Eu desci ao reino dos homens, não como uma deusa em penitência, mas como uma forjadora em sua oficina. O Orbe, ainda uma semente de luz fraca em meu peito, absorvia tudo.
Eu vivi como uma soldada em uma guerra sem fim, sentindo o gosto metálico do medo e a adrenalina da batalha. O Orbe aprendeu sobre coragem e desespero. Eu vivi como uma curandeira em uma aldeia devastada pela praga, segurando as mãos de moribundos e celebrando cada vida salva. O Orbe aprendeu sobre compaixão e perda. Vivi como uma estudiosa em uma biblioteca antiga, devorando o conhecimento acumulado de milênios. O Orbe aprendeu sobre a sabedoria e a loucura da humanidade.
Eu amei e perdi. Construí e vi minhas criações virarem pó. Senti a alegria mais pura e a tristeza mais profunda. Cada emoção, cada experiência, era um ingrediente que eu tecia na matriz do Orbe da Vontade. Ele não era mais apenas meu. Ele continha as vozes de incontáveis almas, o peso de vidas inteiras. Ele se tornou algo que o Núcleo Celestial, em toda a sua pureza divina, jamais poderia ser: real.
Com o poder vinha a responsabilidade, uma lição que eu aprendi da maneira mais difícil. Eu não cometeria o mesmo erro de ter um poder absoluto e sem controle. Impus limites estritos ao Orbe. Ele não poderia ser usado para manipular a vontade de outros. Ele não poderia ser usado para ganho puramente pessoal. E a regra mais importante: ele estava intrinsecamente ligado a mim, não como um objeto, mas como uma parte da minha alma. Ninguém, nem mesmo o mais poderoso dos seres, poderia empunhá-lo sem meu consentimento explícito. Se alguém tentasse, ele se tornaria inerte, um pedaço inútil de cristal.
Os séculos passaram no mundo mortal como um piscar de olhos no Empíreo. Quando meu tempo de provação autoimposto terminou, eu retornei.
Eu não voltei como a deusa humilhada que eles esperavam.
Eu subi os degraus de volta ao Empíreo, e a própria atmosfera pareceu se curvar. A luz ao meu redor não era a luz emprestada das estrelas, mas uma luminescência que vinha de dentro. Meus olhos não continham mais a incerteza ou a dor do passado, mas a calma profunda de um oceano e a dureza do aço forjado.
Kael estava lá para me receber, sua expressão de surpresa mal disfarçada. Ele esperava uma mendiga e encontrou uma rainha.
"Alina... Você voltou" , ele gaguejou, recompondo-se rapidamente. "Suas provações parecem ter... concordado com você."
Meus olhos passaram por ele e pousaram no pedestal onde o Núcleo Celestial agora repousava, guardado como o maior tesouro do Empíreo. Ele brilhava com uma luz forte, mas eu podia sentir a corrupção que eu havia plantado, uma dissonância sutil sob a superfície. Kael o exibia, mas não podia usá-lo de verdade. Ele era um rei com uma coroa que não conseguia usar.
Um turbilhão de emoções complexas surgiu dentro de mim. Olhar para o Núcleo era como olhar para o fantasma da minha vida passada. A dor da traição, a humilhação, a sensação de perda... tudo estava lá. Mas agora, misturado a isso, havia algo novo: uma fria e dura resolução. Aquele objeto não era mais o centro do meu ser. Era apenas uma ferramenta. Uma ferramenta que eu usaria para derrubar tudo o que eles construíram.
"Sim, Kael" , eu disse, minha voz ressoando com um poder que o fez recuar um passo. "Eu voltei. E eu aprendi muito."
Meu olhar voltou para ele, e pela primeira vez, eu o deixei ver a verdade em meus olhos. Não o ódio, mas a promessa de um acerto de contas. Ele viu, e a cor sumiu de seu rosto. A caça havia terminado. A verdadeira batalha estava prestes a começar.