Eu, Maria da Silva, tive uma segunda chance. Um renascimento. Voltei ao dia em que tudo começou a ruir, o dia do aniversário de cinco anos de Lucas, o filho da minha irmã Sofia. Na vida passada, foi neste dia que as primeiras rachaduras na minha família perfeita começaram a aparecer, rachaduras que eu, na minha ingenuidade, ignorei.
Desta vez, eu não ignoraria nada. Eu não seria a esposa dedicada e cega que perdoava tudo em nome do amor e da família. Desta vez, eu lutaria. Lutaria por mim e, principalmente, pelo meu filho, Pedro.
Meu olhar se perdeu na rua movimentada, mas minha mente estava em outro lugar, há alguns anos, em uma memória que me assombrava como um fantasma.
Na minha vida passada, eu me dediquei de corpo e alma a João, meu marido, e à nossa família. Acreditava que tínhamos um amor eterno, uma união inabalável. Que tola eu fui. João me traiu, repetidamente, com a minha própria irmã, Sofia. Ele não apenas destruiu meu coração, mas também nosso futuro, transferindo secretamente todos os nossos bens para o nome dela.
Quando a verdade veio à tona, foi tarde demais. Eu me vi sozinha, endividada e com um filho adolescente para criar. A família de João, que sempre me tratou com falsos sorrisos, me virou as costas, apoiando a crueldade do filho e a ambição da minha irmã. Sofia, com seu rosto de anjo e coração de demônio, continuou a se aproveitar da minha desgraça.
O pior de tudo não foi a traição ou a ruína financeira. Foi a morte de Pedro. Meu filho, meu único tesouro, adoeceu gravemente. A depressão, causada pela destruição da nossa família e pelo desprezo do próprio pai, consumiu sua saúde. E eu, sem dinheiro e sem apoio, não pude salvá-lo. Ele morreu nos meus braços, em um hospital público lotado, enquanto João e Sofia viajavam pela Europa com o nosso dinheiro.
A dor daquela perda me matou por dentro. Eu morri com ele. E então, inexplicavelmente, eu acordei. Acordei esta manhã, neste mesmo dia fatídico, com a memória vívida de cada lágrima, cada humilhação, cada grama de dor.
Uma segunda chance. Uma chance de reescrever a história.
Saí do escritório do advogado com os papéis do divórcio guardados na bolsa. Meu primeiro passo estava dado. Agora, eu precisava voltar para casa e enfrentar o início do fim.
Ao chegar em casa, a cena que encontrei era exatamente como na minha memória. A sala estava decorada para uma festa infantil, balões coloridos e serpentinas por toda parte. A família de João estava toda lá, a mãe dele, Dona Elvira, seus tios e primos. Eles rodeavam Sofia e seu filho, Lucas, o aniversariante.
"Olha só que menino mais lindo! Tão esperto!" , Elvira dizia, apertando as bochechas de Lucas, que usava uma fantasia de super-herói. "Toma, meu netinho querido, a vovó trouxe um presente especial pra você."
Ela entregou uma caixa enorme, embrulhada em papel brilhante. Lucas rasgou o papel com avidez, revelando o videogame mais caro e moderno do mercado. Os olhos do menino brilharam, e a família toda aplaudiu.
No canto da sala, sentado no sofá, estava Pedro, meu filho. Ele tinha dezesseis anos, era um adolescente quieto e sensível. Em suas mãos, um livro. Ninguém olhava para ele, ninguém falava com ele. Para a família de João, Pedro era invisível. O filho da esposa que não tinha o mesmo status ou a mesma lábia de Sofia.
Meu coração se apertou, uma mistura de raiva e tristeza. A cena era um espelho do que sempre acontecia, a clara distinção de tratamento, o desprezo velado. Sofia, minha irmã, me viu chegar e abriu um sorriso falso.
"Maria, querida! Que bom que chegou! Estávamos aqui paparicando meu pequeno herói."
Ela me abraçou, um abraço frio e sem vida. Eu a afastei sutilmente.
"Onde está o João?" , perguntei, minha voz soando mais firme do que eu esperava.
"Ele foi buscar o bolo, já deve estar chegando" , respondeu Sofia, já se virando para dar atenção a Lucas novamente.
Eu caminhei até Pedro. Sentei ao seu lado no sofá. Ele levantou os olhos do livro, e eu pude ver a melancolia em seu olhar.
"Mãe, a gente precisa mesmo ficar aqui?" , ele perguntou em um sussurro.
Eu segurei sua mão. A pele dele estava fria.
"Pedro" , comecei, olhando fundo nos seus olhos. "Se eu te dissesse que podemos ir embora, para bem longe daqui, e começar uma vida nova, só nós dois, você acreditaria em mim?"
Ele me olhou, confuso. "Como assim, mãe?"
"Eu quero me divorciar do seu pai" , disse eu, sem rodeios. "Eu não aguento mais esta vida, esta família, esta falsidade. Mas eu só farei isso se você estiver comigo. Se você quiser vir comigo."
Uma chama de esperança brilhou nos olhos de Pedro. Ele detestava o pai e a família dele tanto quanto eu.
"É sério?" , ele perguntou, a voz trêmula.
"É sério" , confirmei. "Mas eu preciso de um sinal. Seu pai vai chegar a qualquer momento. Se ele vier primeiro falar com você, te dar um abraço, perguntar como você está, talvez... talvez eu pense duas vezes. Mas se ele for direto para o Lucas, como sempre faz, então você me dá a sua resposta. Combinado?"
Pedro assentiu, o rosto tenso de expectativa. Era um teste cruel, eu sei, mas eu precisava que ele visse com os próprios olhos, que sentisse na pele o que eu já sabia de cor.
Não demorou muito. A porta se abriu e João entrou, sorrindo, segurando uma enorme caixa de bolo.
"Cheguei! Onde está o campeão da vovó?" , ele gritou, seus olhos procurando por uma única pessoa na sala.
Ele passou por mim e por Pedro como se fôssemos parte da mobília. Ele foi direto para Lucas, o pegou no colo e o encheu de beijos.
"E aí, filhão? Gostou do presente que o titio mandou entregar? O melhor videogame para o melhor sobrinho do mundo!"
A palavra "filhão" me atingiu com força. Ele nunca chamava Pedro assim.
Eu olhei para o meu filho. Os olhos de Pedro estavam fixos no pai, e eu vi a última centelha de esperança se apagar dentro dele. Ele se virou para mim, a dor clara em seu rosto jovem. Ele não precisou dizer nada. Apenas apertou a minha mão com força.
A resposta estava dada.
"Vem, Pedro" , eu disse, me levantando. "Vamos arrumar nossas malas."
Nós nos viramos e caminhamos em direção ao quarto, deixando para trás a festa, a família falsa e o homem que, a partir daquele momento, não era mais nada para nós. A nossa nova vida estava apenas começando.