Capítulo 5 Sangue, suor e veneno

Ao ver aquele Guardião ser morto tão facilmente, meu corpo inteiro se arrepiou, e saltei para o lado, esquivando por um fio de cabelo de um ataque que me esmagaria contra o chão. Olhei para o atacante e ali estava outro escorpião. Minha companheira disparou algumas flechas contra a criatura, mas sua carapaça blindada protegia as partes mais moles de seu corpo. Antes que eu pudesse perceber, um ataque me acertou bem no meio das costelas, e se não fosse pela armadura, minhas costelas estariam quebradas. Dei alguns passos para trás e um terceiro escorpião estava surgindo por entre os arbustos.

Aqueles não eram os monstros que costumavam aparecer naquela região, esses eram muito mais poderosos.

- Vamos recuar! – gritei para minha companheira.

- Sim! – ela respondeu, disparando mais algumas flechas – Essas porcarias não deveriam estar aqui, droga! Venha, Kuma!

Com o comando, aconteceu uma explosão de luz e fumaça, como aquelas explosões de bomba ninja. Então, uma pequena criatura surgiu. Seu corpo era rechonchudo, um pouco maior que um bebê de 3 ou quatro anos e parecia um urso. Seu corpo era fofo e cheio de pelos, mas não parecia um urso de verdade, estava mais para uma pelúcia realista. Djins podiam ganhar habilidades de combate conforme lutasse, mas era pouco eficiente e muito perigoso para eles.

Os gastos já anormais para nutrir as habilidades comuns, apenas aumentavam quando se queria criar um Djin combatente. Para lutar, os Djins precisavam de roupas próprias, e armaduras feitas de material mais raro e específico tornava criar essas proteções mais complicadas.

Aquele Djin não usava proteção alguma, mas assim que balançou o pequeno braço, um escudo redondo surgiu. Aquele era um escudo muito básico, parecia feito de ferro e nem mesmo deveria estar encantado. Respirei junto, queria protestar, mas a situação estava muito complicada para me dar ao luxo. Enquanto desviava de um ataque da calda da criatura, ouvi o poderoso golpe que o Djin desbravou e vi com o canto dos olhos seu pequeno corpo voar ao encontro de uma árvore próxima. Minha companheira estalou a língua irritada e praguejou contra o Djin; eu fiquei calado, engolindo minha raiva.

Foi então que ouvi a mesma explosão ao meu lado. Suspirei pesado e logo escutei a voz inconfundivelmente grave do meu Djin praguejando contra mim.

- Você não ia me invocar, né, seu arrombado?! – ele bravejou.

- Era tão obvio assim? – respondi com uma risada – Estamos em desvantagem aqui, é muito melhor fugir. Você continua ferido.

- Um Djin de verdade se recupera bebendo o sangue dos inimigos! – ele disse estalando os próprios dedinhos e sorrindo como um maníaco.

Todo Djin, no geral, tinha o mesmo tamanho, variando apenas na forma. Mas Ikki era um pouco diferente. Sua aparência era agressiva e musculosa, seus pelos negros reluziam fazendo contraste com a pelagem branca de suas costas; para ajudar você a imaginar, pense nele como um Ratel.

Seu corpo, no entanto, era bem mais musculoso e os pelos de suas costas pareciam uma juba, um peteado estiloso, como aqueles roqueiros que fizeram muito sucesso nos anos 90. Eu gastei um pouco conseguindo algumas roupas para ele, e como não possuía muito dinheiro, não tinha como conseguir coisa melhor, mas pelo menos meu Djin tinha estilo. Como ele era daquele jeitão bem agressivo e irritado o tempo todo, eu coloquei algumas roupas que deixavam ele ainda mais intimidador.

Seus pulsos e tornozelos tinham spikes. Juntei um pouco de dinheiro e mandei fazer uma jaqueta de couro e calças apropriadas para o seu tamanho. Tentei fazê-lo usar botas, mas suas unhas grandes sempre acabavam destruindo-as, então desisti. Muitos achavam frescura vestir os Djins, mas sinceramente, para mim era uma espécie de diversão.

- Não é inteligente ficarmos cercados – suspirei.

- Você é muito mole! – ele rosnou – Qual o problema de ficar cercado por uns 10 inimigos? São mais alvos para bater!

A calda de um escorpião estalou como um chicote e acertou Ikki, seu pequeno corpo foi praticamente coberto por aquela calda musculosa. Se fosse outro Djin, ele teria se quebrado inteiro, mas ele era diferente; apenas suspirei imaginando que agora ele ficaria louco. Ikki detestava ataques surpresas e odiava ser interrompido.

- Ei, seu merdinha... – o Djin cravou as unhas enormes na couraça blindada do escorpião – Não é educado interromper a conversa dos outros.

Ikki urrou de ódio. Os pelos de seu corpo ficaram completamente eriçados e eu podia sentir a sede de sangue em seus olhos. O Djin saltou contra a criatura, atacando entre arranhões e mordidas. Aquele escorpião tentava se proteger com as garras interpondo entre os ataques do Djin, mas a cada pancada, um novo rasgo surgia em sua carapaça. As garras do pequeno guerreiro cortavam aquela blindagem como manteiga, era engraçado de ver, como diabos Ikki conseguia fazer aquilo que nem mesmo eu, um Guardião armado, conseguia?

Respirei fundo, tentando acalmar meu coração acelerado e parti para cima daquela criatura também. Como eu disse mais cedo, meu Djin era especial, ele não veio com nenhuma habilidade de criação ou coleta, não tinha delicadeza nenhuma para essas coisas. Ele veio com habilidades voltadas para o combate, era estranho, porque sempre pareceu que Ikki possuía uma Classe como qualquer Guardião, mas eu não conseguia vê-la. Quando eu o questionava sobre isso, sua resposta era sempre a mesma: "Sou foda, porra!".

Eu e Ikki fomos chamando a atenção dos escorpiões enquanto a caçadora procurava uma posição melhor para disparar. Não demorou muito para que nós dois ficássemos cercados por 5 daqueles escorpiões gigantes. Poderia ganhar algum tempo para deixar os coletores chegarem em um lugar seguro, mas precisávamos fugir dali quanto antes. Ao coordenar meus ataques aos do meu pequeno companheiro, conseguimos derrubar três daquelas criaturas. Com o canto dos olhos, percebi que faltava pouco para upar, mas meu corpo inteiro gemia. Estava exausto, meu coração parecia que estava tentando sair pela boca e notava que meu Djin estava igual. Tomei uma poção de vitalidade e senti meus músculos relaxarem, e minha última dei para Ikki beber.

Eu podia sentir os olhos afiados da arqueira fuzilando minha nuca, e não precisava ser um gênio para saber o que ela estava pensando. Normalmente, dar poções além dos biscoitos de recuperação, era um desperdício, mas eu não via dessa forma. Ikki era meu camarada, dividimos as dores e as alegrias a cada batalha. Aquele Djin já fez mais por mim do que qualquer outro Guardião possa ter sonhado um dia que fará. Então, cuidar bem dele era o mínimo, independente das críticas de gente estranha.

- Algo está estranho... – resmunguei – Essas coisas são inteligentes demais.

Eu não conseguia ler a mente do meu Djin, mas eu sabia que ele estava pensando o mesmo. Sua irritação só aumentava a medida que os escorpiões trocavam de posição, compartilhando o dano que causávamos. Sempre havia um Monstro à frente recebendo os danos mais pesados, e quando um limite era atingido, algum outro tomava a frente, enquanto nos empurrava para trás com ataques pesados. Aquela batalha estava demorando muito mais do que deveria justamente por isso. Era estranho, a batalha estava difícil, mas não justificava ter o grupo de caça destroçado. Algo estava errado, eu podia sentir, mas o que poderia ser?

Quando estava para enterrar uma das espadas no meio do "rosto" daquele escorpião, senti a nuca arrepiar. Parei imediatamente e pulei para o lado, ouvindo o zunido de uma flecha cortando o ar; aquilo acertaria no meio de minhas costas se não tivesse desviado.

- Ei, cuidado! – gritei para a mulher.

Atrás da mulher uma enorme sombra apareceu, mas não tive tempo de fazer nada além. Aquilo balançou uma enorme espada e cortou a arqueira no meio com aterradora facilidade. Meu corpo inteiro gelou. Eu já tinha presenciado enorme brutalidade em todos aqueles anos como Guardião, mas ver outro ser morto daquele jeito era demais. O sangue espalhou, pintando toda a grama com o líquido carmesim.

            
            

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