Capítulo 3 Fagulha

Verônica sorriu, brincando com a haste da taça entre os dedos.

- E quais seriam essas dicas milagrosas?

Miguel apoiou o antebraço no balcão, se aproximando ligeiramente.

- Alongamento, hidratação, um banho quente... e, claro, massagem.

Ela arqueou uma sobrancelha.

- Então, além de personal trainer, você também é massagista?

- Digamos que tenho habilidades versáteis. - O sorriso dele tinha um toque de provocação.

Verônica soltou uma risada e balançou a cabeça.

- Acho que vou ficar com o banho quente.

- Justo. Mas se mudar de ideia... - Miguel apontou para o próprio ombro, dando de ombros com leveza.

Ela não pôde evitar o riso. Era estranho sentir-se assim de novo, leve, flertando sem medo do que vinha depois. Gustavo nunca fora do tipo brincalhão, nunca criara esse tipo de conexão espontânea com ela.

E talvez fosse isso que mais a intrigava em Miguel.

- Você vem sempre aqui? - perguntou, mudando de assunto.

- De vez em quando. - Ele deu um gole na própria bebida. - Mas hoje eu quase não vim. Acho que foi o destino.

Verônica revirou os olhos, rindo.

- Essa foi péssima.

- Foi? Pensei que estava indo bem.

- Está confiante, hein?

- Só quando tenho motivo.

A intensidade no olhar dele fez seu coração acelerar. De repente, a música ao fundo, o barulho das conversas, tudo pareceu diminuir. Miguel tinha esse efeito: fazia com que ela sentisse que era a única pessoa ali.

Antes que pudesse responder, Clara voltou, carregando duas taças de vinho e um sorriso maroto.

- Pelo jeito, estou atrapalhando alguma coisa.

Verônica pegou sua taça, tentando disfarçar o rubor nas bochechas.

- De jeito nenhum. Miguel estava me dando dicas para sobreviver ao pós-treino.

- Ah, claro. - Clara lançou um olhar divertido para Miguel. - Você é bom nisso? Porque minha amiga aqui está precisando de um guia completo para a nova fase dela.

Miguel deu de ombros.

- Se ela deixar, eu ajudo no que for preciso.

Clara ergueu uma sobrancelha, como se soubesse que aquelas palavras tinham um duplo sentido.

- Bom, então acho que posso deixá-los conversando mais um pouco. Preciso ir ao banheiro. - E antes que Verônica pudesse protestar, Clara já tinha sumido na multidão.

Agora, novamente, só os dois.

Verônica respirou fundo, decidindo quebrar o silêncio.

- Então... quer me dizer a verdade?

Miguel inclinou a cabeça.

- Sobre o quê?

- Sobre por que realmente veio falar comigo.

Ele sorriu de lado.

- Porque você me intrigou.

- Me intrigou?

- É. No treino, você parecia determinada, mas também meio perdida. Como se estivesse tentando provar algo... e não para mim.

O sorriso de Verônica desapareceu um pouco.

- Eu só... quero me sentir melhor comigo mesma.

- Isso eu entendo. Mas a questão é: você está fazendo isso por você... ou por alguém que nem merece seu esforço?

As palavras dele a atingiram de uma forma inesperada. Como Miguel conseguira ler algo que ela mesma ainda lutava para entender?

Ela mordeu o lábio inferior e desviou o olhar.

- Ainda estou descobrindo.

- Então espero que, no final, você perceba o quanto vale.

A sinceridade na voz dele fez algo se agitar dentro dela. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que alguém realmente a via.

E isso era assustador.

- Quer dançar? - Miguel perguntou, estendendo a mão.

Ela piscou, surpresa.

- Eu?

- Sim. Vai me dizer que está dolorida demais até para isso?

Ela hesitou por um momento, mas então pensou: Por que não?

Com um sorriso desafiador, Verônica pegou a mão dele.

- Só se você me prometer que vai pegar leve.

- Eu sempre pego leve no começo.

E com isso, Miguel a puxou para a pista de dança.

E talvez, apenas talvez, aquela fosse a primeira vez que Verônica realmente sentia que estava vivendo de novo.

O bar continuava vibrante, repleto de vozes e risadas, mas Verônica sentia como se estivesse em uma bolha particular. Miguel se afastou apenas o suficiente para que ela recuperasse o fôlego, mas ainda estava ali, próximo o bastante para que sua presença continuasse a provocar arrepios sutis em sua pele.

Clara acenou para o garçom e, minutos depois, três novas taças de vinho foram postas sobre a mesa.

- Então, Miguel... - Clara começou, com um sorriso astuto. - O que exatamente você faz além de torturar novatas na academia?

Ele riu, levando a taça aos lábios antes de responder:

- Não sou tão cruel assim. Mas além de personal, também dou aulas de defesa pessoal.

Verônica ergueu as sobrancelhas.

- Defesa pessoal?

- Sim. Acho que todo mundo deveria saber pelo menos o básico. Nunca se sabe quando pode ser útil.

Clara cutucou o braço de Verônica.

- Olha aí, amiga. Além de treinar seu corpo, pode aprender a se defender. Um pacote completo.

Verônica rolou os olhos, mas o comentário ficou martelando em sua mente. Ela nunca havia pensado em algo assim, mas talvez fosse exatamente o tipo de coisa que precisava.

- Você dá aulas para iniciantes? - perguntou, mais curiosa do que gostaria de admitir.

- Claro. Se quiser, posso te ensinar.

- Não sei... sou meio desajeitada para esse tipo de coisa.

Miguel inclinou a cabeça levemente, estudando-a com atenção.

- Sabe qual é a primeira lição da defesa pessoal?

Ela negou com a cabeça.

Ele sorriu.

- Confiança. Se você entra numa situação acreditando que não pode, já perdeu metade da batalha.

As palavras dele a atingiram de um jeito inesperado. Não era só sobre luta, era sobre a vida.

Ela segurou o olhar de Miguel por um instante antes de responder:

- Ok. Me ensina.

O sorriso dele se alargou.

- Achei que você diria isso.

Clara ergueu a taça em um brinde.

- Adoro ver minha amiga assumindo o controle!

Eles brindaram, e Verônica sentiu algo dentro dela mudar. Talvez aquela noite não fosse só sobre se divertir ou esquecer o passado. Talvez fosse o começo de algo maior.

E pela primeira vez em muito tempo, isso não a assustava.

            
            

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