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O ar da manhã estava fresco quando Verônica chegou à academia. Ainda havia poucas pessoas treinando, e o ambiente parecia mais silencioso do que o normal. Ela ajeitou a alça da bolsa no ombro, respirando fundo antes de entrar.
Miguel já estava lá, como sempre. Ele conversava com um aluno perto do ringue de boxe, mas assim que a viu, sorriu e acenou.
- Bom dia, novata. Veio para sua primeira aula de defesa pessoal?
Ela riu, balançando a cabeça.
- Você realmente não perde tempo, né?
- Eu sou eficiente. - Ele jogou uma toalha sobre o ombro e se aproximou. - Pronta para aprender a se defender?
Verônica hesitou por um momento. Ela sempre evitou qualquer coisa que envolvesse luta, mas havia algo na forma como Miguel a encarava - como se acreditasse genuinamente nela - que a fazia querer tentar.
- Pronta. - Ela sorriu, decidida.
Os primeiros minutos foram mais sobre postura e equilíbrio do que golpes. Miguel a ensinou a se posicionar corretamente, a distribuir o peso do corpo e a manter a base firme.
- Defesa pessoal não é sobre ser forte, mas sobre saber usar seu corpo da forma certa. - Ele se posicionou atrás dela, ajustando suavemente seus ombros. O calor de suas mãos fez um arrepio subir por sua pele.
- Assim está melhor - ele disse, satisfeito.
Ela assentiu, tentando ignorar o efeito que a proximidade dele causava.
- Agora, o básico. Se alguém agarrar seu braço, o que você faz?
Verônica franziu a testa.
- Grito?
Miguel riu.
- Isso ajuda. Mas quero te ensinar a se soltar. Aqui, segura meu braço.
Ela o fez, e ele demonstrou um movimento simples, girando o pulso para se libertar.
- Agora sua vez.
Ele segurou seu pulso com firmeza, mas não machucando. Verônica tentou repetir o movimento, mas falhou na primeira tentativa.
- Use o impulso do seu próprio corpo. Tente de novo.
Ela inspirou fundo e tentou novamente. Dessa vez, conseguiu soltar a mão.
- Isso! Viu? Você é mais forte do que pensa.
Verônica sorriu, sentindo um pequeno orgulho crescer dentro dela.
- Quer tentar algo mais desafiador?
Ela arqueou a sobrancelha.
- Isso foi só o aquecimento?
- Digamos que foi a introdução. - Miguel cruzou os braços, observando-a. - Você está pronta para aprender a derrubar alguém?
Verônica piscou, surpresa.
- O quê? Eu?
- Sim. Vem cá, vou te mostrar.
Miguel se posicionou ao lado dela e demonstrou um golpe rápido que usava o peso do corpo para derrubar um oponente sem precisar de força bruta.
- Agora você. Tente me derrubar.
Ela riu, incrédula.
- Você está brincando, né?
- De jeito nenhum. Vamos lá, Verônica. Me surpreenda.
Desafio aceito. Ela respirou fundo, tentou repetir os movimentos que ele ensinou e, em um instante, Miguel estava no chão, olhando para ela com um sorriso surpreso.
Verônica arregalou os olhos.
- Eu fiz isso?
- Fez. - Ele sentou-se no tatame, rindo. - Eu avisei que você tinha potencial.
Ela estendeu a mão para ajudá-lo a levantar, mas Miguel segurou seu pulso e, num movimento rápido, a puxou, fazendo-a perder o equilíbrio e cair sobre ele.
Por um instante, ficaram ali, olhos nos olhos, corpos próximos. O coração de Verônica disparou.
- Isso foi golpe baixo - ela sussurrou.
- Defesa pessoal. Você precisa estar preparada para tudo. - O olhar dele desceu até a boca dela por um segundo antes de voltar para seus olhos.
Ela sentiu a respiração acelerar. O mundo ao redor desapareceu de novo. Miguel não precisou dizer nada; tudo estava na forma como a encarava.
Verônica umedeceu os lábios, incerta do que fazer a seguir. Mas então a voz de Clara ecoou do outro lado da academia.
- Opa! Interrompi alguma coisa?
Ela se afastou rapidamente, levantando-se antes que Miguel pudesse prendê-la ali por mais tempo.
Clara se aproximou com um sorriso malicioso.
- Eu só vim ver como minha amiga estava indo, mas parece que as aulas estão mais... intensas do que eu imaginava.
Verônica ajeitou o cabelo, tentando ignorar o rubor subindo pelo rosto.
- Estamos apenas treinando.
Miguel sorriu.
- Exato. Só treinos.
Mas quando seus olhares se encontraram novamente, ela soube que aquilo não era toda a verdade.
E talvez, só talvez, ela não quisesse que fosse.
O restante do treino transcorreu sem novos "acidentes", embora Verônica sentisse o olhar de Miguel sobre ela de tempos em tempos, como se estivesse esperando o momento certo para provocá-la de novo. Mas ela se manteve focada - ou tentou.
Quando terminou, sentou-se em um dos bancos e pegou a garrafa de água. Clara se aproximou e sentou ao seu lado, cutucando seu braço.
- Então... você vai fingir que nada aconteceu?
Verônica rolou os olhos, tomando um gole d'água.
- Foi um acidente.
- Ah, claro. Um "acidente" em que você caiu perfeitamente nos braços do cara mais gato da academia e ficou encarando ele como se estivesse em um filme romântico.
- Clara...
- Amiga, eu te conheço. E conheço homens como Miguel. Ele está interessado.
Verônica desviou o olhar para o outro lado da academia, onde Miguel conversava com outro aluno. Ele riu de algo, e aquele sorriso fez seu estômago se revirar.
Clara suspirou.
- Olha, eu sei que você ainda está tentando entender essa nova versão de você mesma, mas talvez seja hora de perceber que pode - e merece - ser desejada.
Verônica apertou a tampa da garrafa, sentindo a ansiedade crescer.
- E se ele estiver apenas... sendo gentil?
Clara riu.
- Miguel não olha para todo mundo como olhou para você. E, sinceramente? Você precisa parar de pensar tanto. Se quer saber as intenções dele, descubra.
Verônica soltou o ar, sentindo um frio na barriga.
- Como?
Clara sorriu, como se já tivesse um plano.
- Chama ele para sair.
Verônica quase engasgou com a própria saliva.
- O quê?!
- Um café, um jantar... qualquer coisa. Só para ver qual vai ser a reação dele.
Ela abriu a boca para protestar, mas então percebeu algo. O que estava impedindo? Medo? E do que, exatamente?
Miguel olhou em sua direção naquele momento, e seus olhos se encontraram. Ele sorriu de leve, como se soubesse que ela estava pensando nele.
Verônica engoliu em seco.
Talvez Clara estivesse certa. Talvez estivesse na hora de arriscar.
Ela respirou fundo e se levantou.
- E se ele disser não?
Clara piscou, surpresa com a súbita decisão da amiga, e então deu de ombros.
- Então você segue em frente. Mas eu duvido muito.
Verônica ajeitou a roupa e caminhou na direção de Miguel. Seu coração batia acelerado, mas, pela primeira vez em muito tempo, ela sentia que estava no controle.
E isso era libertador.
O jantar com Miguel foi apenas o começo. Depois daquela noite, encontros casuais viraram rotina, e a proximidade que antes era apenas uma tensão entre olhares se transformou em algo inevitável.
O relacionamento deles começou de forma leve, mas intensa. Miguel respeitava o espaço de Verônica, mas também a incentivava a se abrir. Ele a fazia rir, a desafiava e, acima de tudo, mostrava que ela era desejada por quem realmente era.
E então, uma noite, tudo mudou.
Verônica abriu a porta do apartamento com Miguel logo atrás dela. Haviam saído para jantar, mas desde o momento em que ele pegou sua mão dentro do carro, a eletricidade entre eles havia se intensificado.
Assim que a porta se fechou, ele a puxou pela cintura, colando seu corpo ao dela.
- Tem certeza? - Miguel murmurou, a voz rouca, os lábios a milímetros dos dela.
Ela respondeu puxando-o pela gola da camisa e beijando-o com urgência.
A noite foi uma fusão de toques, sussurros e pele contra pele. Miguel a fez se sentir adorada, desejada, como nunca havia se sentido antes.
E pela primeira vez, Verônica não estava se moldando para agradar alguém. Estava vivendo para si mesma.
Os dias seguintes foram de pura euforia. O relacionamento deles se consolidava naturalmente, sem pressões, apenas com a certeza de que algo real estava se construindo.
Até que, certo dia, o passado bateu à porta.
Literalmente.
Verônica estava saindo da academia quando ouviu uma voz familiar chamá-la.
- Verônica?
Seu corpo congelou. Ela se virou lentamente e encontrou Gustavo parado ali, encostado em um carro preto luxuoso.
O ex-marido.
O homem que a descartou sem hesitação.
Mas ele não parecia o mesmo. Estava mais magro, os traços marcados por algo que parecia... arrependimento?
Ela cruzou os braços, mantendo a postura firme.
- O que você está fazendo aqui?
Gustavo deu um passo à frente, os olhos percorrendo-a com algo que antes nunca havia demonstrado: surpresa.
- Eu quase não te reconheci... Você está diferente.
Ela soltou um riso sem humor.
- Sim. Eu mudei.
Ele abaixou o olhar por um momento antes de encará-la de novo.
- Podemos conversar?
Verônica sentiu o coração acelerar, mas não era emoção - era um turbilhão de lembranças que ameaçavam voltar.
Mas uma coisa era certa: agora, ela não era mais a mulher que ele um dia desprezou.
E não tinha certeza se queria ouvi-lo.
Verônica manteve a postura firme, apesar do frio na barriga. Gustavo ali, diante dela, parecia uma lembrança fantasmagórica de um passado que ela lutou para deixar para trás.
- Não sei se temos algo para conversar - ela disse, a voz controlada.
Gustavo suspirou e passou a mão pelos cabelos, um gesto que ela lembrava bem.
- Eu entendo que você pense assim. Mas, por favor... só me escuta.
Ela apertou os dedos ao redor da alça da bolsa. Parte dela queria virar as costas e ir embora. Mas outra parte-curiosa, desconfiada-queria entender o que o trouxe até ali.
- Cinco minutos - disse, cruzando os braços. - Depois eu vou embora.
Ele assentiu, parecendo aliviado.
- Obrigado.
Os dois caminharam até uma cafeteria discreta na esquina da academia. Verônica escolheu uma mesa próxima à janela, mantendo a saída ao alcance da visão. Não queria se sentir presa.
Gustavo pediu um café, mas ela recusou qualquer coisa. Estava ali para ouvi-lo, nada mais.
- Eu sei que fui um canalha - ele começou, encarando a xícara, evitando seu olhar. - Fui egoísta, te deixei de um jeito que você não merecia.
Verônica arqueou uma sobrancelha.
- Só agora percebeu isso?
Ele riu, mas sem humor.
- Eu sempre soube, Verônica. Só não queria admitir.
Ela permaneceu em silêncio, esperando que ele chegasse ao ponto.
Gustavo soltou um longo suspiro antes de finalmente encará-la.
- Eu me arrependi. E, por mais que pareça tarde demais, eu precisava te dizer isso.
Verônica sentiu uma onda de emoções conflitantes. Ela esperou por muito tempo para ouvir aquelas palavras, mas agora que ele as dizia... pareciam vazias.
- Certo. Você disse. E agora? - Sua voz era firme, sem tremores.
Gustavo hesitou, como se escolhesse as palavras com cuidado.
- Agora... eu queria saber se existe alguma chance de recomeçarmos.
O coração de Verônica deu um salto, mas não por nostalgia ou desejo. Foi pura incredulidade.
- Você está brincando, né?
- Não estou. Eu mudei, Verônica. E vendo você agora... tão diferente, tão confiante... Eu percebo o que perdi.
Ela soltou uma risada baixa, balançando a cabeça.
- O que você perdeu? Gustavo, você não perdeu nada. Você me jogou fora. Agora que eu segui em frente, que estou feliz, você aparece dizendo que se arrependeu?
Ele engoliu em seco.
- Eu sei que errei, mas...
- Mas nada. - Ela se inclinou um pouco sobre a mesa. - Você não tem mais poder sobre mim.
Os olhos dele vacilaram, mas ele não desistiu.
- Você está com alguém?
Verônica abriu um sorriso de canto, sem desviar o olhar.
- Sim.
Gustavo pareceu absorver a resposta como um soco no estômago.
- E ele... te faz feliz?
Ela respirou fundo e, pela primeira vez, respondeu essa pergunta sem hesitação.
- Sim. Muito.
Um silêncio pesado se instalou entre os dois. Gustavo olhou para o café intocado e soltou um suspiro derrotado.
- Então... acho que não há mais nada a dizer.
- Não, não há.
Verônica se levantou, pegando sua bolsa.
- Espero que, da próxima vez que perder algo valioso, você perceba antes de ser tarde demais.
E, sem olhar para trás, ela saiu da cafeteria sentindo-se mais leve do que nunca.