Ela estava linda no vestido de noiva branco, mas seu rosto era uma máscara de puro nojo.
"Meu avô te salvou, que azar o dele," ela sussurrou, a voz baixa e cheia de veneno para que só eu ouvisse. Suas unhas, pintadas de um vermelho sangue, cravaram no meu braço.
"Distraído até no dia do nosso casamento? Inútil."
Abaixei a cabeça, um sorriso frio se formando nos meus lábios, escondido de todos.
Dez anos atrás, um acidente de carro. Eu, um órfão sem ninguém no mundo, fui salvo pelo avô de Sofia. Antes de morrer no hospital, o velho me fez prometer que cuidaria de sua neta, que me casaria com a família Albuquerque como forma de gratidão.
Eu cumpri a promessa. E desde então, minha vida foi um desastre atrás do outro.
Na minha vida anterior, eu não entendia. Sofia acumulou uma dívida milionária investindo em ações. Para ajudá-la, eu aceitei me casar e me mudar para a mansão da família dela. Foi o começo do meu fim.
Uma maré de azar me engoliu. Fui atropelado por uma moto e quebrei a perna. Tive uma intoxicação alimentar grave por beber um simples copo de água da casa deles. Fui até preso injustamente, acusado de roubo por um erro que não cometi.
Enquanto isso, a família Albuquerque prosperava. O pai de Sofia, Fernando, foi promovido a diretor. A irmã mais nova dela teve o salário dobrado da noite para o dia. Até o amigo de infância inútil dela, Ricardo Mendes, virou um empresário de sucesso, fechando negócios que pareciam impossíveis.
E eu? Eu morri de uma forma inexplicável nas ruas, meu corpo abandonado e devorado por cães de rua.
A última coisa que vi foram Sofia e Ricardo, olhando para o meu cadáver. Eles não choravam. Eles riam.
Ricardo segurava um documento do seguro de vida.
"João, ainda bem que o mestre que encontramos era bom," Sofia disse, a voz cheia de alívio. "Ele sugou toda a sorte desse desgraçado..."
Ricardo a abraçou, o olhar triunfante. Ele se aproximou e cuspiu no meu corpo mutilado.
"Obrigado, irmão. Agora o dinheiro e a mulher são meus," ele disse, com um sorriso cruel. "Espero que você me veja do inferno, gastando seu dinheiro, dormindo com sua mulher e criando o seu 'filho'!"
'Filho'?
Abri os olhos.
E estava de volta ao dia do casamento.
"Minha querida esposa está certa," respondi docilmente, a voz calma. Minha mão, dentro do bolso do paletó, amassou o roteiro da cerimônia até virar uma bola de papel.
Sofia me olhou com desconfiança, mas o mestre de cerimônias a chamou. Ela se afastou, o vestido arrastando no chão.
Assim que ela saiu, Ricardo se aproximou, segurando duas taças de vinho.
"João," ele disse, com um sorriso falso. "Ouvi dizer que você não consegue satisfazer a Sofia, é verdade?"
Ele elevou a voz de propósito. Vários convidados se viraram para olhar, as conversas diminuindo.
"Quer que eu cumpra seus deveres de marido por você? Afinal... você não serve pra nada, não é?"
Algumas mulheres riram abertamente, me olhando com uma mistura de desdém e pena.
Olhei para a taça que ele me oferecia. O vinho tinha uma cor estranhamente escura. Na vida anterior, Sofia me forçava a beber "remédios para virilidade" todos os dias. Ela dizia que era para o meu bem, para a nossa futura família. Mas quanto mais eu bebia, pior minha saúde ficava. No final, eu mal conseguia segurar um garfo.
"Ricardo, sempre tão prestativo," eu disse, pegando a taça. Ergui o copo contra a luz, observando o líquido. "Essa cor... não tem algo a mais aqui dentro?"
O rosto de Ricardo mudou. A máscara de amigo caiu por um segundo, revelando pânico. Ele agiu rápido. Arrancou a taça da minha mão e, fingindo um tropeço, derramou todo o conteúdo na minha calça.
"Olhem todos!" ele gritou, apontando para a mancha escura na minha roupa. "O João nem consegue segurar uma taça de vinho! Não é à toa que na cama também não dá conta!"
As risadas explodiram pelo salão. O pai de Sofia, Fernando, me observava de longe, o rosto frio e impassível, como se assistisse a um espetáculo divertido.
Meu colega de trabalho, Pedro, se aproximou discretamente.
"João, quer que eu te apresente um curandeiro? Conheço um bom," ele sussurrou, piscando para mim. Ele era uma das poucas pessoas que se preocupava de verdade.
"Claro," respondi, limpando a calça com um guardanapo. Sorri para ele. "Me apresente vários, pra eu ter opções."
A surpresa no rosto de Ricardo foi evidente. Ele abriu a boca para dizer algo, mas o mestre de cerimônias anunciou o discurso da noiva.
Em meio aos aplausos, Ricardo teve que engolir sua raiva e esconder a expressão cruel. Ele se aproximou do meu ouvido enquanto passava por mim.
"Louco!" ele sibilou.
Sofia subiu ao palco. Ao passar por mim, seu salto alto pisou com força no meu pé. Ela nem olhou para trás.
"Hoje, eu também tenho uma boa notícia para anunciar," ela disse ao microfone, com um sorriso doce para a plateia. Seus olhos, no entanto, me fuzilavam com frieza.
"O projeto do parque comercial da Zona Leste será de responsabilidade de Ricardo Mendes."
Apertei os punhos dentro dos bolsos. Aquele era o meu projeto. Eu trabalhei nele por três meses, virei noites sem dormir. Na vida anterior, eu explodi. Discuti com ela na frente de todos, exigi uma explicação. Fui publicamente humilhado, forçado a passar por um vexame para provar minha "virilidade" e competência.
"João Lima, você tem alguma objeção?" Sofia perguntou, estreitando os olhos. Ela batucava a unha longa no microfone, um gesto de impaciência.
O salão ficou em silêncio. Todos os olhares se voltaram para mim.
"Claro que sim," minha voz soou clara e firme.
Sofia apertou os dedos no microfone. Ricardo já exibia um sorriso vitorioso, pronto para o meu surto.
"Eu acho que..." fiz uma pausa, sentindo a tensão no ar. "...Ricardo é realmente mais adequado que eu para esse projeto."
Adicionei a frase com um sorriso calmo no rosto.
O salão explodiu em murmúrios. Os convidados estavam confusos.
Sofia franziu a testa, o nojo em seu rosto se aprofundando. Ricardo ficou de boca aberta, sem entender.
"João Lima, o que você está aprontando de novo?" ela me olhou, incrédula.
Nesse momento, um garçom desajeitado esbarrou nela, derramando um pouco de vinho tinto em seu pulso.
A garçonete, uma jovem assustada, pegou um guardanapo apressadamente.
"Desculpe, Srta. Sofia, me desculpe! Vou limpar para a senhora..."
Sofia recuou como se tivesse levado um choque elétrico.
"Não precisa!" sua voz soou estranhamente aguda. Ela protegeu o pulso esquerdo com a outra mão. "Eu mesma faço."