Cantarolando baixinho, me perco olhando para fora. Quando paramos no semáforo, uma BMW para ao nosso lado; o vidro estava baixo, era um casal no carro. A mulher parecia discutir com o homem; eu não o via, apenas dava para ver sua mão apertando o volante. Porém, em nenhum momento ele disse algo. Eu até tentei ver se conseguia vê-lo, mas a mulher ficava na frente, atrapalhando completamente a minha visão.
Logo o sinal abre e o carro sai em disparada. O táxi logo começa a andar e suspiro. Sete anos longe e essa cidade parece não ter mudado nada. Parece que o encanto de passar esse tempo todo na Rússia me fez ficar um pouco chata em relação ao meu país.
Eu cresci aqui, cresci correndo por essas ruas e pelo calçadão de Copacabana. Eu costumava passar meu tempo livre na praia; eu era muito boa em surfar. Porém, agora aqui, desejo o frio da Rússia, roupas quentes e lugares de tirar o fôlego. Tudo lá parecia tão mais acessível do que aqui...
- Сэр, мы уже близки к прибытию? - falo e logo me xingo ao ver o olhar do homem sobre mim. - Desculpe, senhor. Já estamos perto de chegar?
- Estamos sim, senhorita. Apenas mais alguns minutos - diz ele.
- Obrigada - sorrio e volto a olhar para a rua.
Após alguns minutos, finalmente paramos em frente à minha casa. A bandeira brasileira na fachada da casa me faz ter certeza de que finalmente estou em casa.
O motorista me ajuda com a mala e, logo após fazer o pagamento, ando até a porta da minha casa e toco a campainha.
Uma das empregadas abre a porta e arregala os olhos.
- Luma, que surpresa você aqui! - diz Anna. Ela praticamente me criou enquanto minha mãe e meu pai viviam trabalhando. - Sua mãe tinha falado que você só viria na próxima semana.
Meu pai é vice-prefeito da cidade e minha mãe é advogada, mas ela nunca exerce sua profissão. Minha mãe prefere ficar sempre com meu pai pra onde quer que ele vá.
- Surpresa - falo, sorrindo e andando até ela, onde a abraço. - Meus pais estão em casa?
- Não. Hoje sua mãe saiu para comprar um vestido. Haverá uma festa de noivado; vão comemorar o noivado do filho do prefeito. Já o seu pai está na prefeitura, resolvendo assuntos políticos - diz ela e lembro-me do Arthur. Tínhamos uma amizade legal, mas tive que ir embora e acabamos perdendo contato.
- O Arthur? - pergunto para ela enquanto puxo minha mala para dentro.
- Ele mesmo. Parece que é um casamento arranjado - diz ela e acabo gargalhando.
- Onde aquele garoto foi se meter? Ele me falava que nunca iria se sujeitar a isso caso vinhesse a acontecer - falo, agora me sentando no sofá. - Bom, pessoas mudam, não é mesmo?
- Exatamente, querida - diz Anna. - Quer comer alguma coisa? Você deve estar com fome.
- Primeiro vou subir e tomar um banho; tenho certeza de que meu quarto ainda continua onde era - falo e Anna concorda.
- Eu cuido do seu quarto como faço desde quando você era criança, querida - diz ela, sorrindo.
- Obrigada, Anna. Agora vou subir e desço em algum tempo. Preciso de um banho bem relaxante. A viagem foi um pouco estressante - falo, soltando o cabelo enquanto me levanto do sofá e pego a mala.
- Aproveite, querida - diz ela, saindo para a cozinha enquanto subo as escadas em direção ao meu quarto. Pelo caminho, observo fotografias minhas na parede.
Meus pais tiveram uma filha depois de alguns anos após meu nascimento, porém, o bebê não sobreviveu. Bem triste isso. Minha mãe só falou isso uma vez, e desde então nunca mais a ouvi falar, e muito menos em engravidar novamente.
[...]
Havia acabado de sair do banho; eu havia vestido uma roupa confortável, com o cabelo solto para secar naturalmente. Foi quando ouvi a voz da minha mãe no andar de baixo.
Saí do quarto e desci as escadas. No sofá, havia várias sacolas de lojas diferentes. Minha mãe estava mexendo em uma das sacolas.
- Pra que tanta coisa? - falo descendo as escadas quando minha mãe levanta a cabeça e arregala os olhos.
- Filha! - diz ela, sorrindo e correndo na minha direção. - Que surpresa! Você só viria na semana que vem...
- Eu quis vir logo, estava com saudades - falei, abraçando-a, que retribuiu o abraço fortemente.
- Eu também, meu amor; seu pai vai ficar louco quando souber que a nossa bebê está de volta - diz mamãe, me deixando tímida.
- Mãe, para. Eu já sou adulta - falo, amarrando meu cabelo, pois estava um pouco quente.
- Mesmo adulta, será nossa bebê. Agora vem, eu não estava esperando você mais comprar muitos vestidos; hoje iremos à festa de noivado do Arthur. Você ainda lembra dele, querida? - diz ela, pegando uma sacola com o nome de uma marca famosa e me entregando. - Quando vi esse vestido, achei a sua cara. Eu iria guardar até a semana que vem, mas como você está aqui, entrego agora.
- Obrigada, mamãe - falo, retirando um lindo vestido bem detalhado, preto e de renda. - Nossa, mãe... que lindo.
- E olha só - diz ela, me mostrando uma máscara preta. Ela tinha vários detalhes que deixariam o rosto à mostra, porém, ainda mantendo um certo mistério.
- Pra que essa máscara? - falo, pegando-a.
- A festa de noivado vai ser com tema de máscaras - diz minha mãe, pegando a dela, que seria branca.
- Um pouco... brega, pra não falar de mau gosto - falo, sorrindo.
- Bem, independente disso ou não, nós vamos, e você irá também. Vai ser divertido - diz ela, pegando suas várias sacolas e sorrindo. - A cabeleireira virá em algumas horas; ela irá fazer nosso cabelo, e a moça que vem com ela fará nossa maquiagem e unhas. Vamos arrasar. Quero só ver a cara da Angela ao me ver.
Angela é a mãe do Arthur. Por mais que nossas famílias fossem amigas, mamãe e tia Angela sempre de certa forma tentaram competir. E sério, elas competem por tudo mesmo.
- Vocês ainda continuam com isso? - falo, revirando os olhos.
- Claro que sim, querida. Acredita que semana passada ela disse que eu estava começando a ter marcas de expressão no rosto? No mesmo dia, marquei uma consulta com a minha dermatologista; agora estou maravilhosa - disse mamãe, balançando seus lindos cabelos negros.
Minha mãe realmente é muito bonita, porém, não vamos esquecer dos seus tratamentos estéticos. Mas seu corpo bem curvado, seus cabelos negros e compridos são perfeitos, sem falar dos seus lindos olhos verdes, que infelizmente não herdei. Tenho os cabelos da minha mãe e os olhos escuros do meu pai; de certa forma, não sou feia. Até que sou bonita, não nego que tenho uma ótima autoestima.