O alarme de incêndio gritava, um som agudo que perfurava o barulho do pânico lá fora.
A fumaça preta e espessa já se infiltrava por baixo da porta do meu apartamento, o cheiro acre queimando minhas narinas.
Eu estava no sétimo mês de gravidez, e o pânico gelado tomou conta de mim.
Peguei no meu telemóvel com as mãos a tremer e disquei o número do meu marido, Leo. Ele trabalhava num escritório a apenas dois quarteirões de distância. Ele era a minha única esperança.
A chamada demorou uma eternidade a ser atendida.
"O que foi, Clara? Estou no meio de uma coisa importante." A sua voz soava irritada, impaciente.
"Leo, o prédio está a arder! Estou presa, a fumaça está por todo o lado. Preciso de ti!" A minha voz saiu como um sussurro rouco, interrompida pela tosse.
Houve uma pausa do outro lado. Eu podia ouvir uma voz feminina ao fundo, a voz de Sofia, a sua amiga de infância.
"Um incêndio? Tens a certeza? Não vejo nada daqui," ele disse, o seu tom cético.
"Leo, por favor! É sério! O corredor está cheio de fumaça, não consigo sair!" As lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se com a fuligem.
"Calma, Clara. Não entres em pânico," ele disse, mas a sua voz estava distante, desinteressada. "A Sofia acabou de torcer o tornozelo a descer as escadas aqui do escritório, estou a levá-la para a urgência. Os bombeiros devem estar a caminho aí. Fica quieta e espera por eles."
A voz de Sofia soou mais perto do telefone, chorosa e frágil.
"Leo, dói tanto... Podemos ir agora?"
"Claro, querida, já vamos," a voz do meu marido era suave, cheia de preocupação por ela.
Depois, ele voltou a falar comigo, o seu tom novamente duro.
"Ouviste, Clara? Tenho que ir. Liga para os bombeiros e não me incomodes mais. A Sofia precisa de mim."
Ele desligou.
O telemóvel caiu da minha mão. O som do aparelho a bater no chão foi abafado pelo som das minhas próprias tosses violentas.
Ele estava a dois quarteirões de distância.
Ele escolheu levá-la ao hospital por um tornozelo torcido.
Ele deixou-me aqui para morrer. A mim e ao nosso filho.