Grávida de oito meses, as águas da enchente já batiam na porta do meu carro, aprisionando-me no meio do caos.
A minha mão tremia tanto que mal conseguia segurar o telemóvel, enquanto, desesperada, tentava ligar para o meu marido, Tiago.
Ele era a minha única esperança.
Quando finalmente atendeu, a sua voz soou distante e, pior, irritada.
"O que foi, Clara? Estou ocupado."
Ele disse que não podia vir, que a sua meia-irmã, Laura, tinha torcido o tornozelo e o cão dela quase se afogara, por isso tinha de a ajudar.
E, sem mais, dispensou-me e desligou, deixando-me sozinha com o medo.
Abandonada naquela tempestade, o meu corpo não aguentou o choque e o terror.
Perdi o nosso filho, ali, no meio do caos e da água gelada.
Mas a crueldade não parou.
A família dele, liderada pelo meu sogro Ricardo, ligou a culpar-me, a chamar-me dramática e egoísta, chegando a congelar as nossas contas conjuntas para me forçar a aceitar a "tragédia" em silêncio.
A morte do meu bebé era uma "tragédia", mas a minha dor e o abandono de Tiago eram apenas um "circo", segundo eles.
Como podiam ser tão frios? Como podiam culpar-me por algo que ele podia ter evitado?
Ele escolheu a sua meia-irmã e o cão dela em vez do seu próprio filho?
A sua desculpa soava a falso, mas a minha mente estava num nevoeiro de luto e descrença.
Eu estava partida, mas não quebrada.
A minha tristeza deu lugar a uma raiva gélida e uma determinação de aço.
Eles acharam que eu seria silenciada, que a culpa me consumiria.
Mas quando a minha mãe encontrou a foto, a verdade chocante veio à tona, revelando a verdadeira face daquele homem e da sua família.
O Tiago não estava a "salvar" ninguém; ele estava a divertir-se.
Aquela mentira custou-me o meu filho.
Agora, ia custar-lhes tudo.