Dois dias depois, recebi alta do hospital.
O Miguel veio buscar-me. Não sozinho, claro.
A Clara estava com ele, no banco da frente do carro.
"Olá, Sofia. Estás melhor?"
A voz dela era falsamente doce.
Não respondi. Entrei no carro e fechei a porta.
O silêncio no carro era pesado.
O Miguel tentou puxar conversa.
"A mãe disse que cuidou bem de ti."
"Sim," respondi, seca.
A Clara virou-se no banco.
"Sofia, não fiques assim. Eu sei que é difícil, mas tens de ser forte. O Miguel precisa de ti."
Precisa de mim? Ou precisa de alguém para culpar em silêncio?
Chegámos a casa. O nosso apartamento parecia frio, vazio.
O quarto do bebé, que tínhamos começado a decorar, estava de porta fechada.
Não consegui olhar para lá.
O Miguel deixou as minhas coisas no quarto e saiu.
Ouvi-o a falar ao telefone na sala, a rir.
Provavelmente com a Clara.
Sentei-me na cama, o corpo dorido, o coração em pedaços.
Lembrei-me do dia em que descobrimos a gravidez.
O Miguel parecia feliz, abraçou-me, fizemos planos.
Mas essa felicidade durou pouco.
A Clara começou com os comentários.
"Tens a certeza que queres isto agora, Miguel? Um bebé dá tanto trabalho."
"Sofia, vais ter de deixar o teu emprego, claro."
E a Dona Isabel, sempre a concordar com a filha.
O Miguel nunca as contrariou. Apenas sorria, desconfortável.
A alegria dele foi-se esvaindo, substituída por uma preocupação constante com o "bem-estar" da irmã.
Levantei-me e fui até à sala.
O Miguel desligou o telefone rapidamente quando me viu.
"Estava a falar com quem?"
"Com ninguém importante."
"Era a Clara, não era?"
Ele suspirou, irritado.
"Sim, era. Qual é o problema?"
"O problema, Miguel, é que eu acabei de perder o nosso filho. E tu pareces mais preocupado com a tua irmã do que comigo."
"Não digas isso, Sofia. Claro que me preocupo contigo."
Mas as palavras dele soavam vazias.
"Então demonstra," pedi, a voz embargada.
Ele aproximou-se, tentou abraçar-me, mas eu recuei.
"Não me toques."
"Sofia, por favor..."
"Eu preciso de ficar sozinha."
Voltei para o quarto e tranquei a porta.
Deitei-me na cama e chorei até adormecer.
O divórcio parecia cada vez mais a única saída.