O funeral do meu pai acabou há três dias.
A casa está vazia, exceto por mim e pelo meu marido, Leo.
Ele está sentado no sofá, a olhar para o telemóvel, com a cara séria.
Eu sei o que ele está a pensar.
A herança.
Meu pai deixou-me a empresa da família, uma empresa de construção que vale milhões.
Leo esperava uma parte, mas o testamento do meu pai foi claro, tudo era meu.
"Precisamos de falar, Sofia", diz ele, sem levantar os olhos do ecrã.
A sua voz é fria, como sempre tem sido ultimamente.
"Sobre o quê?", pergunto, embora já saiba a resposta.
"Sobre a empresa. Sobre o nosso futuro."
O nosso futuro. Ele quer dizer o futuro dele.
"Não há nada para falar, Leo. A decisão do meu pai foi final."
Ele finalmente olha para mim, e os seus olhos estão cheios de uma raiva que ele mal consegue conter.
"O teu pai era um velho teimoso. Ele nunca gostou de mim. Ele fez isto de propósito, para nos separar."
Eu não respondo. Ele está certo. O meu pai nunca confiou no Leo.
"Ele via algo em ti que eu não queria ver", pensei.
"Sofia, eu trabalhei naquela empresa durante cinco anos. Eu dei o meu suor por ela. Tenho direito a uma parte."
"Tu eras um gestor de projetos, Leo. Foste bem pago por isso. Não tens direito a nada mais."
A sua cara contorce-se.
"É assim que tu vês? Depois de tudo o que fiz por ti? Por nós?"
Ele levanta-se e começa a andar de um lado para o outro, a sua agitação a encher a sala silenciosa.
"Eu sacrifiquei-me por esta família!"
Eu rio, um som amargo e oco.
"Sacrificaste-te? Ou viste uma oportunidade?"
O seu telemóvel vibra na mesa de centro. Ele olha para o ecrã. O nome "Clara" pisca brevemente.
A sua irmã. A sua confidente.
Ele ignora a chamada.
"Não sejas ridícula. Eu amo-te."
As palavras soam vazias, ensaiadas. Ele não as diz há meses.
"Leo, eu sei de tudo."
Digo-o calmamente, sem emoção.
Ele para de andar. A sua expressão muda de raiva para uma cautela repentina.
"Sabes de quê?"
"Sei da Clara. Sei que não é a tua irmã."
O silêncio na sala é pesado, denso. Posso ouvir o meu próprio coração a bater nos meus ouvidos.
Leo não diz nada. A sua falta de negação é a única confissão de que preciso.
"O meu pai contratou um investigador privado há dois meses", continuo eu. "Ele deu-me o relatório na semana passada. Fotos. Mensagens. Registos de hotel."
Pego no meu telemóvel e mostro-lhe uma foto. Ele e uma mulher loira, a beijarem-se à porta de um apartamento que eu não reconheço.
A sua cara fica pálida.
"Sofia, eu posso explicar."
"Não, não podes."
"Por favor, foi um erro. Eu estava fraco."
"Fraco?", repito, a minha voz a tremer ligeiramente pela primeira vez. "Tu planeaste isto. Tu e ela. Casar comigo, esperar que o meu pai morresse, e depois ficar com o dinheiro."
Ele dá um passo na minha direção, com as mãos estendidas.
"Isso não é verdade!"
Eu recuo.
"Não me toques."
A minha voz é afiada. Ele congela.
"Quero o divórcio, Leo."
As palavras pairam no ar entre nós. Finais. Irrevogáveis.
A sua máscara de arrependimento cai, substituída por uma fúria gelada.
"Tu não te vais divorciar de mim. Tu não me vais tirar o que é meu por direito."
"Nunca foi teu."
"Vamos ver o que um juiz diz sobre isso. Metade de tudo o que tens é meu. É a lei."
"Não quando há provas de fraude e adultério. O testamento do meu pai tem uma cláusula. Se o nosso casamento terminar por tua culpa, tu não recebes nada."
Ele olha para mim, o ódio a arder nos seus olhos.
"Tu e o teu pai. Sempre a conspirar contra mim."
"Ele estava apenas a proteger-me. De ti."
Ele ri, um som feio.
"Tu vais arrepender-te disto, Sofia. Vais ver."
Ele vira-se, agarra nas chaves do carro e sai, batendo a porta com força atrás de si.
A casa fica em silêncio outra vez.
Eu afundo-me no sofá, o corpo a tremer.
O alívio que eu esperava sentir não vem.
Em vez disso, sinto um vazio frio.
O meu pai tinha razão. E agora, ele estava morto.
E eu estava sozinha para lutar a batalha que ele começou.