Quando o Silêncio Grita
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Capítulo 1

O cheiro a antisséptico enchia as minhas narinas. Abri os olhos e a luz branca do teto do hospital ofuscou-me.

Uma médica de ar cansado estava ao lado da minha cama, a olhar para a minha ficha.

"Acordou, Sra. Almeida."

A voz dela era monótona, profissional.

"Onde está o meu bebé?", perguntei, a minha voz era um sussurro rouco. A minha mão foi instintivamente para a minha barriga. Estava vazia. Plana.

A médica evitou o meu olhar. "Devido ao choque anafilático, o seu corpo sofreu uma grave falta de oxigénio. Fizemos tudo o que podíamos, mas o feto não sobreviveu. Lamento imenso."

Choque anafilático.

Falta de oxigénio.

Não sobreviveu.

As palavras ecoavam na minha cabeça, mas eu não conseguia processá-las. Era como se ela estivesse a falar de outra pessoa.

Eu tinha ligado. Eu tinha ligado tantas vezes.

Peguei no meu telemóvel na mesa de cabeceira. Os meus dedos tremiam. Procurei o nome dele. Leo.

O telefone chamou uma, duas, três vezes. Finalmente, ele atendeu. O barulho de fundo era de música e risos.

"Clara? O que foi agora? Estou ocupado." A voz dele era impaciente, irritada.

A minha garganta fechou-se. "Leo, o bebé..."

"O quê? Fala mais alto! A Sofia estava a ter um ataque de pânico, tive de vir a casa dela. O gato dela fugiu e ela achou que ele tinha sido atropelado. Imagina o susto."

O gato. O gato dela.

"Leo", disse eu, a minha voz agora estranhamente calma, "eu perdi o bebé."

Silêncio do outro lado da linha. A música parou. Ouvi um sussurro, a voz de Sofia, "Está tudo bem, Leo?"

"O que é que disseste?", a voz do Leo voltou, mais baixa, tensa.

"Eu tive uma reação alérgica. Fui para o hospital. O bebé morreu." Repeti as palavras como se fossem de um guião.

"Merda. Clara, eu..."

"Não digas nada", interrompi. "Eu quero o divórcio."

A linha ficou muda por um momento. Depois, a raiva dele explodiu.

"Divórcio? Estás a brincar comigo? Por causa disto? Eu não sabia! Como é que eu podia saber que era assim tão grave?"

"Eu disse-te que não conseguia respirar."

"As pessoas dizem coisas quando estão em pânico! A Sofia também estava em pânico! Ela precisava de mim! Ela não tem mais ninguém!"

Ela não tem mais ninguém. E eu? A tua mulher grávida? Nós não éramos ninguém?

"Não me interessa, Leo. Acabou."

"Não sejas ridícula, Clara! Estás a ser egoísta! Perdemos um filho, devíamos estar a apoiar-nos um ao outro, não a falar em divórcio! Vais deitar fora o nosso casamento por um mal-entendido?"

Mal-entendido. Ele chamou a isto um mal-entendido.

Desliguei o telefone.

O meu corpo inteiro tremia. Não de tristeza. De uma fúria fria e vazia.

O nosso bebé tinha morrido porque o meu marido estava a consolar outra mulher por causa de um gato.

O divórcio não era uma decisão. Era uma consequência.

            
            

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