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O silêncio da sala da coordenação era quase confortável. Exceto pelo som ritmado dos dedos dele tamborilando sobre a mesa. O blazer escuro pendurado na cadeira, a gravata afrouxada, e os olhos fixos em lugar nenhum - mas claramente longe dali. Ela. A garota do corredor. A aluna apressada, com os cabelos desalinhados e o cheiro de café barato. Ele tentou afastar a imagem da mente, mas não conseguiu. O impacto foi breve. Um segundo de distração. Um tropeço comum num lugar cheio de jovens. Ele já tinha passado por situações muito piores em reuniões, eventos, viagens.
Estava acostumado a lidar com CEOs arrogantes, políticos dissimulados, investidores impacientes. Mas ali... havia algo diferente. - Rebeca , - ele murmurou o nome lido rapidamente na capa de um dos livros que ela carregava. Direito Penal. Era um nome comum, simples, mas agora tinha um peso estranho. Ele havia notado mais do que gostaria de admitir: A pressa nos olhos. A vergonha no rosto. E a firmeza com que ela se abaixou para recolher os próprios livros, sem esperar ajuda. Tinha algo mais ali. Uma força quieta, discreta. Ele conhecia esse tipo de energia. Era o tipo que custava a confiar, mas nunca se curvava. Seus olhos desviaram para a janela, observando a movimentação dos alunos no pátio. Todos jovens demais, distraídos demais, vivendo vidas que ele nem se lembrava mais como eram. - Senhor Ferraz? - chamou a secretária, abrindo a porta com cuidado. - A reunião vai começar. Ele assentiu, mas não se moveu de imediato. A visita à universidade era parte de um projeto social que sua empresa patrocinava. Uma formalidade. A fundação "Horizonte Azul", braço filantrópico do seu grupo empresarial, financiava bolsas de estudo e programas de apoio a jovens em vulnerabilidade. Ele raramente comparecia pessoalmente, mas naquela tarde decidira ir. Por tédio. Por curiosidade. Por educação. E agora... estava completamente distraído. Deitou o corpo na cadeira e passou a mão pelos cabelos escuros, já cansado de si mesmo. Não era o tipo de homem que se deixava levar por encontros casuais. Tinha controle. Sempre teve. Aos 32 anos, já era conhecido por sua frieza. Um estrategista nato. Comandava uma empresa de capital fechado avaliada em mais de meio bilhão. Ninguém subia até onde ele chegou sem criar uma couraça - e a dele era de aço. Mas ali, naquele corredor de piso gasto, foi como se a armadura tivesse rachado. Talvez tenha sido o olhar dela, surpreso, mas não encantado. Ela não o reconheceu. Não soube quem ele era. E, de algum modo, isso o intrigou. Estava acostumado com mulheres que se moldavam ao seu dinheiro, ao seu poder. Que se maquiavam de promessas e intenções. Mas Rebeca... Rebeca apenas pediu desculpas e saiu. Como se ele fosse só mais alguém. Ele não sabia se queria rir ou se irritar com isso. Lembrou do momento exato em que a segurou pela cintura, da leveza do corpo dela e da tensão em seus ombros. Era como se ela estivesse sempre à beira da fuga. Sempre pronta pra se proteger. E ele sabia reconhecer quem carregava peso demais no coração. Seus próprios fantasmas nunca deixaram de acompanhá-lo. Por trás da fortuna, dos ternos sob medida, dos jantares com ministros e dos contratos assinados à meia-noite, havia um garoto pobre. Um filho de mãe solteira, criado num quarto alugado no subúrbio. Ele conhecia a fome. A solidão. A ausência de escolhas. Talvez por isso ela o tivesse atingido tanto. Porque, mesmo sem saber, ela o lembrava de um passado que ele escondia - mas nunca esqueceu. Respirou fundo e finalmente se levantou. Endireitou o paletó. Pegou o celular e caminhou até a sala de reuniões, onde esperavam os reitores, os coordenadores, e os representantes do projeto social. Mas, antes de cruzar a porta, olhou de novo pelo corredor. Pensou em Rebeca. Na pressa dela. No olhar surpreso. No silêncio compartilhado por três segundos que pareceram mais longos que qualquer reunião do dia. Talvez ele não devesse pensar mais nisso. Talvez nem voltasse a vê-la. Mas alguma coisa dentro dele dizia que aquela garota não era apenas mais um rosto desconhecido. E ele confiava nesse tipo de intuição. Ela sempre o guiou melhor do que qualquer plano de negócios.