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O sino acima da porta tilintou suavemente, anunciando mais um cliente. Rebeca estava de costas, limpando a máquina de café expresso da livraria-café onde trabalhava aos fins de semana. Era um espaço pequeno, mas aconchegante - o cheiro de livros misturado ao de grãos moídos criava uma atmosfera quase mágica, como se o tempo ali corresse mais devagar. Ela virou-se para atender o novo cliente com o costumeiro sorriso educado. Mas o sorriso vacilou por um breve instante. Era ele. O homem do corredor. O estranho de olhar grave e mãos firmes, com quem havia esbarrado na faculdade três dias atrás.
Ela tentou disfarçar o susto. Vestia o uniforme simples do café: camisa branca de botões e avental cinza amarrado na cintura. O cabelo preso novamente no coque solto, algumas mechas escapando pelas laterais. Sentiu-se... comum demais. Pequena demais. - Boa tarde, - ele disse, com a mesma voz grave e calma que ela lembrava. Rebeca engoliu em seco. - Boa tarde... - respondeu, voltando para trás do balcão. Pegou um copo de papel e preparou-se para anotar o pedido. - O que vai querer? Ele a observou por um segundo a mais do que o necessário, como se a reconhecesse, mas fingisse que não. - Um café preto. Sem açúcar. - Só isso? - ela perguntou, olhando de relance para os olhos dele. Ele assentiu, mas não sorriu. Rebeca virou-se rapidamente para a máquina, tentando controlar o nervosismo. Aquilo não fazia sentido. Como ele a encontrou ali? Seria coincidência? Ou... ele veio de propósito? "Não seja tola", pensou. "Ele nem sabe quem você é." Mas parte dela não acreditava nisso. Quando entregou o café, ele pegou o copo com delicadeza. Suas mãos eram firmes, mas cuidadosas. Como se tivesse aprendido a segurar o mundo com cautela. - Esse lugar é agradável, - ele comentou, olhando em volta. - Silencioso. - É por isso que eu gosto daqui, - Rebeca respondeu, antes que percebesse que soava pessoal demais. Ele a encarou de novo. Havia uma pergunta silenciosa nos olhos dele, mas que ele não fez. Em vez disso, caminhou até uma das mesas no canto, perto da estante de clássicos. Sentou-se, abriu o celular - mas não pareceu usá-lo. Apenas olhou para a tela, como quem pensava demais. Rebeca fingiu que voltava ao trabalho, mas não conseguia parar de observá-lo. Ele destoava daquele ambiente. Era sério demais, alinhado demais, intenso demais. Usava um terno escuro como se fosse segunda pele, mesmo num sábado à tarde. E carregava uma aura de poder silencioso, do tipo que preenche qualquer sala - mesmo sem dizer uma palavra. Ela tentou espantar os pensamentos. Voltar ao normal. Era só um cliente. Um homem bonito, sim, mas também estranho. Provavelmente casado, cheio de segredos e passado. Mas ele estava ali. Sentado. Sozinho. E com o mesmo olhar da primeira vez: aquele que parecia querer decifrá-la. O tempo passou devagar. Os outros clientes iam e vinham. Alguns pegavam livros, outros só queriam café. Mas ele ficou. Por quase uma hora. Bebeu o café devagar, mexeu no celular algumas vezes e depois... a olhou de novo. Quando se levantou, caminhou até o balcão com a mesma calma que tinha entrado. Rebeca sentiu o coração disparar de novo. - Obrigado pelo café. Ela assentiu. - De nada... Antes de sair, ele hesitou. Como se fosse dizer algo. Mas então apenas colocou uma nota generosa na caixinha de gorjetas e se virou. - Tenha um bom dia, - disse. - Pra você também... E então, ele se foi. Rebeca ficou ali, imóvel por alguns segundos. Com a garganta seca. O rosto quente. E o coração num ritmo que não fazia sentido. Quem era aquele homem? Por que ele mexia tanto com ela, mesmo sem dizer quase nada? Ela não sabia responder. Mas tinha certeza de que aquele não seria o último encontro deles. De alguma forma... algo havia começado. E ela sentia - mesmo sem entender - que sua vida nunca mais seria a mesma.