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Ethan Lancaster nunca teve sorte. Ele sabia disso de cor, como uma velha canção repetida até se tornar parte do seu DNA. Morava em um trailer enferrujado na periferia de Detroit, um pedaço de lata enfumaçada perdido entre os outros trailers na rua tortuosa onde o asfalto se desfez há muito tempo. Sua casa não passava de um abrigo de segunda mão: um lugar para dormir, mas nunca para viver. Não havia luxo. Não havia conforto. Apenas os arranhões no chão de madeira, a lâmpada que piscava no teto e os gatos que se refugiavam no canto da cozinha.
A geladeira estava sempre mais vazia do que cheia, e o som constante do rádio velho, comprado em um brechó há anos, era o único consolo em um mundo que raramente mostrava alguma misericórdia.
Ethan passava seus dias consertando eletrodomésticos velhos e quebrados. O telefone celular que tocava frequentemente era o aviso de que mais um cliente, geralmente desesperado, precisava de ajuda. Às vezes, ele nem precisava sair de casa; o trabalho vinha até ele. Quando alguém tinha algo quebrado - um micro-ondas, uma televisão, um ventilador - Ethan estava lá. Seu maior luxo era esse trabalho sujo. Reparar o que outros não queriam mais. Mas isso não significava que ele fosse feliz. Para ele, era apenas uma maneira de sobreviver. Como uma engrenagem no sistema que nunca o reconheceu.
O rádio, um velho modelo portátil que ainda pegava algumas estações em dias bons, estava sempre ligado ao fundo. A música parecia ser sua única companhia constante. Nada extraordinário tocava, mas a velha voz que anunciava as notícias parecia aliviar a solidão. No verão, ele se sentava na frente do trailer com uma cerveja barata nas mãos, observando o movimento da rua e escutando o som dos carros passarem, sem saber de nada além da rotina que havia criado para si mesmo. Aos domingos, o lugar ficava mais quieto. A maioria das pessoas ia para as igrejas, mas Ethan nunca teve fé. Em Deus? Talvez. Em algo mais? Não. Ele acreditava que as coisas eram do jeito que eram porque o destino, ou a falta dele, tinha sido cruel.
Durante as semanas mais quentes, quando a poeira do asfalto se levantava e a cidade parecia mais abafada do que nunca, Ethan se encontrava em um ciclo que ele já conhecia de cor: acordava às sete da manhã com o som do despertador estridente, tomava um café instantâneo e vestia a velha camiseta da sua faculdade (mesmo que nunca tivesse terminado o curso) e as calças jeans que já estavam mais gastas do que o próprio trailer. Seu café nunca passava de duas xícaras e ele não se importava muito se tinha ou não algo para comer. Às vezes, o trabalho que ele fazia o sustentava, mas a verdade era que a comida era escassa e o dinheiro raramente sobrava.
Ele não fazia questão de se misturar com os vizinhos. A rua não era exatamente uma comunidade de pessoas felizes ou acolhedoras. As relações ali eram rápidas e superficiais, baseadas em quem tinha o quê ou quem estava fazendo o quê. Ethan tinha seus poucos amigos, mas a maioria dos moradores o via como mais um entre os muitos que passavam pelas ruas. Nada de especial. Nada que o tornasse notável.
No entanto, havia algo sobre ele que se destacava: sua habilidade de consertar coisas. Ele não era o mais educado ou o mais bonito, mas entendia de máquinas de um jeito que poucos conseguiam. As peças que ele usava, muitas vezes retiradas de aparelhos antigos ou quebrados, faziam milagres, e isso chamava a atenção de pessoas que não podiam pagar o preço de um técnico profissional. Para muitos, Ethan era apenas o cara que sabia o que fazer quando a TV parava de funcionar ou o ar-condicionado começava a fazer um barulho estranho. Mas para ele, aquilo era o suficiente. Não mais, não menos. Era sua vida, e ele a aceitava. Era a única coisa que ele sabia fazer bem.
Naquele dia em particular, o sol brilhava forte e a rua estava vazia, com exceção do barulho distante de uma moto passando e o canto de um pardal na árvore do lado. Ethan estava sentado no degrau da frente de sua casa, um copo de cerveja nas mãos. Ele não estava preocupado com o que acontecia no mundo. Não importava. Ele estava mais interessado em consertar o ventilador quebrado que estava em sua oficina improvisada no trailer. Com o calor do verão, ele não tinha outra escolha senão tentar fazer o ventilador funcionar. Caso contrário, ele ficaria sufocado.
O cheiro da gasolina que ele usava para limpar as peças se misturava com o calor insuportável da manhã. De repente, o som de um carro parando na frente de seu trailer o tirou de seus pensamentos. Era um som diferente do habitual, mais pesado, mais formal. Ethan ergueu os olhos e viu um carro preto, imponente, estacionado na entrada. A primeira reação foi de desconfiança. Ele já estava acostumado com a rotina e os rostos conhecidos da vizinhança. Mas aquele carro não se encaixava.
De dentro do carro, um homem de terno impecável saiu e se aproximou de Ethan. O olhar do homem era sério, e sua postura fazia Ethan se sentir um pouco deslocado. Ele não sabia o que aquele homem queria, mas havia algo no ar que o fazia sentir que sua vida estava prestes a mudar para sempre.
"Ethan Lancaster?" O homem perguntou, com uma voz profunda e calma.
Ethan, sem entender o que estava acontecendo, se levantou vagarosamente. "Sou eu. O que você quer?"
O homem ajustou os óculos escuros e disse algo que fez o coração de Ethan bater mais rápido: "Eu sou advogado de Richard Lancaster. E você acabou de herdar uma fortuna bilionária."