Capítulo 5 A Lua de Mel que Não Era

Já era fim de tarde quando o jatinho particular de Lucca pousou suavemente na pista privada de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Amanda observava pela janela, os olhos fixos naquele cenário que mais parecia saído de um cartão-postal. O mar azul turquesa se estendia até perder de vista, cintilando sob o sol. As montanhas cobertas por vegetação densa davam à paisagem um ar de paraíso isolado - e irreal. Era tudo belo, exuberante... e perigoso, como o homem sentado a poucos passos dela.

O silêncio entre eles no avião havia sido carregado. Não de palavras, mas de tensão. De olhares trocados quando nenhum dos dois fingia não perceber a presença do outro.

Assim que desceram da aeronave, um fotógrafo os aguardava discretamente ao longe. Lucca não hesitou. Entrelaçou os dedos nos dela com uma segurança que beirava o domínio.

- Lembre-se: estamos casados, apaixonados e felizes - ele murmurou rente ao ouvido dela, a voz grave e baixa como uma carícia sutil.

Amanda sentiu um arrepio subir pelas costas. Fingiu que era por causa do vento.

Forçou um sorriso enquanto caminhavam de mãos dadas até a van, mas havia algo naquele toque... algo firme, quente e estranhamente íntimo. Era encenação, ela sabia. Mas a palma da mão dele encaixada na dela parecia se moldar ao seu corpo de forma irritantemente confortável.

A mansão era absurda em todos os sentidos. Com pé direito alto, janelas enormes que deixavam o mar entrar pelos olhos, móveis de madeira clara, piscina de borda infinita e um jardim que levava direto à areia fina. Amanda parou por alguns segundos na entrada, como se tentasse entender onde estava pisando.

- Uau...

- Impressionada? - Lucca perguntou, já tirando o paletó e entregando para um funcionário. O gesto foi simples, mas Amanda não conseguiu evitar o olhar que escapou para os ombros dele, largos e definidos sob a camisa social.

Ela pigarreou, tentando recuperar o controle.

- Com tudo... menos com você.

O sorriso dele foi lento, provocador, quase preguiçoso.

- Vai se acostumar, Amanda. Isso tudo agora também é seu - disse, a voz carregada de duplo sentido, como se não estivesse falando apenas da mansão.

Ela passou por ele, sentindo de leve a fragrância amadeirada do perfume que usava. Forte, marcante. Como ele. E por mais que se esforçasse, não era fácil ignorar o magnetismo que ele exalava sem fazer esforço algum.

Após o jantar, a funcionária surgiu e a conduziu até o quarto reservado, como haviam combinado. Um dos quartos de hóspedes - longe da suíte principal. Mas antes de subir, Amanda sentiu os olhos de Lucca sobre ela. Era mais do que um olhar. Era uma presença. Ele a observava como se fosse decifrá-la, desmontá-la, descobrir o que se escondia por trás da mulher firme que enfrentava tudo de queixo erguido.

- Boa noite, Amanda - ele disse, com um tom rouco, quase preguiçoso, os olhos descendo devagar pelo corpo dela antes de voltarem ao seu rosto.

Ela parou um segundo, a respiração presa, e respondeu sem virar o rosto:

- Durma bem, Lucca. Sonhe com o paraíso que você mesmo criou.

Subiu as escadas com passos firmes, mas o coração acelerado denunciava o que não queria admitir: a presença dele ficava no ar mesmo quando ele não estava por perto.

Naquele paraíso forjado por luxo e encenações, Amanda sabia: o verdadeiro perigo não estava do lado de fora. Estava no calor que Lucca Mancini fazia crescer dentro dela - lento, insinuante, perigoso. E impossível de ignorar.

No dia seguinte, já de biquíni e saída de praia, Amanda se juntou a Lucca no deque da piscina. Ele estava de óculos escuros, lendo no tablet, com uma taça de vinho branco à mão. Ela se jogou em uma espreguiçadeira ao lado e passou protetor solar com movimentos lentos.

- A imprensa já publicou as fotos da nossa chegada - ele comentou sem tirar os olhos da tela.

- E o que estão dizendo?

- Que você é linda, elegante, e que provavelmente me fisgou pelo mistério. Estão curiosos com o fato de não terem te visto antes.

- Porque eu não existia no seu mundo.

Ele finalmente a encarou.

- Agora existe. E está sendo observada por todos.

Amanda riu, sarcástica.

- Ótimo. Mais um motivo pra me comportar como uma boneca.

- Ou como uma mulher que entende o jogo.

- Não é um jogo pra mim, Lucca.

- Não? Então por que aceitou?

Ela se calou por alguns segundos.

- Porque estava cansada de ser esquecida. Invisível. De ser a coadjuvante da própria vida.

A resposta o pegou de surpresa. Por um momento, Lucca desviou os olhos para o mar, como se digerisse aquelas palavras.

- Talvez você seja a primeira mulher que não está aqui pelo meu sobrenome.

Amanda deu de ombros.

- Talvez eu seja a única que não quer nada de você além de respeito.

Silêncio.

E então, ele se levantou.

- Temos um jantar com alguns empresários da região. Vai ser no iate de um parceiro. Você vai como minha esposa. E vai ser apresentada como tal. Aguente firme.

Ela o observou entrar na casa, com o andar firme e seguro. Sozinha ali no deque, Amanda sentiu uma pontada no estômago. Não era medo. Era outra coisa. Um sentimento que ela ainda não tinha nomeado... mas que estava crescendo.

Horas depois, o casal chegou ao iate, que mais parecia um palácio flutuante. Amanda vestia um longo vermelho justo, com um decote elegante e o cabelo preso num coque baixo. Estava deslumbrante. Lucca usava um terno claro e óculos escuros. Juntos, pareciam saídos de uma campanha de revista.

Os convidados os cumprimentavam com sorrisos curiosos. Todos queriam saber quem era a nova senhora Mancini.

- Encantado, Amanda. Lucca teve sorte em encontrar alguém como você - disse um dos empresários.

- A sorte foi minha - ela respondeu, sorrindo com classe.

Lucca, ao lado, apenas observava. Sem corrigir. Sem controlar. Pela primeira vez, ele parecia... satisfeito.

Durante o jantar, Amanda era um espetáculo à parte. O vestido vermelho marcava sua silhueta com elegância, o tecido deslizando sutilmente a cada movimento calculado. A iluminação do convés realçava o brilho discreto dos seus olhos e o tom firme da sua voz. Ela se mostrava articulada, inteligente, segura. Sabia exatamente quando lançar uma ironia leve ou uma piada certeira. Sabia elogiar sem parecer bajuladora. Sabia como estar ali - e dominar a cena.

Lucca, à cabeceira da mesa, se pegava observando mais do que deveria. Era como se cada resposta dela fosse um lembrete incômodo de que Amanda não era só a mulher do contrato. Ela tinha presença, charme, um fogo controlado que não se pedia licença para existir.

Quando os convidados foram embora e o silêncio da noite tomou conta do iate ancorado em mar aberto, restaram apenas os dois, na varanda da suíte principal. O mar, sob a luz da lua, balançava com suavidade, e a brisa morna envolvia o ambiente como um convite à entrega.

Lucca se aproximou, com um copo de uísque na mão e o olhar cravado nela.

- Você surpreende.

Amanda virou-se de leve, mantendo a postura ereta, o queixo elevado.

- Esperava o quê? Uma esposa troféu?

- Esperava alguém que só cumprisse o papel. Mas você o domina.

Ela soltou um riso curto, sem humor.

- Talvez porque eu nunca fui atriz. Só uma mulher tentando não ser engolida pelo mundo.

Lucca deu mais um passo. Agora estava perto. Perto o bastante para que Amanda sentisse o calor que vinha do corpo dele. O perfume amadeirado que ele usava invadia seus sentidos - intenso, firme, impossível de ignorar.

- E você não faz ideia do quanto isso me atrai.

As palavras vieram baixas, arrastadas, como se fossem feitas para tocar a pele. Amanda sentiu o estômago revirar, não de medo... mas de antecipação. Havia algo nele que desequilibrava suas defesas, como se soubesse exatamente onde provocar - e como.

Ela encarou o horizonte, tentando recuperar o controle.

- Lucca... isso aqui é só um acordo.

- Por enquanto - ele respondeu, com um tom que deixava claro que não se rendia tão fácil às delimitações impostas.

Amanda respirou fundo, os dedos tocando o corrimão de aço da varanda com mais força do que o necessário. Estava tentando manter a firmeza, mas por dentro... o coração batia como um tambor em marcha.

- A gente combinou - ela insistiu.

- Sim, combinamos. - Lucca se aproximou mais um passo, o suficiente para que os braços quase se encostassem. - Mas também combinamos de manter as aparências. E se eu te beijar agora... ninguém vai estranhar.

Amanda ficou em silêncio. Não havia plateia ali, mas o jogo de cena era real. E perigoso.

Ele inclinou o rosto levemente, o olhar fixo nos lábios dela. Devagar, como se desse tempo para ela recuar - mas ela não recuou.

- Você quer...? - ele sussurrou.

A pergunta caiu entre eles como uma fagulha prestes a incendiar tudo.

Amanda ergueu os olhos, firme.

- Não pergunte o que já sabe.

A tensão entre os dois era palpável. Por um instante, o tempo pareceu suspenso. Lucca permaneceu ali, próximo, os olhos nos dela, o hálito quente e alcoólico tocando sua pele. Mas ele não avançou. Não cruzou a linha.

Apenas sorriu, lento, quase cínico.

- Boa jogada, senhora Mancini.

E então se afastou, com a tranquilidade de quem sabe que já plantou a dúvida, já semeou o desejo.

Amanda ficou ali, sozinha, com o coração disparado no peito e as pernas levemente trêmulas. A noite estava quente, mas ela sentia calafrios percorrendo a pele. A brisa do mar já não era o suficiente para refrescar o que aquele homem despertava.

Ela sabia. Estava entrando em um campo minado. E o pior de tudo... é que uma parte dela estava disposta a atravessar.

                         

COPYRIGHT(©) 2022