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Rebeca estava parada diante do espelho pela terceira vez naquela noite. A blusa creme de alças finas parecia simples demais, e o jeans escuro, apertado demais. Mas não importava quantas combinações tentasse, nada parecia certo. Como se nenhuma roupa no mundo pudesse prepará-la para aquele momento. Ela não era do tipo que se arrumava para encontros - até porque quase nunca havia tido um. Seus sábados à noite normalmente envolviam livros, resumos e alguma série velha para distrair a mente. Mas naquela noite, o roteiro era outro. Gabriel Ferraz. O nome dele soava importante, forte.
Até o modo como ele se apresentou parecia planejado. Rebeca havia pesquisado discretamente depois que saiu do trabalho. Descobriu mais do que imaginava: CEO de uma holding poderosa, ações em diversos setores, presença constante em eventos empresariais. Um verdadeiro magnata. E ainda assim... ele havia voltado ao café. Voltado por ela. O relógio marcava oito e vinte e cinco quando o interfone tocou. - É ele - murmurou para si mesma, ajeitando uma mecha solta atrás da orelha. Respirou fundo e desceu as escadas do prédio simples onde morava. O coração martelava dentro do peito como se quisesse fugir. Na porta, um carro preto a esperava. Gabriel saiu do banco do motorista com a mesma compostura discreta de sempre. Nada de motorista, nada de luxo exagerado. Era como se ele soubesse exatamente como parecer poderoso sem ostentar nada. - Você está linda, - ele disse, com um sorriso discreto. Rebeca sentiu o rosto esquentar. - Obrigada... você também. Entraram no carro. O rádio tocava baixinho uma música instrumental, e o silêncio entre eles era confortável, ainda que carregado de tensão. - Espero que goste de comida italiana, - ele comentou, enquanto dirigia pelas ruas iluminadas da cidade. - Gosto, sim. Ele assentiu, e o silêncio voltou - mas não era o tipo de silêncio vazio. Era como se os dois estivessem se observando, se estudando. Como se cada palavra não dita dissesse mais do que qualquer conversa superficial. O restaurante era charmoso, escondido em uma rua tranquila. Luz baixa, mesas pequenas, música suave. Rebeca sentiu-se deslocada de início, mas Gabriel a guiou com tanta naturalidade que ela logo se sentou, aceitando o cardápio como se estivesse acostumada a lugares assim. - Fico feliz por ter aceitado o convite, - ele disse, depois que o garçom anotou os pedidos. - Fiquei surpresa... - ela respondeu. - Achei que não fosse te ver de novo. - Eu também não pretendia voltar, - ele admitiu, olhando nos olhos dela. - Mas algo em você ficou na minha cabeça. Rebeca desviou o olhar, desconcertada. Aquilo era demais para assimilar. Ela era só uma estudante, uma funcionária de café. Ele era... tudo aquilo. E mesmo assim, a estava olhando como se ela fosse um enigma interessante demais para ignorar. - E por que exatamente eu fiquei na sua cabeça? Gabriel sorriu, apoiando os cotovelos na mesa, cruzando os dedos. - Porque você não me olhou como todas as outras. Não teve medo. Não teve fascínio. Você só... me viu. De verdade. Ela riu, um pouco nervosa. - Eu estava atrasada, nem pensei muito. Só queria pegar meu livro e correr. - Mesmo assim, me notou. Rebeca não sabia como responder àquilo. Sentia-se vulnerável, como se ele estivesse descascando camadas dela que ela mesma tentava esconder. E ainda assim, não conseguia se proteger dele. Havia algo magnético naquele homem. - E você? - ela arriscou. - Quem é você, além do nome? Ele encarou o vinho no copo, como se meditasse por um instante. - Um homem com muitos nomes. Gabriel Ferraz é só um deles. Ela franziu o cenho. - Isso deveria me assustar? - Talvez. Mas não agora. As palavras soaram perigosas, mas ditas com tanta tranquilidade que, de algum modo, soaram como poesia. Rebeca não insistiu. Não naquela noite. Ela sabia que havia coisas que ele só contaria no tempo certo - ou talvez nunca contaria. O jantar foi leve, com conversas sobre livros, viagens, curiosidades triviais. Gabriel mostrava interesse genuíno em conhecê-la. Fazia perguntas sobre a faculdade, sobre seu amor por direito penal, sobre por que escolheu aquele curso. - Sempre tive esse senso de justiça... de querer entender as regras do mundo, mesmo quando ele parece injusto com a gente - ela explicou, mexendo o garfo no prato. - O mundo é quase sempre injusto, - ele comentou. - A diferença é como a gente reage a isso. Ela o olhou por alguns segundos. Aquilo soava como experiência. Como dor antiga. Ele pagou a conta sem estardalhaço e a conduziu de volta ao carro, com a mesma gentileza de antes. No caminho de volta, Clara sentiu uma estranha tranquilidade. Como se, por mais enigmático que ele fosse, ela estivesse segura ali. Ao parar em frente ao prédio dela, ele desligou o motor, mas não saiu do carro. - Posso te ver de novo? - perguntou. Ela sorriu de leve. - Pode. Se quiser continuar respondendo perguntas complicadas. - Eu sou melhor fazendo perguntas do que respondendo. Mas vou tentar. Houve um silêncio. Um olhar mais demorado. Rebeca achou, por um segundo, que ele fosse se aproximar. Mas ele não se moveu. Apenas a olhou. - Boa noite, Rebeca . - Boa noite, Gabriel. Ela desceu do carro com o coração acelerado, a cabeça cheia de suposições e sensações. Entrou em casa com os olhos ainda presos à imagem dele no carro, esperando... talvez esperando que ele descesse, que batesse em sua porta, que quebrasse todas as regras. Mas ele não fez nada disso. Ele foi embora. E mesmo assim, ela sabia: aquela noite mudaria tudo.