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Da escuridão que se transformou o sonho seus olhos se abriram com um sobressalto enquanto seu rosto rapidamente se aproximava do chão, mal dando tempo para colocar suas mãos para proteger o rosto.
-Jasmine?- Ela podia ouvir a voz da irmã a chamando nas sombras- Você está bem?
Jasmine se vira no chão um pouco confusa e ainda meio enrolada na coberta. Neste momento ela estava bem feliz de não dormir em um beliche como as gêmeas.
-Estou bem.
Ela olha em volta, o piso de madeira simples familiar que ela acabara de abraçar, veja bem, o piso era simples, mas ainda era muito melhor que o piso de terra batida da maioria dos camponeses, as camas de madeira, dela e de sua irmã, também eram simples, sem afrescos e roupas de cama elaboradas, mas ainda muito mais confortáveis do que as camas de palha que eram mais comuns, e ainda normalmente divididas em um quarto com 5 ou 6 crianças, isso quando os pais não dormiam no mesmo ambiente.
Virando seu olhar para a janela ela consegue perceber que é bem cedo, mas de qualquer forma por ser período de colheita logo seria a hora de acordar mesmo, seria algo em torno de 4 ou 5 horas, antes do galo cantar ou o primeiro raio de sol despontar no céu.
Na cama ao lado sua irmã acende uma pequena vela no candeeiro para conseguir ver o que estava acontecendo após ser acordada com o baque seco do corpo de Jasmine indo de encontro ao chão. O ambiente fracamente iluminado pela vela de cebo não revelava muita coisa para para ela, só que, como suspeitado, sua irmã não estava mais em sua cama. Ela repousa o candeeiro aceso em sua mesinha de cabeceira e se levanta para verificar a irmã caída.
- Pode voltar a dormir Estela- Diz Jasmine enquanto se debate para soltar os cobertores de seu tornozelo e conseguir alguma liberdade de movimento- Só me mexi enquanto dormia, ainda devemos ter mais uma meia horinha de sono restante.
Ela pode ver claramente o rosto da irmã na escuridão, balançando a cabeça suavemente em negação enquanto se aproxima da irmã com um olhar de preocupação.
-Jasmine isso é incomum, sempre dormimos em camas assim, e até recentemente você nunca havia caído da cama, e agora esta já é a terceira vez deste ciclo lunar - Era verdade da parte de Estela, uma pessoa que está acostumada a dormir em uma cama alta, não deveria sem motivo algum começar a cair da cama com frequência durante a madrugada.
- Vamos, vou lhe ajudar- Estela tateou até encontrar a coberta, a retirou delicadamente e estendeu em seu braço
enquanto ajudava Jasmine a se levantar - Vamos adiantar a cozinha já que acordamos um pouco mais cedo irmã.
Estela entregou a coberta nos braços de Jasmine e se virou para arrumar sua cama em aparente silêncio, era a terceira vez que isso acontecia e Jasmine sempre dizia que "estava bem", "só tinha rolado na cama" e várias outras pequenas desculpas que tratavam o incidente como futilidade, mas isso não tirava a preocupação de Estela, ao contrário, só aumentava, se Jasmine ao menos lhe contasse o que estava acontecendo, ela podia ao menos saber qual a extensão do problema, visto que ela estava convencida de que havia sim algo de errado com Jasmine.
As duas irmãs arrumaram sua cama a luz fraca do candeeiro sem trocar mais nenhuma palavra a respeito quase de forma mecânica indo em seguida até o baú para trocar as camisolas brancas simples de algodão pelos vestidos de trabalho, Jasmine pegou o pequeno espelho de bronze que era um presente de seu pai para as duas filhas mais velhas e fez algumas tranças em seu longo cabelo ruivo e o prendeu para trás em um coque firme que não soltaria durante o trabalho.
- Sempre me impressiono sobre o quanto você consegue se arrumar com quase nada de luz- disse Estela enquanto prendia seus cabelos castanhos com uma tira de tecido em um rabo de cavalo baixo.
- Questão de prática eu acho- disse Jasmine enquanto se sentava para por seus sapatos, em menos de 15 minutos as duas irmãs estavam vestidas de forma simples porém limpa para o trabalho e se direcionando para a cozinha para adiantar os preparativos do café da manhã.
Estela se dirigiu para o celeiro para ordenhar o leite para o café, enquanto jasmine se ocupou em organizar a mesa, 7 pratos, garfos, facas e copos para suas 4 irmãs, seu pai e sua mãe, seus pais tiveram 5 filhas, mas até o momento, nenhum menino, e sua mãe provavelmente não conseguiria gestar mais uma criança com sua idade, afinal, sua irmã mais velha Estela já tinha 24 anos, e sua mãe passava dos 40, eram muito raras as gravidezes depois dos 40, e quando aconteciam a vida da mãe corria sério risco.
Ao pensar nisso Jasmine ficava feliz de não ser da nobreza e ter aquelas regras inconvenientes de sucessão, as terras provavelmente ficariam para a filha que optasse em continuar vivendo com os pais, e do jeito que estava indo, era bem possível que fosse Estela, afinal não era muito comum que uma jovem chegasse a uma idade tão avançada sem se casar, embora não fosse como se Jasmine estivesse interessada em casamento também, e a maioria das moças se casava com a sua idade, as sortudas na verdade, algumas eram negociadas como esposa assim que tivessem a sua primeira menarca, a família de Jasmine na verdade era muito, muito sortuda.
Enquanto pensava nisso Jasmine foi para o lado de fora da casa buscar um bom abraço de lenha para acender o fogão e ferver o leite quando Estela terminasse a ordenha, olhando ao longe na escuridão da manhã Jasmine podia ver a porta do celeiro aberta e a fraca luz do candeeiro se projetando de dentro da construção, ela virou as costas e entrou na casa.
Jasmine se ajoelhou em frente do fogão a lenha e cuidadosamente empilhou a lenha para facilitar a queima, usando um pouco de palha para iniciar o fogo, e ele facilmente, sem precisar de muito cuidado, se espalhou pelas madeiras as engolfando em chamas rubras.
A jovem ficou assistindo o fogo crepitar quase que hipnotizada pelas chamas, que vorazmente consumiam a lenha recem acessa, esse fogo a lembrou de uma dos pesadelos recentes que tivera neste ciclo, um dos que sua irmã a havia lembrado que tinham levado a jovem a despertar no chão novamente.
Neste sonho ela não era um espírito etéreo como tinha sido no sonho desta madrugada, ela quase sentia como se realmente estivesse no lugar, uma vasta planície coberta de fogo e cinzas com um forte cheiro de enxofre, não havia mais nenhuma alma viva em qualquer lugar que ela pudesse olhar na planície incandescente, o sonho não parecia ter nenhuma ligação com o sonho desta manhã, na verdade nenhum destes sonhos estranhos pareciam ter ligação um com o outro, ou sequer fazer qualquer sentido, o mais estranho do sonho, era que Jasmine não observava a planície de longe, ela estava em meio as chamas e a destruição, e não sentia seu corpo queimar, suas roupas estavam completamente intactas e as chamas só lhe davam uma reconfortante sensação de um calor agradável, até a chuva chegar e começar a banhar a planície, as gotas caindo em sua pele como se ela estivesse em baixo uma chuva de ácido, que ardia e corroía sua pele, ela se jogou no chã coberto de chamas e rolou na tentativa de aliviar a sua dor, mas a chuva foi ficando torrencial, até que... a apagou.
Nesse dia ela acordou no chão tossindo e lutando para conseguir respirar adequadamente, sua irmã ficou o dia todo preocupada com ela e a questionando do porque do episódio noturno, Jasmine não disse nada, na verdade, ela sentiu que não deveria dizer nada, e se evadiu de todas as perguntas, ela disse que apenas havia se engasgado com saliva, uma desculpa esfarrapada na verdade, mas é o que ela conseguiu pensar no momento.
O fogo a hipnotizada,até ser desperta pelo canto do galo, e quando Jasmine deu por si, sua mão estava a apenas alguns centímetros de tocar as chamas, ela deteve sua mão e a colocou junto ao peito, logo o restante da família estaria reunida na cozinha, ela não deveria agir de forma tão esquisita na frente deles.
A verdade é que sua família não se parecia em nada com ela, a família inteira era dotada de uma aparência comum, cabelos castanhos e lisos, olhos escuros como a noite, com exceção da caçula que possuía grandes olhos azuis e de seu pai, que seus olhos eram um pouco mais claros que o restante da família, Jasmine não se parecia em nada com nenhum dos dois e nem com suas irmãs. Ela era pequena comparada a Estela que tinha uns bons 15 centímetros a mais que ela, até as gêmeas eram maiores que ela, mesmo ela sendo 3 anos mais velha, os rostos de suas 3 irmãs mais velhas eram muito parecidos com os de mamãe, o rosto fino e alongado que combinava com a altura e a magreza que eram característica da família, Jasmine sempre fora mais cheinha, isso sem nem ao menos citar seus cabelos ruivos ondulados, a pouco tempo atrás ela teria parado em uma fogueira apenas pela cor de seus cabelos, acusada de bruxaria.
Jasmine suspirou profundamente abraçando o próprio corpo, não bastava toda a sua estranheza física, ela ainda tinha que ter começado a ter esses sonhos esquisitos e cair da cama pela manhã. Ela se levantou e começou a quebrar alguns ovos para fazer uma grande omelete de café da manhã, com o cheiro da comida sendo feita e o canto do galo a pouco o restante da família começou a sair de seus quartos, mamão foi ajudar a pequena Adessa a se trocar, Angélica e Antúria (as gêmeas) chegaram para o café quase como um furacão, brigando para escolher o melhor lugar a mesa, Estela chegou com o leite e já colocou ele para ferver no fogo recém acesso.
As gêmeas discutiam animadamente e deram um gritinho quando chegou seu pai, e o puxaram para sentar perto delas.
Jasmine terminou de fazer a omelete e a colocou no centro da grande mesa redonda, grande o suficiente para caber a família e se necessário alguma visita, sua mãe chegou com a pequena Adessa de 6 anos colocou o grande pão na mesa e se sentou no outro lado de seu pai, já que um dos lados estava ocupado pelas gêmeas, Estela colocou na mesa o leite fervido e a manteiga e se sentou ao lado de sua mãe, Jasmine optou por sentar ao lado das gêmeas, o mais distante possível do olhar insistente de sua irmã.
- Papai, ouvi que o príncipe está inspecionando as terras da região, é verdade?- Questionou Antúria, acho que isso explicava a animação matinal das duas.
- Algum nobre inspeciona todo ano- disse o pai enquanto arrumava uma chícara de leite para tomar junto com a omelete e a fatia de pão servida por mamãe - Normalmente eles não adentram nossas terras, normalmente a inspeção é apenas nas terras cedidas pelo rei para agrigultura.
- Tomara que ele venha - disse Angélica- ouvi que ele está procurando uma noiva, já pensou se ele se casar com Jasmine ou Estela? Fariamos parte da família real!
- Seria tão romântico!- completou Antúria.
- Espero que não venha- finalizou o pai com um tom seco de quem não estimulava muita conversa.
O tom animado das gêmeas se esvaiu depois da reação pouco entusiasmada do pai sobre a conversa, e elas continuaram a conversa com cochichos baixos e sem os risinhos de antes.
-O sol já está raiando- disse mamãe depois de um tempo- Jasmine, Estela, Antúria e Angélica, se vocês já terminaram de comer podem ir iniciar os afazeres no campo, podem deixar que eu guardo o café.
As 4 cobriram suas cabeças com lenços para se protegerem do sol no campo e saíram para iniciar mais um dia de colheita.