: "E se ela tentar algo mais... drástico?"
Rufos se debruçava sobre a pia do banheiro, seu corpo de quase dois metros de altura mal cabe no espaço. O espelho refletia um homem impressionante - ombros largos como uma porta, pescoço grosso como um tronco de árvore, e braços musculosos cobertos de tatuagens meio apagadas pelo tempo. Seu rosto quadrado, normalmente intimidador com a cicatriz que cortava sua sobrancelha esquerda, agora estava marcado por cicatrizes profundas que desciam pela bochecha.
"Maldição!", praguejou, observando a mordida em seu antebraço direito. Era uma marca profunda em forma de meia-lua, os dentes de Ashley haviam penetrado a carne com força surpreendente, deixando um semicírculo perfeito de pequenos cortes que ainda sangravam. A pele ao redor já começava a mostrar tons de roxo e verde, prometendo um hematoma impressionante.
"Parece que foi atacado por um gato selvagem", provocou Foster da porta, um sorriso irônico brincando em seus lábios.
"Cala a boca!", Rufos rosnou, seu rosto ficando vermelho de raiva. "Quero ver você tentar segurar aquela pequena fera. Ela não é normal... tem o diabo no corpo!" Passou a mão em sua careca reluzente, onde um arranhão particularmente profundo formava uma linha vermelha da têmpora até a nuca.
"Ela não vai desistir tão facilmente", respondeu Antônio com sinceridade. "Não é do tipo que escolhe a saída fácil. Vai lutar, vai planejar, vai tentar nos enganar." Seu olhar voltou para Ashley. "É exatamente isso que se torna tão... interessante."
No dia seguinte, Ashley despertou lentamente, a luz suave do sol filtrando-se através das cortinas de um quarto elegantemente decorado. Quando abriu os olhos, a primeira coisa que notou foi o esplendor ao seu redor: paredes adornadas com papel de parede delicado, móveis de madeira escura e um grande espelho emoldurado que refletia sua imagem. No entanto, ao olhar para baixo, percebeu estar vestindo apenas uma camisola fina, que deixava sua pele exposta e vulnerável.
Um frio na barriga se instalou, e a sensação de desamparo a invadiu. O quarto, por um momento, a fez lembrar da casa que tinha no passado, antes de seu pai se perder nos vícios e no jogo, quando a vida parecia mais simples e cheia de esperança. Mas essa nostalgia rapidamente se transformou em determinação. "Nada disso importa," pensou, forçando-se a se concentrar. "Eu tenho que sair daqui."
Ashley se levantou da cama com cuidado, tentando não fazer barulho. Cada passo era uma mistura de cautela e urgência. Ela olhou ao redor, observando cada detalhe do quarto, em busca de uma saída. A porta estava fechada, mas havia uma janela grande, emoldurada por cortinas pesadas, que dava para um jardim exuberante.
Caminhando até a janela, ela se aproximou cautelosamente e olhou para fora. O jardim era bonito, mas a visão não oferecia conforto. Havia cercas altas e guardas patrulhando a área, e a percepção de que estava presa a deixou ainda mais angustiada. "Eu preciso ser rápida e esperta," pensou, respirando fundo. "Não posso deixar que eles me mantenham aqui."
Ashley começou a explorar o quarto, procurando qualquer coisa que pudesse ajudá-la a escapar. O armário estava cheio de roupas luxuosas, mas nada delas parecia útil naquele momento. Ela então se lembrou do espelho e decidiu checar se havia algo atrás dele ou alguma forma de saída.
Enquanto ela examinava o espaço ao redor, sua mente estava em alta velocidade, planejando cada movimento. Lembrou-se das histórias que sua mãe contava sobre coragem e determinação, e isso a motivou a continuar. "Eu sou mais forte do que eles pensam," ela disse para si mesma, a determinação crescendo.
Com cada batida do coração, Ashley sabia que precisava agir rapidamente. O tempo estava passando, e a única coisa que importava agora era sua liberdade. "Eu não posso ficar aqui. Eu não vou deixar que isso se torne minha vida," ela sussurrou, a força de uma leoa pulsando dentro dela enquanto continuava sua busca pela saída.
Enquanto descia as escadas, visualizou a grande porta de entrada e decidiu provar a sorte.
Ashley hesitou ao ouvir a voz firme de Antônio, que irrompeu em seu momento de liberdade. "Não vai tomar seu café!" ele disse, sem qualquer vestígio de simpatia, enquanto a observava com um olhar penetrante. A jovem se virou rapidamente, o coração disparado, e sentiu um frio na barriga ao ver a figura imponente dele, erguendo uma xícara de café com a mesma confiança de sempre.
A vergonha invadiu ao perceber como estava vestida e, instintivamente, ela se cobriu com os braços, tentando proteger sua dignidade. Nesse momento, um senhor de uniforme, que parecia o mordomo, se aproximou e entregou a ela um robe de veludo negro, que caiu suavemente em seus ombros. "Vista-se, minha senhora," ele disse com uma reverência respeitosa, e Ashley agradeceu, colocando o robe rapidamente.
"Venha, tome algo. Lá fora faz frio," Antônio disse, a voz mantendo seu tom autoritário, mas com um leve toque de desprezo pela resistência dela.
Sem alternativas e ainda em estado de choque, Ashley seguiu Antônio até um salão espaçoso, onde uma mesa enorme estava adornada com uma variedade impressionante de comidas. O aroma dos pratos deliciosos fez seu estômago roncar, e a lembrança de dias difíceis e de passar fome ao lado de seu pai a atingiu com força. Ela se lembrava de como eles viviam à base de pão e água, e a ideia de estar diante de um banquete tão luxuoso era quase surreal.
Johnson, o mordomo, puxou uma cadeira para ela, oferecendo um lugar à mesa. Ashley hesitou por um momento, mas a fome era mais forte que o medo. "Sente-se, jovem," ele disse com uma gentileza que contrastava com a presença de Antônio. "Você não comeu nada nos últimos dias."
Ashley se sentou, sentindo-se um tanto deslocada no ambiente opulento. Enquanto era servida com respeito, ela olhou para os pratos repletos de iguarias, seu estômago rugindo novamente em protesto. "É tudo tão diferente," pensou, lembrando-se de suas refeições simples e dos momentos de luta com seu pai.
Antônio observava-a com um olhar calculista, como se estivesse avaliando cada movimento dela. "Aproveite a comida, Ashley. Você precisará de energia," disse ele, sua voz grave e controlada. "A vida aqui não é como a que você conhecia. Aqui, você precisa aprender a se adaptar."
Ashley forçou um sorriso, mesmo que não houvesse alegria em seu olhar. "Não estou aqui para me adaptar, Sr. Mandão!," ela respondeu, sua voz firme. "Encontrarei uma saída."
Antônio arqueou uma sobrancelha, admirando a bravura dela, mas também ciente de que a verdadeira luta estava apenas começando. Enquanto ela começava a comer, ele não podia deixar de pensar que, mesmo em sua vulnerabilidade, Ashley era uma força a ser reconhecida. "Vamos ver o quanto você é forte, minha leoa," ele pensou, observando-a com interesse renovado.
Enquanto Antônio terminava seu café, observando-a com um olhar que misturava desdém e curiosidade, ele se levantou da mesa sem dizer uma palavra. Johnson, o mordomo, acompanhou sua presença silenciosa, contrastando com a agitação crescente de Ashley. Ela não conseguiu desviar o olhar da mesa repleta de pratos tentadores, como se estivesse em um estado de quase transe, devorando a comida com uma voracidade que não sentia há muito tempo. Era como se ela estivesse estocando comida para um inverno interminável, cada garfada sendo um ato de resistência, uma forma de recuperar o que havia perdido. O estômago roncando e a sensação de fraqueza da falta de alimento nos últimos dias a impulsionavam a comer mais do que o necessário. Cada pedaço de pão quente, cada fatia de fruta fresca, era um lembrete do que tinha sido privado.
Ashley estava tão absorta em sua refeição que não percebeu como o tempo passava até que Johnson se aproximou novamente. "Se precisar de mais alguma coisa, é só me chamar," ele disse, sua voz suave e atenciosa. Mesmo em meio à tensão e ao medo, a bondade dele era um pequeno consolo.
"Obrigada," Ashley respondeu, ainda concentrada em seu prato. Ela queria aproveitar cada momento, cada sabor, como se essa fosse sua última refeição. A ideia de que poderia ser verdade a fez acelerar ainda mais o ritmo.
Enquanto isso, Antônio, já longe da mesa, conversava em voz baixa com Johnson, discutindo os próximos passos de seu plano. Ele sabia que precisava manter Ashley sob controle, mas também queria observar como ela reagiria ao novo ambiente e às novas circunstâncias.
"Ela é mais forte do que parece," Antônio comentou, uma expressão no rosto, revelando um misto de respeito e desafio. "Precisamos ter cuidado com ela. Não podemos subestimar sua determinação."
Johnson acenou com a cabeça, compreendendo a gravidade da situação. "Sim, senhor. A segurança está reforçada, mas ela é astuta. Precisamos estar vigilantes."