Saí do salão de festas sem olhar para trás.
O meu pai tentou seguir-me, a chamar o meu nome, mas eu ignorei-o.
Entrei no primeiro táxi que vi e dei a morada do hospital.
Durante o trajeto, a minha mente estava um caos.
A imagem do Leo e da Sofia juntos, a declaração de amor dela, a chantagem emocional.
Tudo se misturava numa confusão dolorosa.
Sempre fomos as "irmãs Damasceno". Eu, a mais velha, a frágil, a que precisava de cuidados constantes. Ela, a mais nova, a saudável, a cheia de vida.
Os meus pais, por causa da minha doença, sempre me deram mais atenção, mais presentes, mais tudo.
A Sofia nunca se queixou. Ela estava sempre lá, a sorrir, a apoiar-me.
Pensei que ela me amava.
Agora, via que por baixo daquele sorriso havia um ressentimento profundo, uma inveja que a consumiu até este ponto de loucura.
Cheguei ao hospital e perguntei na receção pelo quarto de Leonardo Andrade.
A enfermeira indicou-me o caminho para a unidade de cuidados intensivos cardíacos.
Encontrei os pais do Leo no corredor, os seus rostos devastados.
A mãe dele, a Sra. Andrade, abraçou-me assim que me viu, a chorar no meu ombro.
"Eva, querida. O nosso Leo... ele..."
"Eu sei," disse eu, a minha voz vazia de emoção. "A Sofia contou-me."
O pai do Leo, um homem geralmente sério e reservado, parecia ter envelhecido dez anos.
"Os médicos disseram que é a única opção. O coração dele está a falhar rapidamente. Ele está no topo da lista de transplantes, mas pode não haver tempo."
"E a Sofia?" perguntei.
"Ela está a fazer os testes de compatibilidade agora," disse a Sra. Andrade, a enxugar as lágrimas. "Ela é um anjo, Eva. Um anjo enviado para salvar o nosso filho."
Um anjo.
Eu queria rir. Um anjo que destrói a vida da própria irmã.
Nesse momento, a porta de um consultório abriu-se e a Sofia saiu, acompanhada por um médico.
Os seus olhos encontraram os meus.
Não havia culpa no seu olhar, apenas uma determinação fria.
"Eva," disse ela.
"Não me fales," cortei-a. "Vieste terminar o que começaste?"
Ela ignorou a minha hostilidade.
"Os testes são positivos. Sou totalmente compatível. A cirurgia pode ser feita amanhã."
"Então, vais mesmo fazer isto?" perguntei, incrédula. "Vais matar-te por um homem que não te ama?"
"Ele vai amar-me," disse ela, com uma confiança assustadora. "Quando ele acordar com o meu coração a bater no peito dele, ele vai saber que o meu amor é o único verdadeiro. Ele vai esquecer-te."