O painel do carro apagou-se com um estalo. As luzes morreram.
Estávamos presas numa caixa de metal escura, a ser empurrada pela corrente.
"Temos de sair daqui," disse a minha mãe, a voz a tremer.
Ela tentou abrir a porta, mas a pressão da água era demasiado forte.
Eu puxei o meu cinto de segurança, o coração a bater descontroladamente contra as minhas costelas.
O bebé mexeu-se, uma ondulação suave na minha barriga tensa.
Um instinto de proteção, feroz e primitivo, tomou conta de mim.
Eu tinha de o salvar.
"Ajuda-me a quebrar o vidro," gritei para a minha mãe, a minha voz a ecoar no pequeno espaço.
Procurámos algo pesado. Encontrei a tranca do volante debaixo do meu assento.
Bati contra o vidro lateral com toda a força que consegui reunir. Uma, duas, três vezes.
O vidro estalou, depois partiu-se em mil pedaços.
A água jorrou para dentro, uma torrente gelada e suja.
A minha mãe gritou.
"Sai primeiro, mãe! Rápido!"
Ela hesitou, a olhar para a minha barriga.
"Eu vou a seguir! Vai!"
Ela subiu pela janela, agarrando-se ao tejadilho do carro. Eu segui-a, o meu corpo pesado e desajeitado.
A corrente era forte. Outros carros flutuavam à nossa volta como brinquedos abandonados.
O som das sirenes estava longe, um lamento perdido na tempestade.
Agarrei-me ao tejadilho, os meus dedos dormentes de frio.
De repente, uma dor aguda e lancinante atravessou o meu abdómen.
Gritei, dobrando-me sobre mim mesma.
"Clara! O que foi?" A minha mãe agarrou o meu braço, o pânico nos seus olhos.
"O bebé..." foi tudo o que consegui dizer antes de outra contração me atingir, mais forte que a primeira.
O sangue quente escorreu pelas minhas pernas, misturando-se com a água fria da enchente.
Eu estava a perder o meu filho.
Ali, no meio do caos, no tejadilho de um carro a afundar.
A última coisa que vi antes de desmaiar foi o rosto aterrorizado da minha mãe.