Capítulo 2 TODOS OS DIAS O MESMO ATRASO

Dígito na busca do spotify tentando encontrar uma música que ouvi em algum lugar pela internet, estou acordado desde às 5:30 da manhã, e prontinho para ir para escola, nem consigo imaginar que esse é o último ano e que daqui a alguns meses eu vou ser adulto.

Achei! Pensei que ela fosse me acalmar, mas acho que não, a letra dela é tão forte e tão triste, porém eu estou tão apaixonado por ela que vou colocar no repeat e ouvir até enjoar, e nem ligo de chorar um pouco.

Que droga nem adiantou acordar cedo, estou atrasado, preciso correr porque o meu pai odeia sair atrasado de casa, e é ele quem me leva para escola todos os dias, e não estou afim de ouvir ele reclamar de como eu sempre perco a hora e bla bla

_ Desce devagar garoto _ Reclamou Matilda a mais nova namorada do meu pai, essa é bem mais velha do que as outras, até que fim ele arrumou uma namorada que tem um emprego e não fica o dia todo na piscina tomando champanhe, geralmente as outras ligavam mais para o dinheiro do que para o dono dele, o que me deixa intrigado porque se eu fosse namorar com alguém pela grana eu iria agradá-lo de todas as formas porque assim ele não iria me largar e eu ficaria com mais grana ainda, sei lá, ou talvez não. Meu pai nunca demorou tanto tempo com alguém como está demorando com a Matilda, quatro meses, sim, isso mesmo quatro meses. Talvez porque como eu disse, ela é diferente das outras, às vezes ela até pergunta como foi meu dia.

_ Eu tô atrasado, cadê o papai?

_ Pra variar né, ele tá te esperando no carro, mas não corri _ Matilda pega alguns livros que estão escorrendo pelos meus braços _ Pra quê tanto livro André?

_ Quero levar logo todos e deixar dentro do armário da escola, assim não preciso carregar livro todo dia _

Matilda concorda com a Cabeça _ É! faz sentido, mas vai lá se não você vai ouvir sermão o caminho inteiro _

_ É eu sei, tchau _

Ela coloca os livros novamente empilhados em meus braços, torço para que não caiam, porque se não vou me atrasar mais.

Ao sair de casa vejo um caminhão de mudança na casa da frente, que já estava à venda faz um bom tempo, espero que sejam uns vizinhos legais, e quase no mesmo instante um cara sai de dentro da casa e sem mais nem menos sorri e acena para mim, cumprimento com a cabeça de volta.

Que saco antes de chegar no carro me desequilibro e todos os livros caem e se espalham pela calçada, meu pai nem deve ter notado, aposto que está no celular falando sobre algum caso da firma de advocacia.

Meu pai é Olavo de Assis um dos maiores advogados do país, é praticamente uma celebridade, vive dando entrevistas em programas de tv, sai em capa de revistas, o nosso sobrenome sempre está rodando por aí em algum lugar.

_ Merda _ sussurro e tento juntar todos os livros antes que meu pai perceba, o cara que acenou para mim atravessa a rua correndo e em poucos segundos já está me ajudando a recolher os livros do chão.

_ Tá tudo bem? Ele me pergunta

_ Tá sim! Eu só me desequilibrei, mas obrigado _

_ De nada, política da boa vizinhança, meu nome é Mateus _ Ele estende sua mão, e me dá um grande e lindo sorriso

Não tem como negar um aperto de mão depois de um sorriso desses, e ele é tão alto, sua pele é negra e ainda possui algumas sardas no rosto, a camisa dele tá suada e colada no corpo, dá pra contar direitinho quantos gomos tem na barriga trincada, de repente me pego em silêncio, parado apertando a mão do Mateus.

_ Aqui seus livros _ Ele interrompe e me trás de volta a realidade

_ Obrigado mais uma vez _ agradeço ainda olhando para ele sem nem conseguir me mexer

Meu pai me assusta com a buzina do carro _ Estamos atrasados outra vez André, vamos _ Gritou ele com a cabeça pra fora da janela do carro.

_ Então, eu .. eu .. acho que vou nessa, mas obrigado de novo _ Que droga eu tô gaguejando

_ De nada, de novo! Boa aula _ Ele sorri e quando eu tô prestes a entrar no carro ele grita _ Ei, como é seu nome?

E eu respondo _ André _ E logo em seguida entro no carro

_ Quem é o rapaz? Pergunta meu pai

_ É novo vizinho da frente _

_ Hum, e o que você conversou com ele?

_ Nada de mais, eu acabei tropeçando na calçada os livros caíram no chão e ele só me ajudou a pegar _

Ele concorda com a cabeça, bate as pontas dos dedos no volante e respira fundo, eu já sei o que ele vai falar, já faz alguns dias que ele não toca nesse assunto e eu tenho certeza que ele estava esperando esse momento para falar sobre isso

_ Ultimo ano né, já pensou na faculdade?

Dessa vez quem suspira fundo sou eu, apenas neguei com a cabeça na tentativa de não prolongar o assunto, mas conheço o meu pai, ele vai falar disso até eu concordar, não é atoa que ele é o melhor advogado do Brasil não é mesmo.

_ Não? Como não? andei vendo algumas faculdades e são tão boas, você precisa dar uma olhada André, depois te mando os links _

_ Tá bom, eu juro que vou ver, mas com calma e sem pressão doutor Olavo _ falo colocando meus fones no ouvido

_ Pressão? Que pressão? Você sabe que só quero o seu bem, não é? O tom de voz mudou agora vamos falar sobre o meu passado.

_ Sim, eu sei e eu só quero te ver feliz pai, mas por favor não toca nesse assunto, você sabe que quando eu falo sobre isso eu lembro daquele lugar, e eu fico mal, por favor hoje não.

Ele concorda com a cabeça _ Tudo bem, prometo que não toco mais nesse assunto, mas pensa bem, você leva jeito pra advocacia, você é um garoto tão inteligente e esperto, tenho certeza que com o empenho certo vai se tornar melhor do que o seu pai _

Ele me olha e repara que já nem estou prestando mais atenção no que ele está falando, coloco a música no último volume me ajeito confortavelmente no banco e fecho os olhos

_ André? André? Meu pai me cutuca _ Estou falando com você _

Sou salvo pelo celular que começa a tocar bem na hora do discurso de como a advocacia mudou a vida dele, eu sei que ele ama a profissão, mas ele não abre espaço nem pra perguntar se eu quero seguir o mesmo caminho que ele. _ Você vai atender pai, sério? Você tá dirigindo _

_ Eu preciso atender esse telefonema, é muito importante, e também não vai acontecer nada, já fiz isso várias vezes _

Bastou o grande advogado doutor Olavo de Assis desviar o olhar para o celular, que ele foi capaz de atropela um garoto que passava de bicicleta no cruzamento, o garoto foi para um lado e a bicicleta para o outro, gritei logo em seguida _ Que saco pai, eu avisei _

Imediatamente sai do carro e corri para ajudá-lo _ Oi, você tá bem? Perguntei

_ Você tá cego? Não viu que o sinal tava fechado? O garoto está bravo, entendo eu também estaria

Meu pai chega em seguida ainda com o telefone ligado

_ Oi garoto, você está bem? Vou chamar uma ambulância _ Meu pai estende a mão para ajudá-lo a levantar, mas ele levanta sozinho

_ Precisa não tio, sei me cuidar _ Ele pega sua bicicleta e antes que vá embora retruca _ Cuidado com esse telefone, vocês não me mataram hoje, mas qualquer dia podem matar alguém viu, boa sorte aí _

            
            

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