Duas horas depois, o meu telemóvel tocou novamente. Não era o Leo. Era a mãe dele, a Helena.
Respirei fundo e atendi.
"Clara? O Leo ligou-me, a chorar. O que é esta história de quereres o divórcio? Perdeste o juízo?"
A voz dela era estridente, acusadora. Nenhuma palavra de conforto. Nenhuma pergunta sobre a minha saúde.
"É verdade, Helena."
"Mas porquê? O meu filho adora-te! Ele está destroçado por causa do bebé! Como podes ser tão cruel e abandoná-lo num momento destes?"
Cruel. Eu era a cruel.
"Ele não estava aqui quando eu precisei dele", disse eu, a minha voz sem emoção. "Ele estava com a Sofia."
Ouvi-a bufar do outro lado. "Oh, por amor de Deus! A Sofia é uma coitada! Acabou de ficar viúva, está sozinha, deprimida. O Leo tem um bom coração, é natural que a queira ajudar. Não sejas ciumenta e insegura."
Ciumenta. Insegura.
"Eu quase morri, Helena. O nosso bebé morreu."
"Foi uma tragédia, uma terrível tragédia! Mas não podes culpar o Leo por isso! Foi um acidente! Estás a usar esta desgraça para o castigar por ser uma boa pessoa. A Sofia precisava dele!"
A Sofia precisava dele. A frase que se repetia.
"E eu? Eu não precisava do meu marido?", a minha voz quebrou por um segundo.
"Claro que precisavas, querida. Mas o Leo não é adivinho. Ele pensou que era só um susto. Agora, sê uma boa rapariga, esquece essa ideia de divórcio e concentra-te em apoiar o teu marido. Vocês precisam um do outro."
Ela não estava a ouvir. Ela não queria ouvir. Para ela, o Leo era perfeito. A Sofia era uma vítima. E eu era o problema.
"Não", disse eu, com uma firmeza que me surpreendeu. "A decisão está tomada. Vou avançar com o divórcio."
"És uma ingrata! Depois de tudo o que fizemos por ti! Vais arrepender-te disto, Clara. Vais acabar sozinha e infeliz."
Ela desligou o telefone na minha cara.
Olhei para a parede branca do quarto do hospital. Sozinha. Eu já estava sozinha há muito tempo. Só não tinha percebido até agora.
A porta abriu-se e uma enfermeira entrou.
"Sra. Almeida, o seu marido está na receção. Ele pode entrar?"
"Não", respondi imediatamente. "Diga-lhe que não quero ver ninguém."
A enfermeira pareceu surpreendida, mas assentiu.
Fechei os olhos. Eu não queria vê-lo. Não queria ouvir as desculpas dele, a sua raiva disfarçada de tristeza.
Eu só queria silêncio.