Capítulo 5 Lobão

Lobão Narrando

Acordei cedo hoje, coisa que já tô acostumado, tava com aquela sensação de que o dia ia ser corrido. Levantei meio no automático, coçando a cabeça e tentando lembrar onde tinha largado meu isqueiro. A luz que entrava pela janela já deixava claro que o sol tava sem dó. Dei uma espreguiçada daquelas, sabe? Aquela que faz os ossos estalarem. Peguei a camiseta jogada no canto do quarto, vesti sem muito pensar, escovei os dentes, joguei água na cara pra despertar, e fui pra cozinha.

A rotina é sagrada, parceiro. Antes de qualquer coisa, botei a água pra ferver. Enquanto isso, abri o armário e peguei o pó de café. O cheiro já tava subindo, trazendo aquela energia que só quem é viciado em café entende. Passei o café no filtro com calma, como se fosse um ritual. Peguei minha caneca preferida, aquela velha e cheia de marcas de guerra, e me mandei pra varanda. Lá é meu canto de paz, tá ligado?

Me joguei na cadeira, coloquei os pés no parapeito e dei o primeiro gole no café. Quente, forte e amargo, do jeito que eu gosto. Deu aquela acordada boa. Enquanto olhava pro céu, meio distraído, meti a mão no bolso e puxei a seda e o beck que tava só esperando o momento certo. Sou metódico nessas paradas, Peguei o fumo, espalhei com cuidado, dei aquela prensada estratégica, e comecei a enrolar. A seda girando nos dedos, o movimento é quase automático, mas com um carinho especial. É como preparar um cigarro de paciência.

Beck pronto, dei uma lambida rápida na seda pra fechar, peguei o isqueiro e acendi. A primeira tragada é sempre a melhor. O cheiro subindo, a fumaça dançando no ar, e o gosto daquele alívio imediato. Puxei fundo, segurei um pouco nos pulmões, e soltei devagar, vendo a fumaça se perder no vento. A mente começa a desacelerar, sabe? É como se o tempo desse uma pausa.

Fiquei ali, alternando entre goles de café e tragadas no beck. O contraste é perfeito: O amargo quente do café e o gosto encorpado da erva. Fechei os olhos por uns segundos, curtindo a brisa. A cabeça já tava começando a clarear, os pensamentos se organizando, e o corpo relaxando, era o que eu precisava antes de encarar o resto do dia.

Quando terminei o café, dei a última tragada, daquelas bem longas, sabe? Aquela que parece fechar o ciclo. Apaguei o beck no cinzeiro da varanda, Levantei com calma, espreguicei de novo, agora mais leve, e dei aquela ajeitada básica na roupa.

Era hora de encarar a missão. Saí de casa com a cabeça no lugar e o espírito pronto. A sede do comando me esperava, e, embora o dia prometesse ser longo, eu tava pronto. O ritual tava cumprido, e, no fundo, é isso que importa: Começar o dia no meu ritmo, do meu jeito.

Cheguei na sede e, como de costume, o lugar já tava naquela movimentação. Gente entrando e saindo, uns cuidando do corre, outros só marcando presença. Logo na entrada, dei de cara com o Bauru, já lá trocando ideia com o Chefe. Moleque novo, 19 anos, mas tá sempre pilhado pra qualquer coisa. Só faltava o Canhoto, mas nem demorou muito e ele apareceu, atrasado como sempre, mas chegou.

O Chefe não perdeu tempo. Assim que a gente se ajeitou, ele chamou todo mundo pra sala. Lá dentro, o clima era sério. Tinha aquele silêncio pesado que só rola quando vem papo reto. Sentamos ao redor da mesa, e o Chefe já largou o resumo na lata:

- Lobão, cê vai ser o chefe do movimento lá na Penha agora. Já escolheu o Canhoto pra ser seu sub e o Bauru vai ser gerente. Os três tão com a responsa de manter o Comando rodando redondo.

Fiquei na minha, mas por dentro já tava processando a bronca. Não é todo dia que cê recebe esse tipo de promoção, tá ligado? O Chefe continuou:

- Só que é o seguinte, irmão: cês sabem o peso da parada. Quando cada um aqui entrou pro Comando, jurou seguir as regras. Isso não é brincadeira. Agora, mais do que nunca, cês têm que honrar o que prometeram.

Fiz que sim com a cabeça e falei com firmeza:

- Pode contar comigo, Chefe.

Canhoto e Bauru seguiram no embalo, renovando a jura também. Ali, naquele momento, ficou claro que o jogo tinha mudado. O Chefe encerrou com aquele tom de quem já viu de tudo.

- Sejam firmes, não abaixem a cabeça pra ninguém, e mantenham a disciplina. É isso que faz o Comando ser o que é.

Depois que a reunião acabou, Canhoto veio até mim, meio sem jeito, e mandou.

- Valeu pela moral, Lobão. Sei que cê confia em mim, não vou vacilar.

- É isso, irmão. Aqui é parceria. Tá junto, tamo junto, mas confiança, tu sabe que é outro bagulho - Respondi, na lata.

Já o Bauru veio todo felizão, com aquele sorriso que só moleque que tá começando a vida agora tem.

- Caraca, Lobão, gerente? Tá maluco, irmão! Tô pronto pra essa parada! Pô.

Segurei o embalo dele, mas deixei o papo reto.

- Escuta aqui, Bauru. Cê foi escolhido pra somar, não pra brincar de chefe. A responsa é grande, e eu vou cobrar. Tá ligado?

Ele ficou sério na hora e respondeu.

- Tamo de olho, Lobão. Pode contar comigo.

Chamei os dois pra uma missão logo de cara:

- Seguinte, vamo subir lá na Penha agora. Preciso mostrar umas coisas pra vocês.

A Penha é daquele jeito, parceiro. Quem conhece, sabe. O lugar tem sua beleza, com as ruas estreitas e as casas empilhadas umas nas outras, formando aquele labirinto. O som das motos subindo o morro se mistura com o funk que toca em algum canto, e as crianças correndo pelas vielas dão um contraste curioso pro clima de tensão que sempre tá no ar.

Conheço bem essa quebrada, a Naomi mora aqui, ela ainda não sabe que vou ser o chefe. Já vim aqui , mas depois se formou uma rivalidade, e então ela começou a descer, pro meu apê.

Subimos devagar, cumprimentando a rapaziada pelo caminho. A vista lá de cima é surreal, o tipo de coisa que só o Rio tem. Dá pra ver a cidade inteira lá embaixo, mas ao mesmo tempo, cê sabe que tá num dos pontos mais quentes da área.

Chegando lá no pico, encostamos num canto estratégico, de onde dava pra ver tudo. Olhei pros dois e soltei:

- É daqui que a gente controla o jogo. Vocês têm que entender que isso aqui não é só um corre, é uma máquina. Tudo depende de cada peça funcionar direito. Se um vacilar, todo mundo sente.

Canhoto, sempre mais calado, só assentiu. Já o Bauru, cheio de energia, respondeu com um sorriso.

- Pode deixar, Lobão. Vamo fazer o bagulho acontecer.

Eu sabia que os dois tavam prontos, mas ali, na Penha, olhando o horizonte e sentindo o peso do que tava por vir, entendi que o verdadeiro teste só começa agora. Era hora de colocar tudo em prática e mostrar que mereço carregar essa responsa, e eu me tornei O Lobo do Morro.