Capítulo 4 Um trabalho tranquilo

Uma certa manhã recebi uma mensagem da guilda me informando que precisava comparecer para uma missão de escolta. Esta missão parecia tão simples quanto qualquer outra; na verdade, bem mais simples. O trabalho era defender um grupo de coleta, um trabalho bem simples como eu disse. Enquanto eu estaria fazendo esse trabalho, uma equipe diferente partia para a caçada, eliminando os Monstros no campo de caça supervisionado pela guilda.

Como não era nada muito complicado, estaríamos em apenas seis Guardiões, entre escolta e caça. Quatro de nós ficaríamos perseguindo as criaturas, enquanto os outros dois ficariam vigiando. Os quatro coletores, por sua vez, iriam extrair os itens úteis dos corpos das feras. Como aquele era um processo muito demorado, mais Monstros poderiam aparecer atraídos pelo cheiro de sangue.

Como o campo que costumávamos usar já estava conquistado, não havia Monstros tão difíceis à vista. A guilda apenas espalhava iscas para atrair mais deles e matá-los para recolher os materiais. Os coletores iriam extrair o couro, a essência e dependendo do tipo da fera, o sangue. Muitos daqueles itens poderiam ser usados para criar armas básicas, como pontas de flechas, e até mesmo serviam para melhorar as capacidades dos Guardiões. Passamos cerca de duas horas entre caçar e coletar. Foram mais ou menos 40 Monstros mortos. Estávamos com tudo naquele dia. Devo confessar que eu queria mesmo era fazer parte do grupo das Masmorras. Além de mais materiais para ajudar no meu processo de aprimoramento, eu poderia ganhar um pouco mais de experiência do que caçar nesses campos externos.

Infelizmente para mim, ser fraco era um pecado mortal. Ficar apenas no trabalho fácil seria o mesmo que receber menos e eu não podia fazer outro tipo de trabalho. Eu era fraco, os monstros que apareciam durante as missões de escolta eram os mais suaves. O que eu queria mesmo era participar do grupo de caça, sentir um pouco da emoção da batalha e escapar dessa vida monótona, mas eu nunca passei nos testes da guilda.

O trabalho de hoje era diferente, era um pedido da Associação de Aprimoramento de Minério (AAM) para averiguar o estado de uma caverna nova que tinha surgido. As informações eram poucas já que fora descoberta há pouco tempo, mas devido à amizade de nosso mestre de guilda com um Magistrado da associação, conseguimos assumir esse pedido de patrulha.

Masmorras, como falei mais cedo, eram onde os Monstros emergiam como uma horda maldita de demônios. Os campos de caça normalmente ficavam nos arredores de uma Masmorra, e mesmo assim, ainda era difícil encontrar essas cavernas. Algumas delas ficavam muito bem escondidas e não dava para sentir a energia pesada que elas exalavam. Alguns Djins conseguiam sentir essa energia e eles eram muito procurados por guildas, tanto que hoje as maiores guildas monopolizaram esses Djins.

Monstros nasciam do Chefe da Masmorra, mas era no coração da caverna que ficava o real problema. Com o tempo, esse núcleo acumulava muita dessa energia estranha e a população de Monstros crescia de maneira quase infinita. Esse era o real fenômeno que fazia o estouro de Masmorra acontecer, por muito tempo não se conhecia essa informação e o problema parecia que nunca teria fim.

Algumas vezes por mês, Guildas eram entravam nas Masmorras e destruíam estes corações antes que ficassem maduros. Nossa guilda não era uma das mais influentes, comparada às outras ela era até pequena, mas fazíamos bem este tipo de trabalho. Para ter acesso ao coração, o núcleo do Chefe precisava ser cuidadosamente retirado, e utilizado em uma parte da Masmorra para desbloquear a passagem que levava até ele. Hordas de Monstros precisavam ser derrubadas para abrir um caminho seguro. O maior problema estava em retirar e transportar o núcleo, pois ele era muito volátil, um erro e tudo iria pelos ares.

Masmorras sempre causaram muitos problemas para a sociedade. Ainda não se compreendia o acúmulo dessa energia estranha. Com frequência, Guildas especializadas eram enviadas para patrulhar. Se não conseguissem lidar com as ameaças, uma ordem de limpeza era expedida para uma guilda maior disponível. Como disse, esse trabalho tinha que ser feito frequentemente, se vacilássemos, a quantidade de monstros nos entornos das Masmorras poderia sair do controle. Nos arredores das Masmorras de nível baixo, as associações de cada cidade já mantinham um controle mais restrito, conseguindo tirar o sustento para as pessoas, mas no início foi um pesadelo. Cidades inteiras passaram fome quando a Primeira Onda de Monstros veio.

Naquele tempo, a humanidade não estava pronta para tal ameaça. Os Guardiões, poucos em número e experiência, levaram a uma profunda crise. Com o tempo, mais Guardiões surgiram, amenizando a situação. Era algo engraçado, o "mundo" sempre parecia saber quando estávamos a um passo do colapso e dava um impulso para a humanidade resistir, mas com os anos essa intervenção milagrosa foi ficando mais escassa.

A luta atual dos Guardiões era conter o avanço dos Monstros de alto nível ao redor das masmorras recém-descobertas, mas os Monstros normais daquele lugar eram poderosos demais. Você já deve ter percebido aqui que a humanidade não podia viver sem a proteção dos Guardiões, seu controle político do mundo já estava enraizado e ficava maior a cada dia. Já havia Guildas que controlavam alguns países.

Estávamos fazendo um ótimo trabalho naquele dia, provavelmente receberíamos um bônus da administração da guilda, e mesmo assim, algo me incomodava. Estava ficando inquieto, já tinha um tempo que o grupo de caça não entrava em contato e isso estava me deixando preocupado. A cada 15 minutos mandávamos sinais uns para os outros, mas já não estávamos recebendo faziam dois ciclos, e logo mais seria o terceiro. Tivemos que lutar contra um Monstro durante esse tempo e os coletores estavam tirando o material do seu cadáver. Havia um rádio para caso de emergência, mas usar poderia dar a localização do outro grupo e isso os prejudicaria na caçada.

- Eu vou passar um rádio para eles – falei para minha companheira.

- Eles podem reclamar... – ela disse com um suspiro – Você sabe muito bem como são aqueles caras.

Sim. - respondi - Mas já faz muito tempo que eles não enviam nenhum sinal. Estou começando a ficar preocupado.

Dando de ombros, ela não parecia que iria me impedir, mas seu semblante era de um claro incômodo. Como eu e ela não tínhamos cargos muito altos dentro da guilda, éramos tratados como capacho dos outros Guardiões. Passei um rádio para o outro grupo e esperei por uma resposta que nunca veio; fiquei mais apreensivo a cada tentativa falha; até cheguei a conferir a frequência por achar que podia ter mudado ela sem quer, mas não era o caso.

Me afastar um pouco do grupo de coleta até foi uma ideia que passou por minha cabeça, mas seria perigoso deixar minha companheira sozinha. Quando minha aflição já estava chegando ao ponto de me deixar maluco, um dos caçadores pulou de dentro dos arbustos. Ele estava suado e havia sangue escorrendo de suas vestes. Sua armadura tinha alguns arranhões recentes espalhados; fiquei assustado, não deveria haver um inimigo tão problemático nesse lugar.

- O que aconteceu?! – perguntei tenso.

- Eu conto no caminho! – ele bravejou – Você aí, nós vamos embora!

- Mas... – um dos coletores retrucou.

- Rápido não tem... – ele começou a gritar irritado, mas algo atravessou seu peito. Todos ficamos pálidos quando vimos aquilo, e os coletores já começaram a correr por suas vidas. Os membros do grupo de caçadores tinham o nível mais alto do nosso grupo, e óbvio que eram os mais fortes entre todos ali. Se um deles foi morto tão facilmente, os coletores não teriam a menor chance. Ainda paralisado pelo ataque surpresa, acompanhei com os olhos enquanto o corpo do caçador era suspenso no ar e jogado como um boneco para o lado. Seu assassino revelou-se um gigante escorpião avermelhado.

            
            

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